1 DE FEVEREIRO DE 1964 3077
nosso ilustre colega nesta Guinara, Dr. Henrique Veigti do Macedo, assim enunciou:
A rotina e a deformação profissional ou burocrática podem representar sério obstáculo à execução da mais esclarecida política do ensino e da educação. Daí decorre a necessidade de nos defendermos das ideias feitas; de rever cuidadosa e frequentemente os diversos aspectos dos problemas educativos; de não aceitar sem exame atento as soluções tidas como consagradas, mas tantas vezes nocivas aos interesses dos alunos e da Nação, para, neste caso, os repudiarmos abertamente, qualquer que seja a resistência dos defensores da sua intangibilidade.
Nisto vai a homenagem devida aos autores do aviso prévio.
Nesta altura do debate múltiplos foram já os temas tratados. E compreensivelmente avultaram os respeitantes à orgânica funcional dós diferentes graus de ensino oficial, apontando-se as carências mais salientes e alinhando reivindicações, digamos profissionais, dos que o exercem.
Não se estranhará que diferente possa ser o meu angulo de visão, pelo menos em alguns aspectos. Este, como afinal todos os problemas, pode ser visto de dentro para fora, ou, ao contrário, de fora para dentro. Isto é, no plano dos que exercem a actividade docente oficial, ou o daqueles que como chefes de família ou escolares se colocam perante os problemas da educação e ensino.
O essencial é que possam convergir em relação a princípios e ideais comuns. Direi melhor: que os postulados teóricos, doutrinais e éticos, de que arranca a construção educacional, e os fins a atingir através dela, sejam válidos para uns e para outros.
Se assim for, tudo o mais deverá vir por acréscimo, embora dentro das contingências e limitações das pessoas, dos meios e das circunstâncias.
Da tão vasta problemática que o enunciado deste aviso prévio sumaria, reterei apenas alguns temas concretos que reputo úteis. E dentro dos limites do possível proponho-me tratar, por último, de alguns aspectos do ensino particular perante o ensino oficial.
I) Orientação profissional e escolar - Da necessidade do prolongamento da escolaridade obrigatória. - Da necessidade de um serviço de orientação profissional e escolar, parece que todos estamos de acordo ao que aqui já foi dito.
A selecção e orientação profissional tendem a realizar a desejável harmonia entre o homem e o seu ofício. E noutro plano paralelo, e convergente, a definição das suas tendências e aptidões poderá conduzir ao ajustamento do escolar ao curso que lhe convém.
A orientação profissional corresponde hoje em todos os países evoluídos à necessidade de ajudar os adolescentes na passagem da escola para o ofício, com vista ú sua valorização. O gosto pela profissão é, reconhecidamente, elemento decisivo para a produtividade do trabalho. E só haverá gosto quando exista o que se chama vocação (que é bem rara) ou, pelo menos, tendência ou aptidão para o tipo de trabalho que se executa.
Semelhantemente, no plano escolar pode ser decisivo o conhecimento das tendências, limitações e contra-indicacões do aluno na escolha do curso.
O nosso atraso nesse domínio só não é total porque existe em Lisboa, como anexo a Faculdade de Letras, o Instituto de Orientação Profissional Maria Luísa Barbosa de Carvalho, dedicado a estes problemas.
De possibilidades angustiosamente limitadas (basta considerar as suas dotações em pessoal), restrito praticamente no meio de Lisboa e seu termo, o Instituto de Orientação Profissional, por mais meritória que possa ser a competência, boa vontade e esforço dos seus dirigentes e agentes, não pode cobrir as necessidades do País, mesmo continental, em matéria de orientação profissional. Permitam-me que conte a esse respeito uma pequena história.
Há anos, um filho meu, concluído o curso geral do liceu, revelava a hesitação - que sei ser generalizada - quanto à escolha do rumo a seguir nos seus estudos. Essa coisa absurda que é a existência de não sei quantas alíneas por uma das quais há que optar, escolhendo nessa espécie de roleta alfabética o curso superior que será o seu destino, e isto aos 16 anos, conduz a estas situações. Antigamente ainda a opção era apenas entre letras e ciências, o que equivale a dizer com 50 por cento de probabilidade de erro ou acerto. Agora não há mesmo que escolher, desde logo, entre a carreira militar, as belas-artes as românicas, o direito, n medicina, a economia, u agronomia (eu sei lá?), numa perplexidade aflitiva pura os alunos e para os pais. Pois bem.
Esperançadamente, logo que meu filho concluiu o curso geral do liceu, isto é, ao iniciar-se o mês de Agosto, meti-me com ele ao caminho, ao longo caminho para Lisboa, a fim de o submeter a exame no Instituto de Orientação Profissional, para que este lhe desse a resposta que desejava.
Subi com ele a S. Roque, entrámos e fomos atendidos por um funcionário, aliás de modelar cortesia e nível intelectual. Mus paru nos dizer, desoladamente, que o Instituto estava em férias, que correspondiam às escolares, porque na dependência do Ministério da Educação Nacional. Por isso só findas estas poderiam efectuar-se os testes e exames, que demorariam alguns dias, quando chegasse a vez.
O meu espanto teve eco no compreensivo funcionário. Pois era exactamente nas férias escolares que podia deslocar-se o estudante a Lisboa, além do mais, porque durante cias havia de decidir-se para a matrícula impreterível. Isto já para não falar do dispêndio de uma estada prolongada e de uma viagem que não é barata.
O remédio foi confiar na inspiração própria, e em boa hora, assim o creio, pois o aspirante ao veredicto da orientação profissional seguiu o que melhor lhe pareceu, e de acordo com uma longa e repetida tradição familiar, fui-se acolher à Faculdade de Direito de Coimbra.
Não vai muito tempo, um distinto médico do Porto aconselhava aos perplexos pais de um estudante difícil o recurso à orientação profissional. Havia de empreender uma deslocação a Lisboa, instalação por vários dias, esperar vez, enfim: a solução era materialmente inviável. Outros mais expeditos ou abastados poderiam recorrer aos excelentes Centros de Orientação Profissional de Madrid a Barcelona ...
Em suma. O que há e nada é praticamente o mesmo, no domínio generalizado da orientação profissional. Ora isto não é admissível nos tempos que correm. O que se pretende e deseja é a criação de um serviço de orientação profissional e escolar a escala nacional, preconizando-se para já a instalação de, pelo menos, delegações ou serviços no Porto e em Coimbra, destinados simultaneamente o criar quadros de pessoal capaz de guarnecer os centros e destacar para cada liceu e escola técnica, pelo menos, uma unidade especializada, apta na realização de prospecção dos alunos, inquéritos, testes mais simples, e encaminhar os casos mais difíceis para os centros ou institutos.