1492 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58
preparar o consumidor, isto é, afinal o País, para a viragem a operar no sistema fiscal.
Como escreveu o Sr. Ministro das Finanças (Relatório, p. 82):
A aplicação destas medidas foi imposta essencialmente pelas necessidades de defesa da Nação. No entanto, elas representam a primeira fase da reorganização geral da tributação de consumo actualmente em curso, que passa a desempenhar papel estabilizador num sistema tributário orientado no sentido do rendimento real.
Anuncia-se no relatório da Lei de Meios que a incidência do imposto sobre o valor das transacções será azada no estádio do comércio por grosso, recaindo, assim, como imposto único, sobre o preço de venda dos produtos, na passagem do grossista (ou do produtor, na hipótese de não existir grossista independente) para o retalhista.
Haverá uma taxa geral, cujo quantitativo se não concretiza, aplicável genericamente a todos os produtos não expressamente isentos, e ainda taxas agravadas e reduzidas em relação a determinados bens de consumo.
O montante do imposto será incorporado no preço de venda dos produtos, cessando assim a actual imposição de indicação separada do imposto de consumo.
Coincidirá com a instituição do imposto sobre as transacções a reorganização da tributação do consumo, extinguindo-se o imposto existente sobre consumos supérfluos ou de luxo e integrando-se no novo regime geral a tributação fixada quanto a certos produtos em regime especial.
São estas afinal as linhas mestras anunciadas, quanto ao regime do imposto sobre o valor das transacções.
Valerá a pena fazer sobre elas um breve comentário.
Quanto à própria instituição do imposto geral sobre transacções vêm sendo indicadas duas razões de fundo:
A) O imposto geral sobre o consumo representa o natural complemento dos impostos directos, «conferindo o indispensável grau de equilíbrio e harmonia ao sistema fiscal português». Já em 1957 o Prof. Doutor José Teixeira Ribeiro, na comunicação feita ao II Congresso dos Economistas Portugueses, «Industrialização e Política Fiscal», dizia com a sua reconhecida autoridade:
Os nossos impostos de consumo são, na sua quase totalidade, impostos de fabrico e de venda e direitos de importação, com largo predomínio destes últimos. Assente, porém, sobre as pautas, e não obstante o volume de bens directos e instrumentais importados, a tributação do consumo sofre naturalmente de muitas lacunas, deficiências e disparidades que, segundo parece, só poderão ser corrigidas ou atenuadas mediante um imposto sobre o valor das transacções. Esse representará a generalização, num todo harmónico, do sistema restrito de impostos de fabrico e venda, que já temos.
E conclui:
Parece indubitável que sem um imposto sobre as transacções, a integrar os direitos alfandegários, a nossa tributação do consumo nem poderá ter coerência, nem constituir um utensílio eficaz da política de desenvolvimento.
B) Por outro lado, implicações resultantes da nossa participação na Associação Europeia de Comércio Livre, a eventual adesão à Comunidade Económica Europeia e a necessidade de proteger a indústria portuguesa, no plano da concorrência internacional, aconselham o alargamento dos impostos indirectos.
E há que reconhecer a necessidade de colmatar, pelo alargamento do imposto interno sobre o consumo, a prevista redução dos direitos de importação, decorrente das limitações impostas pela participação do nosso país em qualquer das associações do comércio europeu.
Outras razões ainda se aduzem a favor da instituição do imposto sobre transacções: a moderação de consumos, atenuando o efeito de imitação. E o de evitar maior pressão de impostos sobre o rendimento, que se traduz em desencorajamento da poupança. Como nota o mesmo Prof. Teixeira Ribeiro, «o incentivo para o aforro não é reduzido, antes favorecido pelos impostos sobre o consumo».
A clássica acusação de repressividade feita aos impostos indirectos, uma vez que num orçamento familiar apertado as aquisições essenciais absorvem tudo, e, portanto, proporcionalmente os impostos de consumo têm incidência maior do que nos orçamentos sobrantes, aparece afastada ou atenuada «pela isenção dos produtos de primeira necessidade e de taxas agravadas para consumos supérfluos».
E assim o refere também o Prof. Francesco Forte, da Universidade de Turim, citando, em abono da tese, as conclusões de investigadores americanos (Miller, Mc Graw, Musgrave, Due, etc.) no sentido de que com as isenções necessárias para os produtos alimentícios essenciais o imposto sobre transacções poderia perder o seu carácter regressivo quanto ao rendimento, adquirindo a característica de imposto proporcional ou só dèbilmente regressivo, com mais acentuada regressividade nos extremos. E vem a propósito referir que às isenções anunciadas no artigo 11.º da Lei de Meios se me afigura inteiramente justificado o acrescentamento das relativas a remédios, artigos e livros escolares, calçado e vestuário de baixo custo, e produtos artesanais dentro de certo limite de preço, e assim me permito sugeri-lo ao Sr. Ministro das Finanças, penso que com o apoio da Assembleia.
Quanto à técnica do sistema de imposto, já se referiu que a intenção governamental anunciada é da adopção de um imposto único ou singular, incidindo na fase do comércio grossista, sistema seguido, embora com variantes, na Inglaterra, Suíça, Nova Zelândia e Austrália.
Pôs-se assim deliberadamente de parte a modalidade do imposto múltiplo, cumulativo ou de repetição (multiple stage tax, taxe en cascade), que atinge com taxa uniforme as transmissões do produto ao longo de todo o ciclo de produção e distribuição, e vem sendo aplicado na Alemanha, Áustria, Suíça e países da Benelux.
Esta modalidade de imposto sobre transacções, que «no aspecto conceitual é a solução elementar, está particularmente contra-indicada nos países em que a necessidade de rápido desenvolvimento económico torna indispensável um alto nível de investimento» (Dr. Paulo Pita e Cunha, obra citada). Quanto ao ponto de incidência do imposto, no circuito económico, reconhecendo-se, embora, que teòricamente a fixação da fase do comércio de retalho é a melhor, por afastar as disparidades resultantes da diversa estrutura e amplitude de circuitos comerciais dos produtos, a impossibilidade prática resultante da pequena dimensão do comércio retalhista entre nós, com todas as consequências decorrentes (impossibilidade de fácil controle, ausência de facturação, etc.), conduz à escolha do estádio do comércio grossista para a percepção do imposto.
A solução, considerada aliás a mais evoluída, da tributação sobre os valores acrescentados, que vigora em França e na Grécia, não oferece viabilidade actual no nosso condicionalismo.
Para satisfação de curiosidade própria, e porventura alheia, investiguei o rendimento produzido pelos impostos sobre o consumo de artigos e serviços supérfluos ou