16 DE DEZEMBRO DE 1960 227
seja por lembrança para esta Assembleia, e por detrás dela -o que sobretudo imporia- para o Governo da Nação. Será por isso a sorte menos mofina com VV. Exas., Srs. Deputados, de que comigo, pois por pouco tempo terão que me ouvir; à quelque chose malher est bom.
Na merecida sequência de louvores ao Sr. Ministro das Finanças não faltará aqui o meu, não só pelos discretos toques de aperfeiçoamento que imprimiu ao articulado do texto da proposta, como, sobremaneira, pelo amplo, estruturado e elucidativo relatório de que a precede e com que a justifica. Ainda um passo para a consolidação da boa tradição em que temos prosperado desde a viragem decisiva de 1928 operada pela histórica iniciativa do Sr. Presidente do Conselho. A almejada «Vida Nova» de Oliveira Martins, finalmente convertida em realidade! Isto tem particular sentido para nós, que somos da época -e mesmo quando aprovado a tempo- do orçamento- labirinto para manejo equívoco de raros apenas e explosiva matéria para as oposições políticas.
E entremos no primeiro dos pontos a que pretendo hoje aludir - o da actual posição do Entre Douro e Minho dentro da crise geral da lavoura que o relatório da proposta analisa e que quase todos os Srs. Deputados que me precederam nesta tribuna têm ilustrado panorâmica e convincentemente e para os quais têm vindo lembrando remédios e paliativos dignos de reflexão, mas sempre morosos.
Trago também aqui, à colação, o meu depoimento quanto à terra minhota.
Sabido é que, como culturas fundamentais, essa região produz cereal de base, o milho associado ao feijão, e complementarmente o vinho - o vinho verde.
Quanto ao milho de regadio, ainda previa o relatório da proposta em discussão relativa normalidade de produção, em contraste com o já então verificado desastre com o trigo e o centeio. As calamitosas circunstâncias climáticas, de uma nunca vista pluviosidade, praticamente ininterrupta desde meados de Setembro até agora, tiraram-nos todas as ilusões. Repetição das calamidades que o Sr. Deputado Santos Bessa nos referiu do baixo Mondego. A acrescentar ao desastre definitivo do milho que, imaturo em grande parte, não foi possível recolher do campo, ocorre o do milho que, embora colhido, não tem sido possível secar por falta de sol. As chuvas prematuras vieram precisamente coincidir com um ano em que, pelo menos no Norte do País, as sementeiras das terras funda;- haviam sofrido, geralmente, atraso pelo seu encharcamento, determinado pela persistência das chuvas primaveris.
O problema da seca artificial é, decerto, um daqueles para que é preciso encarar solução adequada, pois se a possibilidade de seca pelo simples recurso dos meios naturais se reduz a extremos calamitosos em anos excepcionalmente húmidos como este, mesmo em quase todos os outros anos é origem de prejuízos consideráveis. É a broa a saber a saibro e que, no entanto, não deixa de se comer ... e até com subentendida satisfação dos chefes de família, de assim ser porventura melhor, porque se come menos! ...
Certamente problema a só poder ser resolvido em áreas de minimifúndio, ou mesmo de propriedade média, pelo recurso à união e cooperação da lavoura. Mas se, como muito bem disse o Sr. Dr. Peres Claro, precisamente a sua falta é o maior dos males de que a mesma sofre! ...
E lembrarmo-nos de que este produto vegetal - e mesmo para conservar o actual preço é protegido - perdeu cerca de 30 por cento do seu valor de 1914 na equivalência do ouro!
Vejam agora o outro grande produto da clássica lavoura do Noroeste: o vinho.
Aqui verificou-se este ano uma anómala abundância, que, longe de beneficiar, ameaça deveras prejudicar o lavrador, que não estava para ela preparado com o necessário vasilhame. As calamidades do tempo também concorreram para largos prejuízos nas vindimas, feitas com escassez de braços e com as dificuldades resultantes da chuva, sobretudo nos altos enforcados, que são a forma ali dominante da armação da vinha. Bem podiam os vindimadores repetir, embora com sentido diferente, o que Sá de Miranda- dissera desses enforcado na carta ao Senhor de Basto:
Nunca vi, disse, enforcado
Que a forca assi merecesse
Sei que em zonas, por exemplo, precisamente em Basto, houve vindimas prolongadas até fins de Novembro!
Já se vê que vinhos assim colhidos houveram de sofrer na quantidade e, sobretudo, na qualidade.
No entanto, de uma maneira geral, o vinho, que se anunciava até à chuva deveras prometedor, parece dar ainda assim, em média, prova razoável.
Como íamos dizendo, a falta de vasilhas trouxe ao lavrador a urgência de se entregar por todo o preço a quem se lhe apresentasse com elas. O preço do vinho, que andava no ano anterior pela ordem média de 1600$ por pipa, desceu verticalmente na vindima nestas condições para 800$, 700$, 600$, menos ainda.
É bem certo que o benefício para o consumidor, como sempre, quase se não deu por ele.
Isto põe o problema do crédito ao viticultor que lhe facilite a resistência a uma subversão destas. Esse crédito não existe como na zona da Junta Nacional, no Douro ou no Dão. O organismo representativo da região dos vinhos verdes, a respectiva Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes não tem poderes legais para tanto. O velho regulamento de 1928 está antiquado neste ponto, como noutros. Seria uma medida urgente e fácil conceder-lhe meios legais que noutras regiões já têm dado as suas eficientes provas. É certo que essa Comissão por vezes tem usado, no sentido de desencharcar o mercado, do processo indirecto da queima do vinho. Esse recurso, embora útil, é insuficiente, pela sua limitação e morosidade.
Aqui fica a sugestão ao Sr. Ministro da Economia de que me parece, se poderia tirar proveito ainda em tempo útil para a presente colheita, se aplicado rapidamente.
Sr. Presidente: vou passar para o segundo dos pontos a que me propus aludir a propósito da Lei do Meios:
Electricidade. - No respectivo artigo 16. º, alínea a), continua a pôr-se à cabeça dos financiamentos destinados ao bem-estar rural. No entanto, mais uma vez há que insistir que, quanto à distribuição da energia nos meios rurais, se deva considerar ultrapassado de longe a fase municipal, só aceitável hoje um grandes meios urbanos: Lisboa, Porto e, talvez, Coimbra, Braga. Setúbal ...
Só dessa maneira se conseguirá, quanto à distribuição, pôr-se o consumidor de todo o País em justa imunidade perante a electricidade, como perante o imposto e perante a lei. O que não quer dizer que os municípios não aufiram indirecta percentagem do consumo verificado.
Mas é precisamente da electricidade rural que me vou trasladar para um aspecto do consumo urbano de energia: o da minha terra. E digo especialmente urbano porque só por graça se poderá insistir nessa