L5 DE FEVEREIRO DE 1964 3233
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: como prefácio às breves considerações que pretendo fazer, quero, antes de mais nada, felicitar o nosso colega Deputado Amaral Neto pela sua iniciativa de trazer à Assembleia Nacional, Através do aviso prévio fim discussão, o momentoso assunto da situação da agricultura nacional.
Na verdade, penso também que a crise da lavoura é um grave problema, que o Governo não >pode deixar de enfrentar e resolver. E desde já me permito afirmar a minha convicção de que, pela contribuição que aqui dermos ao amplo debate da- magna questão, como intérpretes que somos do ambiente político nacional, asseguraremos ao Governo, em nome do País, o apoio necessário para as providências e soluções que estuo certamente nos seus propósitos e que urge adoptar sem mais delongas e hesitações, se não queremos ver agravado um mal-estar já visível e que pode tornar-se bastante prejudicial.
Os sintomas de crise da lavoura são de tal modo conhecidos que não vou aqui alongar-me sobre eles. As exposições e relatórios apresentados directamente ao Ministério da Economia pelos organismos representativos, à cabeça dos quais a Corporação da Lavoura, as entrevistas concedidos à imprensa e televisão e - quanto a muitos de nós o saber de experiências feito do que se passa nas nossas próprias casas agrícolas autorizam-nos a pensar que tudo ou quase tudo está dito sobre as causas e os efeitos da precária situação atravessada pelo importante sector económico que a actividade agrícola representa na vida portuguesa.
A verdade, Sr. Presidente, é que, apesar de todo o esforço com que se tem pretendido incrementar nos últimos anos a industrialização do País, o sector agrícola constitui ainda, tanto no aspecto económico como no aspecto sociológico, um valor considerável, e, se me é permitida a afirmação, no ultimo dos dois aspectos citados, mais que considerável, primacial.
Efectivamente, sou dos que julgam que para se ajuizar com realidade da situação de um povo em cada momento, ou seja das conjunturas que se vão sucedendo na sua vida nacional, temos de ver bastante para além dos números frios apresentados pelas estatísticas; há que investigar com espírito cie pesquisa social o que os números não traduzem, ou por desfasamento tecnológico ou por inevitável atraso nas expressões estatísticas em relação ao evolucionar das massas populacionais.
E por este motivo, para além dos valores numéricos e dos índices estatísticos, eu continuo a pensar que a agricultura é entre nós a actividade com mais influência no nível económico-social da nossa gente, mesmo daqueles sectores populacionais que se julgue serem completamente independentes dessa mesma actividade agrícola.
Aliás, para assim pensar apoio-me em opiniões autorizadas dos economistas que se debruçam sobre o estudo destes problemas e que mantêm a opinião de que a nossa economia tem por base a agricultura. Embora esta contribua para a formação do produto interno bruto com uma percentagem que não ultrapassará um quarto do total, a verdade é que a actividade agrícola concorre para o movimento e riqueza de vários outros sectores, por meio das compras que faz de máquinas, adubos, viaturas, etc. Assim, contribui em altíssimo grau, não traduzido estatisticamente, para o volume global das transacções e, portanto, para o conjunto da economia nacional.
Por outro lado, se considerarmos o que representa, no plano sociológico, como potencial humano, como gérmen e alicerce de nacionalismo, como fermento das virtudes e aptidões específicas da raça, o homem do campo, a boa e sã gente das nossas províncias, encontramos mais um motivo, para além da linguagem meramente tecnológica, & confirmar os nossos propósitos e decisão de proteger a agricultura como um dos mais seguros meios de defendermos o povo português das ameaças externas que sobre ele pairam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Creio, pois, que é hoje verdade já por todos aceite a existência de uma séria crise da agricultura nacional, assim como é propósito dos responsáveis na administração pública acudir-lhe urgentemente, salvando da ruína, além dos milhares de portugueses que da terra mais ou menos directamente vivem, a própria estabilidade e o futuro da sociedade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Têm-no apregoado aflitivamente ao País os órgãos da lavoura. Reconheceu-o o Governo publicamente em diversos documentos e exposições, como, para citar somente os mais significativos e recentes, o despacho do Sr. Secretário de Estado da Agricultura de princípios de Novembro último, e a entrevista concedida, na mesma altura, à televisão, pelo Sr. Ministro da Economia. Ainda mais recentemente, e com motivo no aviso prévio que estamos debatendo, teve o Sr. Ministro da Economia n atenção de se reunir com a Comissão de Economia desta Assembleia, a quem fez uma larga, profunda e clara exposição sobre o pensamento do Governo e as medidas projectadas para enfrentar os momentosos problemas agrícolas, exposição essa confirmada pelo documento lido ontem nesta Assembleia.
E, se me é permitido um comentário ou desabafo, direi apenas que temos de lamentar a demora, o tempo que esta verdade da existência e da gravidade da crise levou a ser considerada.
Efectivamente, Sr. Presidente, vêm de há anos os toques a rebate, as solicitações, os clamores, não apenas directamente da lavoura, mas de todos os sectores, para que se acudisse à crise. Entre muitas outras, também a minha desvaliosa voz se ergueu nesta Assembleia, há já cerca de três anos, a secundar pedidos gerais de atenção do Governo para a situação da lavoura. Na sessão de 27 de Abril de 1961, tive ocasião de salientar a urgência de se alargar, facilitar e reduzir as taxas do crédito agrícola, assim como a revisão dos preços dos produtos agrícolas sujeitos a tabelamento. E acrescentei, nomeadamente:
Esta é a intervenção de urgência, a transfusão de sangue de que carece a grande doente - a lavoura - para se salvar da crise presente. Ela não dispensa, como é óbvio, a aplicação, a mais largo prazo, de toda a série de planificações e reformas de estrutura, visando substituições de culturas, novas actividades pecuárias, etc. Todas essas medidas legislativas, assim como a mais directa e imediata acção de assistência técnica que se está exercendo, não nos devem impedir de considerarmos necessária e justa a revisão dos preços dos géneros, tais como o trigo, o milho, o centeio, a cevada e o arroz, assim como um sério estudo e actualização do regime de transacções e preços relativos ao abastecimento de carnes ...
E no final das minhas considerações de há perto de três anos, dizia eu:
Dentro desta ordem de ideias e de acordo com o princípio da justa retribuição das actividades, penso