16 DE DEZEMBRO DE 1960 223
Queixa-se o País frequentemente de que não tem carne nem abundância nem na qualidade necessárias, mas, se olharmos para o mapa acima, logo encontraremos a explicação.
É que, na escala do aumento de preços dos géneros agrícolas, a carne e o trigo são os que menos têm subido.
Os preços dos produtos industriais são nitidamente superiores aos preços dos géneros agrícolas, mas onde a discrepância é aterradora é na mão-de-obra.
Enquanto no preço cujo índice actual mais alto é o do vinho (330) os Índices de elevação do preço de mão-de-obra chegaram a atingir mais do dobro (695-660) e só os trabalhos de Inverno, os mais baixos, se aproximaram (388), que dizer se os compararmos aos índices de todos os outros géneros, oscilando entre 200 para o trigo e 257 para o azeite?
Estes números são mais expressivos do que tudo o que se possa dizer e demonstram bem a necessidade que há de não criarem mais embaraços à lavoura, que tanto precisa de ser ajudada, para que se não agravem as dificuldades em que se debate.
Bom é que S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças tenha nítida, consciência, como o demonstra através do seu relatório, do estado melindroso da economia agrícola, e isso nos dá esperanças de ver terminar certas desigualdades tributárias que têm flagelado algumas regiões do País e cujos ecos, por mais de uma vez, têm chegado a esta Assembleia.
A acção do Estado, diz S. Exa., «terá assim de continuar a fazer-se sentir cada vez mais na divulgação dos métodos destinados à conservação e aumento de fertilidade do solo, pela adopção de melhores práticas de rotações e de mais racionais o eficientes adubações: na investigação, através do melhoramento das plantas e dos animais; pela insistência no aperfeiçoamento técnico dos métodos de cultivo; no incremento das campanhas de sanidade pecuária e zootécnica; na introdução deliberada de novas culturas, nomeadamente as de carácter industrial; enfim, enfrentando decididamente as dificuldades iniciais que poderão resultar da orientação da lavoura para outros tipos de cultivos e explorações, escolhidas mais de acordo com as condições ecológicas, e que, embora já praticadas, não tem ocupado até agora a posição relativa que seria desejável».
Para quem em tantos anos vem advogando aqui a indispensabilidade das culturas de carácter industrial para os regadios é causa de satisfação ver esta necessidade reconhecida mesmo com maior amplitude. Ao terminar o seu relatório na parte que diz respeito à agricultura diz o Sr. Ministro das Finanças:
«Mas à própria lavoura caberá também desempenhar um papel activo e decisivo nesta tarefa de reconversão, preparando-se convenientemente para as novas exigências e solicitações que irão surgir, resultantes da revisão do condicionalismo da sua posição no quadro económico nacional.
O problema de maior receptividade às técnicas modernas, a criação de um espírito de empresa, a melhor consciencialização da sua missão, serão, entre outros, alguns dos parâmetros a que a lavoura terá de a ter-se para equacionar e resolver os seus problemas».
É evidente que, se a lavoura quiser defender-se economicamente e adoptar técnicas mais modernas, terá que mecanizar-se. Vemos, porém, no quadro acima apresentado, como subiram os preços das máquinas agrícolas, quase todas de importação; e quem a aconselha, quem experimenta por forma a poder com alguma segurança orientar-se na aquisição por entre a grande, e infinita variedade de marcas e modelos de que constantemente se reclamam as excelências?
Onde estão os concursos de máquinas agrícolas que em cada região possam demonstrar a sua adoptabilidade, a sua eficiência, os seus resultados económicos?
Não temos nada disto, e a lavoura, composta na sua grande maioria de pequenos lavradores, armados quase só da experiência do passado, da sua magnifica coragem e admirável resistência, da sua nunca enfraquecida esperança num bom ano, luta permanentemente contra o clima desconcertante, contra as doenças que não sabe combater, contra as epizootias que lhe dizimam os gados, contra os preços insuficientes e contra a carestia de tudo o que necessita adquirir, contra uma mão-de-obra que cada vez escasseia mais e mais se encarece, encontrando sempre muito quem lhe embarace o esforço e muito pouco quem, qual Cirineu, a ajude a levar a sua cruz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E como se todas estas faltas não fossem suficientes, ainda aparecem, ao que parece com beneplácito superior, propagandistas que, sob o pretexto de fazer evoluir a agricultura, pretendem fazer tábua rasa do direito de propriedade, esse direito mais caro ao lavrador que qualquer outro, pois constitui para ele, como a própria essência do seu ser, o cerne da sua organização, o ponto firme em que se apoia solidamente, donde partiu para o muito que já fez e donde porventura partirá para o muito que terá ainda de fazer.
Cuidado, Srs. Governantes! As vezes as teorias, mesmo as aparentemente mais repudiadas, fazem o seu caminho, mesmo quando através dele vieram semeando o aniquilamento moral e a miséria económica, porque o acicato do mal sempre encontra engenho para se apresentar sob capa de inocência e de objectivos económicos felizes a alcançar.
Parece-me essencial, indispensável, evitar que esta corajosa população agrícola chegue um dia, ao seu non possumus, com todas as suas trágicas consequências, deixando-nos na consciência o travo amargo de não termos sabido, a tempo, evitá-lo.
Eu menos que ninguém posso ignorar o enorme esforço que o Governo faz através dos organismos de coordenação económica, esforço notável e orientado no sentido da melhor utilidade, ficando-mo, todavia, autoridade para afirmar que esse esforço se realiza no panorama normal da nossa agricultura., muito raramente lhes sendo possível forçar o meio ambiento.
E, para não terminar as minhas considerações sob estas pesadas preocupações, seja-me permitido regozijar-me, não só ao constatar que caminhamos deliberadamente para a industrialização do País, como por ver que, no quadro I do relatório que venho a apreciar, referente às origens do produto nacional bruto no sector indústria, não só tenham desaparecido os sinais de menos, como os aumentos sejam largamente positivos, dando lugar a que S. Exa. o Ministro das Finanças nos afirme que o acréscimo do produto nacional bruto em 1959 se elevou a 2 334 000 contos, enquanto que no ano anterior se situava, em 790 000 contos.
E é sob esta nota optimista quo encerro as minhas considerações, no desejo de quo ao esforço realizado pelo nosso Governo corresponda um sucesso, de quo o único beneficiário será o País..
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: desde o momento em que me foi dado o privilégio e a honra do ingressar nesta muito digna Assembleia Nacional jamais