2858 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114
ultramarina do Governo? Por mim direi que, se se trata dos grandes princípios, das doutrinas, das ideias, das grandes e generosas intenções de bem fazer, essa política ultramarina, a que só poderei chamar política nacional, merece-me respeito e devo-lhe apoio. Mas à medida em que progressivamente se entra no domínio dos factos, da acção, das realizações, das concretizações, se desce às coisas miúdas, à legitimidade e prioridade dos interesses, à ciência e às técnicas de fazer o amanha e aos processos políticos e psicológicos de o realizar ainda hoje, tudo isso me merece algumas vezes as mais severas reservas.
Querendo avançar uma resposta justificadora, direi que da minha observação do caso me resulta a convicção firme de a idealidade dos princípios e a generosidade das intenções não estarem a realizar-se sempre convenientemente - pelo menos no que respeita a Moçambique -, por falta de uma colectiva mentalidade nova, adequada à sensível renovação da mística portuguesa, mentalidade nova que especialmente falta por completo ou quase a importantes sectores das populações locais e aos quadros e responsáveis de segundo plano da administração provincial.
Não estou, porém, demasiado inquieto com isto, quero dizer, o caso não é angustioso, embora mereça cuidada atenção, porque não se passa de uma vida velha a uma vida nova. diferente, de mais amplos enquadramentos sociais, culturais e económicos, de um dia para o outro, ou mesmo em reduzidos anos. Há naturalmente que viver uma fase de transição, de passagem, de transformação de mentalidade, fase perturbada pela dificuldade dos reajustamentos.
E característico destas fases, desde que o poder soberano não consinta o choque frontal dos grupos sociais, tornarem-se todos simultaneamente reivindicadores de tudo, tornando-se naturalmente flagrante o contraste entre as formas velhas e as formas novas e as mentalidades ultrapassadas e as actualizadas. Também se sabe que, se o poder soberano consente a luta, dela resulta a ditadura de uma classe, com todo o inevitável cortejo de frustrações para as outras. Nas sociedades de tipo colonial tudo isto está naturalmente envolvido de conhecidas circunstâncias agravantes.
A posição do Estado, neste caso, é sempre difícil, não quanto aos princípios, que são claros, mas quanto às formas de os realizar, porque, em regra, lhe escasseiam agentes secundários capazes nos quadros da Administração e valores cívicos nas elites.
O remédio é apenas o de não desanimar, de persistir, reforçar a firmeza e promover pela educação a mística do civismo. Definidos os princípios, a tenacidade e a constância são os primeiros factores de realizações capazes.
Ora, acerca disto tudo, estão em curso ideias e factos novos, que podem resultar ou falhar, tudo dependendo, fundamentalmente, do espírito cívico que dominar as populações, do seu estoicismo, do seu querer. Daqui a importância de uma mentalidade nova, aberta às grandes realidades nacionais, avassaladora das consciências, e o primado que o Estado deve dar à formação e treino cívicos das populações, preparando-as para largos anos de vida estóica. Os direitos resultam nítidos quando os deveres são conscientes e activos e se praticam, porque só na prática dos deveres se auferem os direitos.
Quero concluir este parêntese afirmando que, na ordem prática das coisas miúdas e reais, a política ultramarina do Governo, cheia de dificuldades de toda a ordem, me merece simpatia nas intenções e esperança nos resultados. Fundamento na virtude dos princípios todas as minhas certezas, porque tenho a consciência de que são os melhores, os únicos que podem realizar as mais sãs aspirações da humanidade, na fraternidade e na paz entre os homens, indiferenciadamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas por isso mesmo, porque os ideais são as grandes forças morais que guiam os homens, os povos, as nações, pelos caminhos do futuro, entendo que é preciso ajustar constantemente os factos às ideias e preparar para isso um terreno fértil por meio de uma permanente actualização mental.
A campanha que nos movem assenta claramente numa subversão dos espíritos, pelo que se torna urgente demonstrar com a incontestabilidade dos factos que os nossos princípios são melhores e os verdadeiros, o que importa criar em toda a parte e em toda a gente forças morais poderosas por meio de uma reforma geral da mentalidade cívica da Nação.
Há felizmente imensa gente já contagiada pela mística nova, mas é preciso acelerar essa modificação dos espíritos e estendê-la, designadamente, a certos grupos e sectores sociais e económicos das províncias (da minha, por exemplo) e da metrópole, aos quadros das administrações provinciais e muito especialmente às poderosas forças económicas da metrópole e do ultramar, que, em detrimento da importância considerável das pequenas iniciativas, dos povos portanto, e da formação de vastas classes médias e remediadas, que são os grandes esteios da vida corrente, procuram continuar a beneficiar, a todo o transe, de situações ultrapassadas, de tipo neocolonialista americano, em que se enquadram, e que são frontalmente contrariadas pelos nossos princípios de nação, tal como está escrito que ela seja e queremos que se faça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Compreendendo perfeitamente as tremendas dificuldades que o Governo possa encontrar para resolver as contradições, dou-lhe também o meu apoio num voto de esperança. Porque espero que em caso algum seja capaz de trair os princípios e deixar de lutar pelos que carecem da sua desvelada protecção material e moral, nem promover ou consentir qualquer acção em benefício de um grupo, de uma classe ou de fim interesse em detrimento dos demais.
No momento que passa é vital a sua função de árbitro e de orientador, porque, por virtude da passada acção portuguesa no ultramar, acção de vida e de paz, acção de educação e convívio, as grandes massas populacionais do ultramar, tanto tempo impossibilitadas de participar activamente na vida nacional, por circunstâncias naturais que a acção portuguesa conseguiu modificar e melhorar, despertam finalmente ma encruzilhada do tempo e dos factos.
Fortemente solicitadas contra nós, é também uma evidência que existe nelas uma inata predisposição portuguesa. Chegou assim a hora possível da nossa revolução no Mundo. Penso, aliás, que se avistam já no horizonte seguros indícios dela, e não será em vão que o ideário da Nação Portuguesa, lentamente construído ao longo dos séculos na verdade viva da existência nacional, tivesse cristalizado em regras definitivas precisamente nesta hora difícil em que a história o põe à prova.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devemos ao Governo, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho, uma formulação, que considero completa e perfeita, do ideário nacional.