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3462 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 138

beleza a campa, do cônsul Veitch, fiel à ilha maravilhosa que tanto amou. Albert Page, outro inglês, agraciado duas vezes por D. João VI, feito cavaleiro da Torre e Espada, construiu na Madeira, à sua custa, caminhos, pontes, uma casa do abrigo, algumas fontes públicas, auxiliou a população por ocasião de várias intempéries o contribuiu com dinheiro para o resgate de marinheiros portugueses aprisionados pelos então piratas de Argel. Indo à, Madeira por volta de 1890 acompanhando um filho doente, Lord Halifax, apaixonado pela união das igrejas no seguimento do movimento de, Oxford, ali realizou com espírito ecuménico largas conferências com o P.º Portal. A Madeira tem assim o seu lugar na história do movimento ecuménico. Dos portugueses citem-se, entre muitos que por lá estiveram. António Nobre, Júlio Dinis e Bulhão Pato.
Sob o estímulo deste espontâneo afluxo turístico, construíram-se hotéis de beira-mar e de montanha, alguns dos quais hoje fechados ou adaptados a outras actividades. Surgiu uma série de produtos para turistas: o bordado, os artefactos, os artigos de artesanato, os vinhos. Os carros de bois e os «carrinhos do Monte» deliciavam os visitantes. Um funicular, já demolido, ligava a cidade aos hotéis do Monte e a um restaurante de montanha no Terreiro da Luta, há muito encerrado.
Veio a navegação a carvão; a Madeira teve depósitos flutuantes desse combustível em pesados batelões, que se alinhavam ao longo da baía do Funchal, e os navios demandavam o seu porto para abastecer-se. Chegaram a funcionar ao mesmo tempo quatro casinos com jogo de fortuna e azar aí por volta de 1920. O Madeirense fez-se, assim, técnico de turismo e criou sòzinho um esboço de indústria, turística que prosperou há meio século. Vieram depois os navios a óleo com longo raio de acção, sem necessidade e sem possibilidades de abastecer-se na Madeira. Não tínhamos aviões, nem aeródromos, nem cais acostáveis, nem instalações de combustível líquido. Não erguemos em tempo devido uma indústria turística de grupos humanos, que caminhava a passos largos, exigindo uma técnica, um apetrechamento, transportes, capital. E a Madeira caiu verticalmente no seu turismo.
Desbaratada a posição turística que a Madeira ganhara no século passado e no primeiro quartel deste século, foi esta aproveitada pelas áridas Canárias, que valendo-se de situação geográfica semelhante, construíram quilómetros de cais artificial, refinarias e depósitos de óleos, porto franco, hotéis, alguns dos quais construídos pelo Cabildo e pelo Estado, campos de aviação e ligações com helicópteros para as ilhas não acessíveis ao avião, sistemas de irrigação permitindo-lhe modernizar a sua agricultura e em especial a sua fruticultura. E os seus 800 000 habitantes conheceram cedo uma prosperidade, hoje ainda no domínio das esperanças para a gente madeirense.
Levámos, Sr. Presidente, dezenas de anos a gritar ao Terreiro do Paço o drama da Madeira: 300 000 habitantes em 800 km2 aráveis, 1000 habitantes por quilómetro quadrado arável! Produzimos trigo para dois meses e milho para dez dias; temos uma insuficiente pecuária; importa-se arroz, azeite, trigo e tanta coisa mais.
Encarcerados pelo mar, a grande e única indústria possível de montar em larga escala na nossa ilha era o turismo, a única também em que a matéria-prima gratuita era da melhor do Mundo, em que a mão-de-obra, treinada hereditàriamente ao longo do nosso velho turismo, era das melhores também, em que podia realizar-se facilmente, o sortilégio da exportação invisível. E o Madeirense em massa foi fertilizar o Brasil, Curaçau, Venezuela, ou a África do Sul.
Um círculo vicioso do qual se nau saía! Não havia transportes, portos e aeroportos para os turistas virem e regressarem em datas certas, nas férias contadas dia a dia, que são a característica do nosso tempo; não se construíam hotéis porque os turistas não vinham. Em tal dilema, perderia quem primeiro começasse a sair dele. Com dificuldades, hesitações, mas alto interesse, resolveu-se o problema, dos transportes e com o aeroporto de Santa Catarina e o porto de abrigo do Porto Santo ficará a, sua infra-estrutura completa. O navio Funchal assegura ligações rápidas com Lisboa.
Vai para quinze anos, junto a uma janela sobre o Terreiro do Paço, onde fora pugnar pela ampliação do porto do Funchal, dizia-me um estadista, grande amigo da Madeira, que os principais problemas da ilha estavam em franca solução (as estradas, a irrigação, a electrificação) e que devíamos desistir da ideia de comparação com as Canárias. «Nem Lisboa tinha ainda nesse tempo instalações portuárias para abastecimento de óleos.» Tive de responder com cerimoniosa firmeza que reivindicávamos o porto e os óleos, não a pensar nas Canárias, mas que a nossa, sobrepovoada ilha, de formosa paisagem e insuficiente produção agrícola, cada vez mais isolada do Mundo, seria, sem o porto, no futuro, lugar de penúria crescente para os que não emigrassem em massa para terras estrangeiras. E acrescentei que a Madeira - a única terra do País que pagou com um imposto suplementar uma revolução que lá se fizera - só pedia que a deixassem construir e pagar o seu novo porto.
Foi uma luta árdua, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, que nós, os Madeirenses, todos unidos como um só, sem esmorecer na esperança o na fé, num exemplo notável de unidade regionalista, sustentámos em todas as tribunas e repartições para sermos compreendidos. Louvado Deus, parece ter chegado a hora do turismo madeirense, a grande indústria que pode responder à superpopulação dessa ilha rodeada de mar e problemas por todos os lados, como, salvo erro, disse Leitão de Barros. Hora que esperamos há muito, mas que tem de ser conduzida simultâneamente, com celeridade, sentido das realidades e dimensões, consciência da alta especificidade do caso turístico madeirense.
Podem enumerar-se como se segue as razões dessa especificidade: na Madeira a sua excessiva densidade populacional não pode ser compensada pela industrialização, e só esta permite, em regra, que um bom nível de vida coexista com sobrepovoamento. A Madeira não é suficientemente industrializável, repito.
Ora as ideias de planeamento regional conduziram ao critério de procurar subir o nível de vida das regiões subdesenvolvidas, de agricultura pobre, instalando nelas unidades industriais, especializando mão-de-obra local e mecanizando a agricultura. Rarefar-se-ia assim o excesso de população empregue na lavoura e transformar-se-ia o agricultor em operário agrícola. Onde se diz indústria, na Madeira tem de dizer-se turismo, e o binómio agricultura-indústria tem de ali denominar-se agricultura-turismo. O turismo corresponde assim a um dos dois factores do planeamento regional. Daí a prioridade a que a Madeira tem direito quanto aos investimentos para o seu desenvolvimento turístico nesta hora tardia do seu planeamento regional. Porém, o outro factor - a agricultura - não constitui uma entidade isolada, antes se integra no pequeno conjunto económico local. O momento turístico actual define-se: há transportes; vêm aí os turistas, mas não há hotéis. E há que acrescentar: esse turismo tem de pressupor uma estrutura agro-económica que o suporte.