2722 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105
Na verdade, de cada 1000 alunos que logram o acesso ao liceu - e para tanto há que prestar provas em exame prévio de admissão, o que constitui um anacronismo e um obstáculo à expansão do ensino liceal -, de cada 1000 alunos, repito, que entram no liceu, apenas 550 concluem o 1.º ciclo. Metade, em números redondos, fica pelo caminho ...
Não acredito que o melhor das crianças portuguesas - foram cias que vieram da 4.a classe da instrução primária e se sujeitaram a um exame de selecção que todos os anos afasta desde logo cerca de 25 por cento dos candidatos ao ensino liceal - constitua escol de tão reduzida capacidade mental, que apenas 55 por cento tenha possibilidades de alcançar o aliás elementar 1.º ciclo dos liceus! Acredito, antes, que a quase totalidade das 150 000 crianças que todos os anos concluem a instrução primária são, no ponto de vista mental, suficientemente dotadas para irem além daquele 1.º ciclo.
Se não vão, mesmo os poucos escolhidos, a culpa não será, não é deles.
Mas a análise do fenómeno permite ainda reforçar a conclusão da necessidade de providências prontas.
Na verdade, daqueles 1000 alunos, apenas 300 alcançam o 2.º ciclo. A 700 deles não concedeu Minerva forças para tanto. Bem - não culpemos Minerva ...
E quantos daqueles 1000 atingem o 7.º ano? Pois, apenas 14!
Estes números logo sugerem o incalculável prejuízo que representam para a Nação.
Prejuízo no próprio inaproveitamento, todos os [...] repetido, de milhares e milhares de portugueses que, postos em condições de virem a tornar-se, pela educação, unidades sociais evoluídas, aptas para as mais exigentes tarefas da grei, delas ficaram arredados; prejuízo no desperdício das elevadas verbas despendidas na complicada máquina do ensino liceal, que, por esta forma, se mostra ineficaz, sem rendimento que compense a Nação das somas que nela despende..
Os técnicos dar-nos-ão desta desoladora estatística explicação muito complexa, certamente.
Mas nela hão-de sem dúvida incluir os liceus superlotados, por falta de edifícios; os liceus sem apetrechamento pedagógico conveniente, por falta de verba; nuns e noutros turmas excessivas, por falta de salas e de professores ; professores adventícios - a grande maioria do. pessoal docente liceal sem qualquer preparação pedagógica, e passemos sobre a preparação científica, por falta de quadros adequados; o predomínio das mulheres neste magistério, porque a exígua remuneração não alicia os homens; e outros motivos de semelhante natureza que só uma política financeira idónea do ensino permitirá afastar.
Talvez haja quem suponha mal investido o dinheiro votado à instrução. Talvez. Direi apenas que o Partido Democrata-Cristão, se não me engano o partido maioritário da República Federal Alemã, incluiu no programa de estudos do seu recente congresso o fomento da instrução, apesar de naquele país a escolaridade obrigatória ser de doze anos, como já referi, e de as escolas técnicas profissionais ali existirem na proporção média de uma escola por cada grupo de 8000 habitantes - o que ajuda a compreender o sensacional milagre alemão: em quinze anos, do esmagamento total a um nível de pujante e inigualável prosperidade na Europa, no Mundo.
Pois aqueles co-responsáveis pelo destino da Alemanha votaram no seu congresso a necessidade de incrementar a instrução, de aí serem feitos investimentos de biliões de marcos, sob a divisa de que «a cultura dá os melhores e os maiores dividendos» ao povo alemão.
Com esta mentalidade, era fatal o seu ressurgimento. E foi.
Ao ensino profissional, nas suas diversas modalidades e graus - industrial, comercial, agrícola, elementar e médio -, é que se me afigura vir a caber a solução da instrução secundária em Portugal, como, aliás, acontece por esse Mundo.
Penso que a educação das massas jovens que constituem a grande maioria da população escolar portuguesa e não beneficiam do ensino secundário tem de ser encarada nas perspectivas sociológicas do nosso tempo. E nelas detém lugar eminente a reabilitação, melhor, a reconversão do trabalho humano meramente servil, de que o esforço físico é factor dominante, em trabalho de esforço mental, o próprio da nossa idade.
Por motivos de ordem psicológica e económico-social, as multidões fogem daquele, mesmo à custa das maiores privações e perturbadoras degradações morais, mesmo à custa da perda de um teor de vida calma e serena, mais propício a uma maior afirmação da própria personalidade.
É um facto contra o qual a luta seria vã.
Estudá-lo, aproveitá-lo em ordem a manter o homem, seja qual for o clima em que a sua ocupação o coloque, na fidelidade ao seu destino, cabe a todos. Combatê-lo seria pretender que o progresso social se detivesse, o que é de todo impossível.
Se, ainda não muito longe da nossa época, as estruturas económico-sociais aceitavam a existência de grandes massas disponíveis apenas para a produção de simples energia física, o facto pertence agora a um passado irremediavelmente morto.
O trabalho hodierno tende a permitir ao homem que seja cada vez mais homem, na concepção cristã, integral da pessoa humana, através do desenvolvimento e total aproveitamento das suas faculdades espirituais, de preferência a continuar sobretudo animal, através do uso da sua força muscular.
Mas tal valorização exige-lhe, como é óbvio, uma adequada formação profissional. E é aí que tem de entrar o acesso à cultura, via da dignificação humana.
A antiga antinomia cultura-trabalho está hoje ultrapassada. A oposição que durante séculos terá sido aceite entre cultura geral, de fundo literário e filosófico, abstracta e especulativa, e a formação profissional, como aprendizado manual de uma arte ou ofício, desapareceu. A cultura, a, visão íntegra do Mundo, passou a olhar mais de perto para as realidades deste, na sua concretização, como condicionantes do seu próprio conceito.
Por sua vez, a formação profissional, a pouco e pouco, foi-se libertando das meras exigências da habilidade servil, para exigir, em troca, um cada vez mais crescente esforço intelectual.
O resultado foi pôr a cultura ao serviço pragmático do homem na sua ocupação quotidiana, fazendo da educação profissional o ponto de partida para uma formação integral - a cultura como base dos próprios conhecimentos tecnológicos.
A superação assim conseguida daquela referida antinomia cultura-trabalho é hoje característica fundamental do ensino profissional, que não tende para a formação de especialistas desligados da autêntica concepção integral do homem como tal, antes quer manter, mesmo no exercício de determinada actividade, as raízes comuns que o prendem a todos os homens, no sentido da mesma origem e do mesmo fim.
Quer isto dizer que a instrução das grandes massas pode e deve ser feita nos domínios da aducação profissional, isto é, nos domínios do ensino técnico, industrial, co-[Continuação]