11 DE DEZEMBRO DE 1963 2695
pela necessidade de solucionarmos este problema de forma diferente daquela que está presentemente em curso.
Aqueles cálculos, que são devidos a um ilustre especialista de seguros, ultrapassam muito aqueles que foram referidos pelo nosso ilustre colega Veiga de Macedo, segundo o qual, em 1957, os encargos directos com os acidentes de trabalho, limitados a indemnizações, assistência médica e medicamentos, tinham ascendido a 20 0000 contos. Ora, como os encargos indirectos (representados por perdas de tempo, quebras da produção, danificações do material e das matérias-primas, etc.) são, pela estimativa dos técnicos, quatro vezes superiores aos dos directos, vemos que, em 1957, isso custou, pelo menos, 1 milhão de contos de prejuízos à Nação. Atente-se, porém, que, neste cálculo, só são considerados os prejuízos cuja responsabilidade foi transferida para as companhias de seguros e que só um terço da população, trabalhadora está abrangida pelo seguro.
Quero recordar aqui que o Dr. Veiga de Macedo salientou a importância e a gravidade do problema quando, em 1959, lançou a campanha nacional de acidentes do trabalho e afirmou que de 1949 a 1958 se registaram, a despeito de uma colheita incompleta de dados estatísticos por falta de participação de alguns acidentes, 2 500 000 acidentes de trabalho e doenças profissionais, dos quais 1 100 000 pertenceram aos distritos de Lisboa e Porto. O aumento registou-se com uma média anual de 9000 casos, passando, portanto, de 200 000, em 1949, para 276 000, em 1958, o que significa, para os 300 dias de 8 horas de trabalho, cerca de 2 acidentes por minuto.
Esses acidentes arrastam, em média, 4 por 1000 de incapacidade permanente e 1 por 1000 de mortes, e a morte ou a incapacidade permanente de cada operário corresponde à perda de 6000 dias de trabalho, segundo foi afirmado no 2.º Congresso Industrial Português. Ora, como só em 2 anos - 1957 e 1958 - morreram 1000 operários por acidentes de trabalho, devia ter havido cerca de 1 000 000 de acidentes nesses 2 anos, os quais deviam ter originado 4000 casos de incapacidade permanente.
Em sessão de 19 de Março do ano passado, o Dr. Veiga de Macedo recordou aqui como a Inspecção do Trabalho está carecida de meios para cumprir a sua importante missão, a despeito das medidas introduzidas por aquele ilustre Ministro das Corporações, que lhe agregou, em 1960, alguns médicos e engenheiros especializados. Ignoro, porém, onde e como foram especializados esses médicos. Ao Dr. Veiga de Macedo se ficou também devendo o despacho normativo de 13 de Maio de 1959, que, pela obrigação da inclusão nos contratos de cláusulas respeitantes à medicina do trabalho e à higiene e segurança do trabalho, representa já o início de um esforço sério para a melhoria das condições actuais.
Mas essas medidas isoladas não resolvem os problemas e nem podemos esquecer-nos de que ainda recentemente, em 1961, no parecer da Câmara Corporativa sobre a reforma da previdência se escreveu:
Em Portugal continuamos nesta matéria (medicina do trabalho), salvo iniciativas isoladas de alguma empresa mais importante, praticamente no zero.
As doenças profissionais têm também larga representação entre nós e alguns dos seus graves aspectos já aqui foram tratados pelos nossos colegas Sousa Birne e Veiga de Macedo. Só pelo que diz respeito à silicose, basta lembrar que 75 000 portugueses trabalham em ambiente com sílica, que o rastreio radiográfico executado em cerca de 15 000 operários revelou taxas de silicóticos que variam de 0,44 a 30 por cento e que o Eng.º Birne nos afirmou que 15 por cento da população mineira tem silicose.
A sua prevenção e a dos acidentes do trabalho reclamam, como disse, medidas urgentes da parte dos Ministérios que citei.
Parece-me azado o momento para pôr em prática medidas sérias de prevenção de umas e de outras e para que se crie a especialidade da medicina do trabalho, quando assistimos a um admirável surto de desenvolvimento industrial do País, que traz consigo tantos e tão variados problemas humanos, técnicos, sanitários, económicos e sociais; quando se está a dar corpo à nova reforma da previdência, segundo as bases aqui aprovadas e tão ricas de potencialidades; quando se está a estruturar o estatuto fundamental do Ministério da Saúde; quando acabou de criar-se o Conselho Nacional destinado à coordenação interministerial.
Desejamos que as medidas a tomar tenham em conta «todos os aspectos da vida do trabalhador», como o recomendou S. S. Pio XII, em 1955, na sua alocução aos participantes do I Congresso Mundial sobre a Prevenção, e queremos que a especialidade da medicina do trabalho, cuja criação advogamos e que a Ordem dos Médicos não deixará de solicitar dentro em breve ao Sr. Ministro das Corporações, seja uma especialização médica de alto nível e não se limite a cursos aligeirados no tempo e nas matérias. Tem de encarar os problemas da segurança e da higiene dos trabalhadores e do ambiente em que se executa o trabalho, a ergonomia, isto é, a adaptação da máquina ao homem, a patologia e a clínica do trabalho, a bioestatística, a legislação do trabalho e outras matérias.
O médico do trabalho, preparado com cursos técnicos ou detentor do título de especialista, deve servir-se também dos conhecimentos de outros ramos das ciências, mas a ele deve ficar reservado - e só a ele - o papel de articular todos os conhecimentos ligados à ciência e à higiene dos trabalhadores, porque só ele conhece as variantes biológicas do operário. E, a este respeito, permito-me chamar a atenção do Sr. Ministro da Saúde para o curso criado pelo Decreto n.º 45 160, de 25 de Julho último, que suponho só o tenha sido porque não pôde ir por diante, nos moldes propostos, o projecto da Escola Nacional de Saúde Pública.
O curso carece de ser aberto a todos os médicos que trabalham nas empresas e não deve ser considerado como concedendo uma especialização - deve ser, quando muito e enquanto durar com a organização actual, um complemento de preparação técnica que reputamos muito importante, mas não deve ser reservado sómente aos portadores do curso de Medicina Sanitária. Isto afigura-se-me injustiça grave e pode ser fonte de sérios conflitos.
Todos os problemas da prevenção e da medicina do trabalho têm agora possibilidades de realização que nunca coexistiram, já que, por um lado, o ilustre Ministro das Corporações está a pôr em prática vários diplomas respeitantes ao trabalho, à formação dos trabalhadores e à previdência, como já disse, já porque temos à frente do Ministério da Saúde e Assistência o ilustre director-geral do Trabalho e Corporações, que reúne condições excepcionais para levar a bom termo esta tarefa.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aproveito esta oportunidade para declarar que estou convencido de que os múltiplos problemas sanitários do nosso país se não podem resolver pelas soluções isoladas e descoordenadas que caracterizam a nossa actual organização nestas matérias, sem a criação de uma bastante bem desenvolvida consciência sanitária das popu-[Continuação]