17 DE ABRIL DE 1963 2305
De resto, o clima de paz e de segurança em que a imprensa tem exercido a sua missão no actual regime é assim definido por Sal azar no seu artigo:
Os que vivemos o período de 1910 a 1926, na plenitude da afirmação legal da liberdade de imprensa, e verificámos os assaltos aos jornais, as ameaças, as prisões dos jornalistas, podemos afirmar que, com a censura oficial, a imprensa tem gozado efectivamente de muito maiores garantias de isenção e de muito maior segurança no seu trabalho, podendo esclarecer e interpretar a opinião pública, talvez com menos sensacionalismo mas com maior verdade, e mais perfeito sentido da alta missão que lhe cabe.
Pio XII em Maio de 1953 disse numa alocução aos jornalistas que «estes estão sujeitos a múltiplas tentações, tanto da parte dos partidos políticos, como das empresas em que trabalham, como ainda da opinião pública, mais exactamente, das opiniões do público que o jornalista não pode suguir sem reservas, ele que precisamente as deve ajustar à verdade e ao direito e, consequentemente, purificar e guiar».
O aspecto profiláctico que pouco a pouco a censura entre nós vem revestindo ao limitar progressivamente a sua acção intervencionista pode considerar-se de certo modo uma tendência para desaparecer a mácula que ela constitui na fisionomia da nossa democracia corporativa, o que torna oportuna a decisão anunciada por Salazar de uma nova lei de imprensa, já em preparação.
Apresentar «falsas» coisas em que se creia como se fossem realidades autênticas tem sido um dos maiores esforços dos que nos atacam no plano internacional.
Assim, nos problemas secundários, em que se não sacrifiquem princípios, a melhor táctica e a mais fácil vitória é a eliminação do motivo do ataque.
Sempre me impressionou na actual legislação da imprensa, incluindo a censura, menos a limitação da liberdade de expressão do pensamento, do que a insuficiente protecção e defesa que oferece aos cidadãos quanto à insinuação tendenciosa, a alusões pessoais difamatórias, às falsas informações, mesmo que a seguir desmentidas, à exploração do sensacionalismo com fins mercantis, à provocação no sentido que lhe dá a legislação francesa do droit de presse, admiravelmente compilada no dicionário de Lucien Solai.
Isto, que felizmente rareia na nossa imprensa, toma por vezes aspectos de subversão em certos meios limitados.
Cerca de 120, infracções se considera na legislação francesa como podendo ser cometidas pela imprensa, incluindo a desmoralização da infância, o ultraje aos bons costumes, as falsas notícias prejudiciais ao prestígio do Estado e a publicidade em volta de certas bebidas alcoólicas.
Para defesa dos cidadãos seria de desejar que a nova lei considerasse a possibilidade de processos rápidos e sumários de averiguar responsabilidades e aplicar sanções em face da matéria por ela proibida - à semelhança dos métodos ingleses -, com menos complexidade do que a actual legislação o permite à defesa individual.
Seria também de desejar a persistência em cada distrito de comissões de informação e vigilância, de acção coordenadora no delicado período que se seguiria à entrada em vigor da anunciada lei, nem me parece que seria de excluir-se a hipótese, para certos casos recidivantes, de as sanções incluírem a submissão, por determinado período de tempo, ao regime de censura prévia.
«Em consequência - diz-nos o Rev.º Dr. Manuel Álvaro de Madureira, num trabalho publicado em Fevereiro de 1956 - dê-se à imprensa ampla liberdade de crítica aos actos públicos do Estado ou dos cidadãos, de apresentar protestos contra abusos da autoridade, de fazer sugestões ou expor projectos para a solução de problemas, etc.
Façam-se apenas as legítimas restrições tendentes a evitar severamente o desenfreamento de linguagem, a calúnia, a difamação, todas as formas de atropelo dos direitos alheios, o boato falso, a exploração do escândalo, a pornografia, o incitamento ao crime e à rebelião. Estas restrições são absolutamente indispensáveis, porque a cabeça que incita ao crime não é menos culpada do que a mão que o pratica. Se há cadeia para o que praticou um crime, não deve haver liberdade para o que o incitou a isso.»
Ora o que se afirma no primeiro período desta citação vem sendo na prática permitido pela presente actuação da censura, «entre nós tão benévola - como disse Salazar - que se deixa discutir a si própria, não já nos erros que consinta, mas nos seus princípios e na sua função».
É o que se diz nos períodos restantes, em meu entender, que necessita de ser severamente regulamentado na nova lei.
Aliás, a liberdade da imprensa não pode fugir ao fatalismo do nosso tempo, onde a vida trepidante e o progresso material têm conduzido à limitação das liberdades públicas e particulares. «Ou de facto a imprensa como as suas irmãs mais novas,, a rádio e a televisão - diz-nos Salazar num discurso pronunciado em 1958 -, não exercem influência alguma na formação da opinião pública, e não vale a pena gastar tanto tempo com estas discussões, ou exercem, e então os governos para os quais, como entre nós, à opinião é atribuída constitucionalmente uma função de força social têm de evitar a sua perversão. E têm também de defender o interesse nacional. O direito reconhecido ao jornalista ou ao escritor não pode aspirar ao absoluto e tem de ser enquadrado naquelas duas necessidades essenciais.»
Há alguns anos disse-me um oficial da marinha de guerra francesa que era proibida (nessa época pelo menos) a entrada nos navios e quartéis de marinha aos periódicos da extrema direita e da extrema esquerda.
Ao manifestar-lhe a minha estranheza, dadas as tradições e as características da democracia em França, respondeu-me: «Pode não ser muito democrático, mas é republicano», querendo significar que a proibição se enquadrava bem na legítima defesa da Constituição e das instituições políticas do seu país.
Parece-me que tudo isto pode ser assegurado por uma lei de imprensa que exclua a censura prévia, a qual em relação a outras actividades vizinhas, como o cinema, não julgo poder evitar-se, o que acontece em parte na legislação francesa, que submete a «controle preventivo» as actualidades cinematográficas.
Outros inconvenientes se eliminarão, se a censura puder ser suprimida. Ela pode. em hipótese polo menos, servir a alguns de pretexto para manter posições de comodismo conformista ou de justificação para amolecer iniciativas ou responsabilidades em expor problemas ou exteriorizar críticas justas que o dever imponha ou até para fornecer cobertura na recusa à publicação de prosa molestadora de certos interesses.
Por outro lado, a variabilidade de critério pessoal, impossível de evitar-se, na interpretação e aplicação das instruções superiores pelos censores locais, tem dado lugar por vezes, pelo menos na periferia do País, a desigualdades e situações por vezes paradoxais.