2930 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117
trativo que, embora naturalmente precisado de revisão e de ajustamentos, constitui, todavia, um monumento legislativo de inegável valor e indiscutível merecimento, que muito honra não só os que o conceberam, promoveram e elaboraram como, muito especialmente, o regime à sombra do qual se erigiu, e bem assim o Governo que o decretou e promulgou.
Podem, é corto, dirigir-se críticas à sistematização das matérias do código e à sua eventual inadaptação a certas situações ou exigências da vida administrativa dos nossos dias; e pode mesmo, talvez por forma igualmente procedente, censurar-se o seu sentido demasiadamente centralista ou demasiadamente sujeito a critérios e princípios de excessiva centralização.
Na verdade, e a título de exemplo, no que diz respeito à sistematização das matérias, começa logo o código por um autêntico ilogismo, pois principia por se ocupar do concelho, quando a primeira realidade administrativa é a freguesia.
Bem certo que com tal preferência se quis, sem dúvida sublinhar e valorizar o primado do município como realidade autárquica de maior tradição, de mais prestígio e de maior valimento.
Quer-me, porém, parecer a mim que toda a ordenação do código se tornará mais perfeita, mais natural e mais lógica antepondo-se a freguesia ao concelho, e que daí não vem para este qualquer parcela de menosprezo ou desprestígio.
Noutro aspecto, no da sua eventual inadaptação a certas circunstâncias da vida administrativa do nosso tempo, há que reconhecer-se não só a vantagem, mas também a necessidade, de o município poder estender mais largamente a sua acção nos planos económico e social nomeadamente quanto ao fomento, por iniciativa própria, da habitação para as classes menos favorecidas, ou em regime de comparticipação com o Estado, com outras autarquias ou mesmo com a iniciativa privada.
Enquanto nas cidades se vai tentando resolver por forma satisfatória o problema da habitação decente e económica, tal problema nos meios rurais não está sequer ainda equacionado, quanto mais resolvido ...
Penso que a este respeito pode estar reservado às autarquias locais um papel de largo relevo e uma acção altamente meritória.
Finalmente, a orientação centralizadora do código é sempre susceptível de travamento por adequadas disposições que restituam aos municípios e demais autarquias mais larga autonomia, possibilidades mais amplas, esfera de acção mais extensa, por forma a contemplar e a cobrir, e na medida do possível a satisfazer, tantas carências, inclusive no plano assistencial, que ainda afligem as nossas populações rurais e dramatizara o pobre viver de muitos.
É, na verdade, de todo o ponto necessário e urgente acudir à miséria e remover as condições precárias que atingem severamente, com muita frequência, o comum das populações rurais; e penso que, enquanto não se instituir entre nós um sistema total e integral de assistência à escala nacional, podem as autarquias fazer muito no sentido de minorar a sorte e a situação dessas populações desde que se lhes proporcionem, como é óbvio, os meios necessários para preencher essas novas tarefas e acudir a essas necessidades.
Para isso, porém, é evidente que há que se adaptar o sistema legislativo a essas novas situações.
Sr. Presidente: embora com os seus defeitos - que os tem, manifestamente, como toda a obra humana - e com as suas insuficiências, o Código Administrativo vi-
gente, aliás a repetição correcta e um tanto aumentada do código de 1986, é um documento jurídico de inegável merecimento e representa um apreciável progresso, se não mesmo uma valiosa conquista, no campo da sistematização do nosso direito administrativo.
Cabe essa honra e esse mérito ao Estado Novo; e é de justiça sublinhar que não será esse o menor mérito nem essa a mais pequena honra - antes bem pelo contrário - com que se pode orgulhar o regime e a situação que nos rege.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Basta atentar em que o sistema se mantém de pé, apenas com alterações de pormenor, desde 1940, ou até desde 1936, o que significa que na sua generalidade o código se manteve apto a regular a vida administrativa regional de forma mais ou menos satisfatória.
Por certo que o decurso de todo este tempo sobre a aplicação do código tornou um tanto desactualizadas algumas das suas disposições. Não há dúvida de que outras se mostram insuficientes para acudir a, certas necessidades da vida de hoje ou para satisfazer as exigências das circunstâncias novas que a evolução do tempo e das coisas e dos homens foi criando.
Com certeza que certa tendência de concentração (ou tendência cesarista, como já aqui se lhe chamou) que se nota no código em vigor, e já vem do código de 1986. não é seguramente o sentido mais adequado ao fomento e desenvolvimento da nossa tradição municipalista, e que por isso, nesse aspecto, será talvez de desejar mais ampla descentralização do poder em favor das autarquias locais.
Pode, finalmente, ainda objectar-se que a sistematização do código não é a mais natural nem a mais lógica.
É indubitável que todos estes senões (e naturalmente outros) se podem apontar ao código actual, tudo isso e ainda mais se pode objectar, com certeza, com mais ou menos pertinência, contra o diploma que nos ocupa; mas o que não é justo, nem mesmo aconselhável, pôr em dúvida ou minimizar é o real mérito do código como instrumento jurídico regulador da vida administrativa do País.
E assim, se é de desejar que se corrijam aquelas inadaptações, se preencham as insuficiências notadas, se afine a sistematização da estrutura do código de acordo com uma linha de lógica mais perfeita e mais natural, se criem as disposições necessárias a contemplar, no plano da administração, as novas circunstâncias e as novas situações que a evolução da vida pública e privada do País vai sucessivamente criando, se é de desejar um sentido de maior descentralização do poder com vista ao robustecimento e desenvolvimento das autarquias locais - o que viria em abono da exaltação da nossa tradição municipalista mais pura -, que tudo isto se faça, sim, mus sem sobressaltos de maior, mantendo-se o fulcro central do código, sem se atentar contra as suas linhas fundamentais, nomeadamente no que diz respeito às circunscrições administrativas do continente e das ilhas e ao planeamento jurídico de alto valimento que enforma todo o seu conteúdo.
Sr. Presidente: é sempre extremamente delicado e melindroso reformar a lei administrativa.
O direito administrativo, como é consabido, funda-se essencialmente na lei; mas a verdade é que a lei muitas vezes, mormente a lei administrativa, não é senão a concretização de hábitos e de praxes que se foram adoptando por tradição e costume na nossa vida administrativa. E essa tradição é por vezes tão forte e acha-se tão arreigada nos hábitos das pessoas que modificá-la, suprimi-la