210 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 184
A industrialização das áreas atrasadas não é um remédio universal. Convém, ainda aqui, ser realista para , evitar amargas desilusões ou irreparáveis prejuízos.
Gabriel Dessus, na Semana Social de Marselha de 1956, referiu-se a uma má interpretação que no seu país ganhou campo no espírito público: cada subperfeitura abandonada reclamava uma fábrica, como, antes de 1914, exigia um batalhão de cavadores. Reclamava que se quadrava com os votos de "fazer qualquer coisa para animar o comércio".
Convém distinguir entre as zonas potencialmente industrializáveis e as regiões mais críticas. Estas últimas restringir-se-ão muitas vezes à modéstia de unidades artesanais.
Por outro lado, o equilíbrio óptimo em dada região não pode ser comandado pela solução ambiciosa de criar aí de tudo um pouco. Convém estar atento a certos imperativos da especialização.
Finalmente, ter-se-ão presentes as necessidades de estudo cuidado. A descentralização, mesmo parcial, de uma empresa é operação complexa, cujas consequências devem ser detalhadamente atendidas, para evitar o risco de decisões catastróficas.
Mas, mesmo tratando-se das unidades mais modestas trabalhando matéria-prima local, a viabilidade do seu esforço não dispensa as infra-estruturas de que estamos carecidos, nomeadamente nas regiões montanhosas do interior.
No último período legislativo debateu-se aqui o aviso prévio do nosso estimado colega Melo Machado sobre as estradas. Não será enfadonho, contudo, insistir na sua importância e necessidade.
"A bibliografia referente ao desenvolvimento -escreve Kindleberger (in Economic Development) - está cheia de exemplos relativos à grande influência das estradas. Em certos casos esta influência faz-se especialmente sentir nas modificações sociais e, noutros casos, nas possibilidades por elas criadas relativas à expansão da produção e às economias de escala quanto à divisão do trabalho por meio do acesso a um novo mercado. Uma das desvantagens mais importantes das regiões do Sul da Itália tem sido a falta de comunicações. "Cristo parou em Eboli" quando se dirigia para o Sul vindo de Roma, pois a rede de estradas acabava ali. No Brasil a agricultura de subsistência tem grande dificuldade em trazer o café para o mercado, e a missão de assistência técnica que visita a região tem de utilizar jeeps, barcos, mulas e jumentos. Na descrição de Oscar Lewis, incluída no seu livro Life in a Mexican Village, faz-se frequentemente referência às modificações verificadas depois da construção das estradas."
Sr. Presidente: um problema essencial no nosso país - lembrava-o ainda há meses o relatório da O. E. C. E. sobre a situação da economia portuguesa em 1959)- continua a ser o da insuficiência do espírito de iniciativa dos capitalistas. Ainda, por esta razão, se justifica o interesse em intensificar a participação do Estado na constituição de novas empresas e, até, o papel mais preponderante que nesta matéria poderá caber ao Banco de Fomento Nacional. Assim, o recurso a uma política fiscal flexível e diversificada ou as facilidades normais em matéria de crédito poderão não ser, por si só e sempre, elementos decisivos para vencer o marasmo das regiões atrasadas.
Queremos significar que o recurso a sociedades de economia mista, ainda no plano regional, pode constituir um expediente de valor definitivo. Outros países, como por exemplo a França, têm recorrido a tal solução.
Trata-se, em suma, de um meio que facilita a colaboração entre as pessoas de direito público e os particulares - ou seja entre o interesso público e o lucro
capitalista -, assegurando-se uma exploração de bens ou serviços de manifesto interesse geral ou regional.
A associação entre os dinheiros públicos e os capitais privados permite, por um lado, diminuir a importância do esforço financeiro do sector público, e, por outro, constitui incentivo ao investimento privado, pela segurança que a presença do ente público proporciona, contrariando-se assim uma ociosa propensão à liquidez dos particulares.
Valha a verdade que nem sempre resultará um equilíbrio normal das duas participações. Se o ente público dispõe de uma posição financeira bastante maioritária poderá esboçar-se uma tendência para confundir a sociedade de economia mista com a régie. Contrariamente, se a sua posição é minoritária, poderão juntar-se, pela impossibilidade de o ente público fazer triunfar a sua vontade, alguns dos fins propostos com a constituição da sociedade.
No seu activo, porém, mesmo entre nós, as sociedades de economia mista revêem-se na solução de importantes problemas de carácter nacional. Será mister, agora, repetimos, desejá-las como elementos de apoio ao planeamento regional.
Ora todas estas exigências do desenvolvimento regional parece recomendarem uma revisão das normas relativas às atribuições e competência das pessoas colectivas de direito público locais em matéria económica.
Nos últimos 100 anos acentuou-se consideràvelmente o grau de intervenção do Poder Central na vida económica. Esta evolução não se verificou, paralelamente ou com a mesma intensidade, em relação às instituições locais. Embora, por exemplo, no caso dos municípios, se possa assinalar a sua intervenção no apoio a actividades privadas, no controle dessas actividades ou até na satisfação, mais ou menos directa, de necessidades colectivas, o certo é que a ausência de uma forte autonomia local, as limitações do princípio da especialidade, o espírito da desamortização, as insuficiências financeiras e a carência de estruturas legais têm impedido uma presença mais oportuna e diversificada destas instituições.
A faculdade de as câmaras municipais serem sócias de sociedades comerciais resulta quase só indirectamente da lei e sempre, como é óbvio, com exclusão das fórmulas de responsabilidade ilimitada.
Ë apenas dentro deste enquadramento que se admite a participação dos municípios nas sociedades de economia mista. Assim, por exemplo, quando se pôs o caso do Metropolitano de Lisboa, tornou-se indispensável a publicação de um decreto-lei - o Decreto-Lei n.º 36 620, de 24 de Novembro de 1947.
Ora, afigura-se-me de grande utilidade alargar a faculdade de os municípios tomarem a iniciativa da criação de determinadas sociedades de economia mista. Tal solução beneficiaria, além do mais, a exploração de serviços públicos de interesse regional.
Importa, em suma, publicar um diploma onde se afirme positivamente tal faculdade e se considerem, sistematicamente, os vários problemas postos por esta nova orientação.
Mas disporão as câmaras municipais de meios financeiros que lhes permitam alargar neste sentido as suas atribuições?
A resposta, na maioria dos casos, será negativa.
O Sr. Pinto Mesquita: - A associação dos municípios rurais com os grémios da lavoura poderia ser uma fórmula feliz de realizarão desse intervencionismo económico.
O Orador: - É, de facto, uma sugestão interessante.