17 DE JANEIRO DE 1964 2929
processando o desenvolvimento dos temas aflorados na discussão do aviso prévio; e daí ser-me de todo impossível seguir pari passu o fio das considerações dos ilustres oradores que me antecederam, e muito menos tentar dominar a discussão ou reduzir as considerações já formuladas, e aliás tão brilhantemente formuladas, às sínteses que a detalhada análise das matérias discutidas naturalmente imporia.
Aliás, a modéstia dos meus recursos nunca poderia autorizar-me a tal desproporcionada pretensão; mas, verdade se diga, também não foi, nem é, esse, em qualquer caso, o meu objectivo. O meu objectivo é bem mais limitado e o meu propósito bem mais modesto; e quase que não valeria o esforço e a temeridade de subir a esta tribuna.
Há dias, deste mesmo lugar, dizia um ilustre colega nosso que não era sem incómodo que subia a esta tribuna. Que direi eu, Sr. Presidente, a quem reconhecidamente faltam os merecimentos para poder dominar o esclarecido auditório que me ouve?
Por certo que não é sem incómodo, como quem diz, sem esforço e sem temor, que se sobe a esta tribuna; mas a verdade é que, se a ela se não acede por prazer, hemos que a ela subir, sempre que seja preciso, por dever.
E precisamente o meu caso. Os deveres que estão implícitos no mandato que me foi cometido, a par com a circunstância de ter sido nado e criado nos meios rurais e na convivência muito próxima, no decorrer da minha vida política, com os órgãos de administração regional e local, impõem-me a indeclinável obrigação de não perder esta oportunidade sem aqui trazer um testemunho, que é o meu próprio, com certeza de todo desprovido de valor, mas, no entanto, honesto e bem intencionado, testemunho esse que é o resultado das minhas lucubrações, de alguma experiência e de algum estudo dos assuntos e dos problemas relacionados com a vida administrativa regional e local.
Acorrento-me, deste modo, à responsabilidade da discussão do aviso prévio; e Deus queira que esta atitude de solidariedade - embora com as reservas que adiante alinharei - para com o seu ilustre autor e demais ilustres colegas que tão brilhantemente intervieram na sua discussão, resulte frutífera em incentivos e em directivas capazes de conduzir, embora sem sobressaltos nem pressas, e apenas na medida das conveniências ou das necessidades, à revisão - e tão-somente à revisão - do estatuto fundamental da administração regional e local, que é o Código Administrativo, nomeadamente por forma - que é o que acima de tudo interessa - a promover-se a instauração de uma vida administrativa eficaz e fecunda para maior bem das populações e, muito especialmente, para mais acentuado progresso da sua promoção económica, social e política, que é, ao fim e ao cabo, o que mais importa a toda a administração, quer nacional, quer regional e local.
Toda a administração pública não tem outro propósito, nem mesmo outra justificação, no essencial, que não seja realizar ou tentar realizar o bem comum. Esse o seu principal e supremo escopo.
Sr. Presidente: felizmente que não está em causa a própria existência ou sobrevivência do Código Administrativo. Tão-sòmente está em causa a sua reforma, ou antes, e para mim melhor, a sua revisão.
São por de mais conhecidos os argumentos pró e contra a existência de códigos; mas penso que todos nós havemos de convir no reconhecimento da vantagem, se não mesmo da imperiosa necessidade, da existência de um código administrativo como instrumento orientador e regulador da administração regional e local - diploma quase tão necessário como o estatuto fundamental da Constituição do Estado, liem certo que a falta de um código poderia ser suprida por um conjunto de leis e de regulamentos, ou por diversos códigos, como precisamente sucedeu durante o período de vigência da nossa I República, cujos responsáveis, a despeito das promessas feitas, nunca chegaram a elaborar um verdadeiro ou completo código administrativo.
Os adeptos deste sistema desconjuntado e disperso de leis e de regulamentos, isto é, os que são contra a existência de códigos, proclamarão, e com certa realidade, que tal sistema de legislação fragmentária e dispersa é de mais fácil adaptação às situações que se vão criando e às circunstâncias novas que vão surgindo no espaço e no tempo pela natural evolução do curso da vida, das ideias e das coisas. Precisamente porque se trata de leis e de regulamentos avulsos e dispersos, sem obediência a qualquer sistematização, podem, a todo o momento, com extremos de facilidade legislativa, sofrer as alterações ou os ajustamentos convenientes ou necessários a uma perfeita adaptação a tais novas situações e circunstâncias.
Tenho para mim, porém, que esta vantagem, aliás mais aparente do que real, derivada da existência de leis dispersas e avulsas, não compensa nem, de modo nenhum, excede os largos e reais benefícios derivados de uma codificação perfeita de todo o sistema jurídico do nosso aparelho administrativo.
A vida da administração local e regional é hoje demasiado exigente e complexa e tem tais implicações e tais incidências que interessa a todas as camadas da população e atinge, por assim dizer, toda a gente. Exige, por isso mesmo, uma regulamentação adequada, tanto quanto possível precisa nas suas determinações e clara nos seus conceitos e definições, devidamente sistematizada, obedecendo a um princípio de ordenação natural e de perfeita lógica, de consulta rápida e segura e de fácil acesso a todos quantos tenham de estabelecer contacto com as autarquias e a todos os que, servindo estas, hão-de propugnar pela sua interpretação e, o que é mais, pela sua aplicação e execução - e isto na certeza de que todos aqueles e muitos destes na generalidade não foram iniciados na vida do direito, nem no seu culto, nem nas práticas da lei.
Dado isto, tendo tal em consideração, é óbvio concluir que só um sistema legal devidamente ordenado, esquematizado, estruturado e definido dentro de rigorosas linhas de lógica e perfeita orientação racional e obedecendo a adequada técnica, numa palavra, só um verdadeiro código, é que pode nos tempos de hoje dar realização satisfatória àqueles objectivos, não só quanto à montagem, disciplina, desenvolvimento e eficiência dos serviços próprios da Administração e desta, como muito especialmente quanto às necessidades dos munícipes de estarem permanentemente esclarecidos sobre os direitos e deveres que lhes confere ou impõe a vida administrativa local e regional no seu desenvolvimento e incidências.
Repito, por isso, Sr. Presidente, que todos nós nos havemos de encontrar em perfeita identidade de juízo e de opinião neste ponto fundamental e primacial: no reconhecimento da vantagem, da conveniência e, sem dúvida, da necessidade, mesmo, de dispormos de um instrumento jurídico devidamente ordenado e sistematizado de modo a constituir um verdadeiro código como sistema regulador de toda a vida administrativa regional e local. Estamos neste ponto e a este respeito todos de pleno acordo. E penso que também o nosso acordo é perfeito em reconhecer que as instituições portuguesas dispõem de um Código Adminis-