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16 DE JANEIRO DE 1963 1833

esclarecida pela sua dignidade», pois «a segunda coloca-se no mesmo plano, porque a história é o tempo e a geografia é o espaço».

Lidando com o tempo e com o espaço, Kubitschek de Oliveira patenteia o aprumo e a eficiência do seu carácter. Defende e acarinha a árvore lusitana. Não esquece que as suas raízes resistiram à água do mar e atravessaram-na para darem outra árvore prodigiosa. Sente o bafo vivificador do extraordinário sucesso e a ele recorre sempre que trabalha no crescimento do Brasil - no crescimento da árvore irmã da que viceja sobre esta borda do Atlântico. Usa, assim, de um processo do probidade afectiva e de necessidade justa.

Mas ele não é só influenciado pelo coração: a inteligência também o comanda.

Vê que o Brasil, apesar de grande, seria mais pequeno se lhe faltasse a sólida ligação com Portugal no ponto de entendimento traduzido em expressão de comunidade.

Compreende que num mundo em que já não há nações que se guerreiem, mas blocos de nações que se opõem uns aos outros na luta pela regência universal, o Brasil, embora possuído da sua mentalidade de desenvolvimento, perderia força desacompanhado do Portugal da Europa e do Portugal do ultramar.

A sua clarividência fácil e naturalmente abrange também que Portugal sem a amizade do Brasil - amizade sem prejuízos semeados pelos torvos inimigos da Comunidade - não pode ter internacionalmente o peso que lhe deve ser reconhecido.

A reciprocidade, aqui, isenta de quaisquer indefensáveis reservas ou de quaisquer censuráveis cálculos, é franca, transparente - meridianamente aceite.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando Juscelino Kubitschek de Oliveira avança para o interior do Brasil e ancora no meio dos sertões a nau de Brasília, ele não esquece que as naus de Portugal fizeram o mesmo, largando de um litoral ameno para cortarem os ermos do mar, aportarem a terras de Santa Cruz e fundearem, com vista às largadas do povoamento, às largadas dos pioneiros, bandeirantes por vezes, mas sempre pioneiros de rija e incrível têmpera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não esquece porque sente, e não esquece porque pensa.

Amigo duas vezes: pelo coração e pela inteligência.

Agora anda no meio de nós, no meio do nosso respeito, da nossa admiração, da nossa amizade.

Ele está vendo, insofismavelmente, que da outra vez, quando era Presidente em exercício, não o acarinharam só por cortesia devida ao seu alto cargo. Havia e há no fundo da alma lusitana, viva e inapagável, a chama do amor ao Brasil. A prova é que aí está o mesmo entusiasmo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O grande amigo de Portugal tem no Portugal inteiro um amigo firme, assim como na amplidão dessa firmeza está o Brasil, razão perene da nossa amizade. E se estamos certos de que reparou nisto, o antigo Presidente do Brasil não pode também ter dúvidas sobre a atenção com que estamos assistindo a mais estas demonstrações de que não brotaram só do imperativo oficial as palavras de muita estima e de muito apreço que nos dirigiu então.

Os portugueses verdadeiros sabem ser amigos, e os verdadeiros brasileiros também.

A amizade, que faz parte da história do Mundo, traduzida em casos célebres, nunca foi estranha à nossa maneira de ser, individual e colectiva. Recorde-se, como paradigma, o lendário episódio do conde de Avranches, que deu a vida cavalheiresca por D. Pedro, o das Sete Partidas.

Mas a autêntica função social que se atribui à amizade hoje mostra-se excedida pela função internacional, que através das vicissitudes dos tempos de cada vez se define e impõe mais.

Esta grande função da amizade também a entende e tem servido Kubitschek de Oliveira, fidalgamente, acendradamente. Ao descerrar em Belmonte, no último dia 12, a estátua de Pedro Álvares Cabral, com certeza que a sua nobre condição de amigo de Portugal e a sua lídima condição de filho do Brasil se juntaram na sua estrutura de homem e a avassalaram, como o céu avassala a terra quando a manda crer na espiritualidade que não morre. E saiu do acto soleníssimo, não ponho dúvidas em o afirmar, com mais vontade ainda de fundear naus no interior do Brasil, para delas sair gente afoita e compenetrada em demanda do que falta descobrir e povoar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hora de meditação e de refortalecimento.

Nos confins do Brasil, na parte central da fronteira oeste, existem as ruínas de um quadrado fortificado. A primeira pedra foi lançada em 20 de Junho de 1776. Nunca as grandes cheias do Guaporé o alagaram. Para a sua construção foi preciso mandar vir de fora operários, ferro, ferramenta e outros materiais. Os canhões foram de Portugal e subiram os rios Amazonas, Madeira, Mamoré e Guaporé. A localidade mais próxima, quando se procedeu à construção do enorme quadrado, era Vila Bela, a uma distância de 700 km, pelo rio Guaporé acima. Então, além da floresta maciça e não convencida, «rondavam os índios ferozes e esturravam onças». Hoje o antigo e grandioso forte, construído para durar uma eternidade - o Real Forte do Príncipe da Beira -, está cedendo à invasão do mato. Já desabaram alguns lanços dos grossos e vastos muros, feitos de pedra canga.

Esta gigantesca obra - como disse um brasileiro - foi um milagre da vontade humana e a afirmação das qualidades inexcedíveis do uma raça - uma obra que garantiu a grandeza e a integridade da futura pátria brasileira.

Pois rogo daqui ao Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira que entre, com o seu denodo habitual, na campanha em prol da restauração do Forte do Príncipe da Beira, de forma a repô-lo na sua primitiva condição de fortaleza construída «numa clareira aberta em plena floresta equatorial amazónica», para que, refeitas as ameias alterosas e as defesas escarpadas e derrotada a vegetação intrusa, possamos atravessar, pela ponte levadiça, o famoso fosso limpo e reparado, direitos ao portão majestoso da frente norte - majestoso como era.

Por lhe ter morrido um grande e dedicado amigo, disse um dia Santo Agostinho que lhe parecia ter morrido a metade de si próprio, pelo que estimava continuar a viver só para não acabar o outro meio amigo, que em ele, Agostinho.