7 DE FEVEREIRO DE 1963 2023
Depois, o tempo foi decorrendo e com o tempo foi aumentando o progresso e com o progresso a velocidade; esta facilitada pelo aperfeiçoamento da técnica e imposta pelo ritmo da vida. E enquanto, desde o emprego do motor de explosão, a partir dos fins do século passado, não surgiu o delírio da aceleração, a evolução foi-se processando sem sobressaltos, sem originar incidentes ou acidentes que em geral não fossem o efeito normal desse progresso.
O automóvel veio depois do caminho de ferro, mas se não o venceu em regularidade, comodidade e segurança, ultrapassou-o em maleabilidade, facilidade de deslocamento e de acesso.
Não se imagine, porém, que na era do transporte hipomóvel ainda não havia protestos e reclamações contra os excessos de velocidade, pois há 100 anos foram apresentadas à Câmara Municipal de Lisboa queixas sobre o problema do trânsito, que se estava agravando dia a dia, porque «as seges andavam pelas ruas à desfilada, os boleeiros zombavam constantemente das disposições em vigor e deixavam os trens estacionados nas praças»!
Vê-se que vêm de longe os dois males, actualíssimos, isto é, o abuso da velocidade e o desprezo pelas regras do trânsito.
Chegada a era do automóvel, tornou-se muito mais acelerado o andamento na rodovia, mas não sem que ainda tivesse, nos primeiros tempos, foros de temerário, por exemplo, um percurso entre a Beira e Lisboa a velocidade que chegou a atingir o máximo de 40 km à hora, realizado pelo conhecido desportista Dr. Tavares de Melo.
Sr. Presidente: nesta pequena história pregressa dos meios de transporte rodo e ferroviários, e especialmente da evolução das velocidades, chegamos, também velozmente, à era do jacto: do jacto na aviação e do jacto na viação, dentro das proporções.
Mas prossigamos: o número de veículos motorizados inscritos em 31 de Dezembro de 1961 era no continente e ilhas de 280 838 ligeiros e pesados; de 34 340 motociclos. E eram 462 000 os velocípedes sem motor, aproximando-se estes hoje dos 500 000, o que eu classificaria de verdadeira praga se não reconhecesse a enorme utilidade prática da sua utilização, especialmente pelas classes menos favorecidas.
E vem ainda a propósito dizer que em Setembro de 1961 havia em todo o Mundo 97 251 500 automóveis.
O constante aumento que está a dar-se no nosso parque automóvel, aliás geral em todos os países, se, como é óbvio, provém do aumento da população e do desenvolvimento do tráfego comercial e industrial, não deixa de ser sintoma de melhoria na economia nacional e nas condições de vida em todas as classes, sem exclusão daquelas que se convencionou chamar económicamente débeis.
O número total de acidentes conhecidos na Polícia de Viação e Trânsito em 1961 foi de 20 756, no continente, e o número de mortes verificadas e ocorridas só no momento do desastre foi de 738, e, como os acidentes mortais foram 699, conclui-se que em 39 deles mais de uma pessoa, e se não famílias inteiras, perderam a vida. Isto é: segundo os registos daquela Polícia, quer os acidentes em geral, quer as mortes, aumentaram em relação a 1960, o que não surpreende, dados, por um lado, o desenvolvimento constante do trânsito e, por outro lado, a permanência das outras razões determinantes, razões que, especialmente, por culpa dos imprudentes e dos incorrigíveis, prevaleceram em 1961.
Mas são exactos ou completos aqueles números?
Suponho que em poucos casos como neste é tão difícil, se não impossível, estabelecer dados estatísticos e fazer confrontos que não sejam inconsistentes, se não enganosos.
É certo que aqueles números correspondem com exactidão aos acidentes registados na Polícia de Viação e Trânsito, como certo é também que, à face do artigo 66.º do Código da Estrada, todas as autoridades a quem compete tomar conhecimento dos acidentes ou julgá-los são obrigadas a comunicá-los à Direcção-Geral de Transportes Terrestres. Simplesmente, mesmo admitindo que isto se cumpre inteiramente, a verdade é que muitos acidentes ocorrem em sítios isolados, onde não são presenciados por agentes da autoridade, e ou não há testemunhas ou estas, para se livrarem de incómodos, se esquivam a denunciá-los.
Por outro lado, é muito frequente, nos casos menos graves, nem os culpados nem as vítimas denunciarem o ocorrido, porque chegam a entendimento sobre a liquidação dos prejuízos, feita directamente ou através do seguro.
A coisa arruma-se, embora não sem, em geral, as partes se atribuírem reciprocamente as culpas do feito e se increparem naquela conhecida linguagem sonora, agressiva e insultuosa, de que nem sequer se privam os de mais requintada educação. Todos o sabem, porque o ouvem. E, deste modo, a pendência termina com honra para ambas as partes ...
Isto quanto aos acidentes não mortais.
Mas, dá-se esta incerteza nos apuramentos ou nas estatísticas referentes mesmo aos casos de acidentes mortais?
Á primeira vista, afigura-se que a resposta devia ser negativa, porque, nestes casos, não é fácil ocultar o acidente às autoridades, dados os seus vestígios e a natural divulgação que têm. E assim, realmente, essa resposta estaria certa se a estatística completa pudesse respeitar apenas às mortes ocorridas na própria ocasião do acidente ou, vamos lá, mesmo na da condução das vítimas para o hospital (incluindo as que as ambulâncias por vezes fazem pelo caminho) ou durante a hospitalização; o que, aliás, segundo informação segura que colhi, não sucede entre nós, pois, repito, a estatística oficial daquela Polícia só abrange as mortes ocorridas no próprio local do sinistro. Nem, de resto, ela podia ter dados completos em todos os outros casos, visto que muitas vezes decorrem e liquidam-se por outras vias oficiais, ou meramente particulares.
Nesta conformidade, são de admitir como mais próximas da realidade outras estatísticas, como, por exemplo, as recentemente publicadas pela imprensa ou pelo Centro Português de Segurança Rodoviária.
Mais:
Para o apuramento do número exacto de mortes causadas por acidentes de trânsito e, portanto, para se elaborarem as correspondentes estatísticas em relação a cada país, e especialmente em confronto com os outros, fazia-se mister registar também os casos em que, independentemente do tempo decorrido após o acidente, a morte sobreviesse e fosse atribuída a ele, e que o critério e a base fossem iguais e comuns em todos os países.
Ninguém ignora que, até mesmo quando as lesões não sejam graves, podem sobrevir complicações ou prolongadas enfermidades provocadas por acidente, que conduzem à morte dias, meses ou mesmo muito mais tempo após a data em que ele ocorreu.
Não são raros os casos de morte provocados por complicações posteriores e lesões orgânicas, nomeadamente no cérebro, originárias de acidente; mas nisto a palavra é dos médicos ilustres que me ouvem.