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3760 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

Paralelamente, o general remetia ao ministro o relatório da sua administração política, civil, militar e económica, com importantes elementos estatísticos referentes à importação e exportação, evolução das receitas e despesas, movimento da navegação e dos portos, estatística do estado social da população, tabelas especiais relativas às alfândegas, aos foros das terras, às forças armadas, à artilharia, às munições.
O liberalismo introduziu naturalmente alterações no sistema, e as mais importantes respeitaram à elaboração dos orçamentos provinciais, num orçamento conjunto do ultramar, pelo ministro, e à apresentação de um relatório anual às Cortes sobre o estado da administração geral das províncias, seus progressos e seus problemas.
A obrigação do relatório anual do Governo manteve-se durante toda a monarquia liberal e a república parlamentar, mas desapareceu com o actual regime. E aconteceu que de uma contradição se passou a outra, porque, se, anteriormente, as Cortes e o Congresso da República dispunham do relatório político do Governo, mas não examinavam a gestão financeira da execução local da política ultramarina, agora tomam-se as contas provinciais na Assembleia Nacional, que, todavia, não pode apreciá-las em função de uma declaração escrita do Governo acerca- da execução, dos projectos e das dificuldades da sua política ultramarina.
Pelo que acontece que se julgam factos e se não apreciam e debatem as ideias que os determinam, o que é fundamental, porque, fazer política, num complexo político, é realizar em factos, como em novas ideias e novos valores, os princípios de que se parte no condicionalismo de um dado momento. E eu tenho para mim que nem tudo isto se exprime em contas, a não ser que, contraditoriamente ao que apregoamos, nos interessem apenas os aspectos maberialísticos da Administração, da política e da vida, o que eu repudio, limiarmente.
O que é facto é que há longuíssimos anos que são desconexas as informações oficiais relativas à política ultramarina do Governo. Falta-lhes a concatenação lógica de um programa de ideias e de acções, sistematizado, regulado e medido. Tanto assim que depois de um breve período em que a Agência-Geral do Ultramar publicou uma valiosa colectânea de opúsculos que abrange o consulado do Ministro Armindo Monteiro, o mais que de importante se regista são o volume-documentário dos primeiros 25 anos da actividade ultramarina do Regime, o inestimável memorando do Prof. Marcelo Caetano sobre relações internacionais com os vizinhos de Angola e Moçambique e o volume que documenta os 5 anos da gestão do Ministro comandante Sarmento Rodrigues. Há, evidentemente, muita coisa impressa, e muita coisa dispersa, e fragmentada em folhetos, livros, revistas, boletins e jornais, mas o que nunca mais houve foi um relatório do Governo, subscrito pelo Ministro do Ultramar, relatório sóbrio e concreto, balanço anual de uma obra, anualmente apresentado ao juízo da Nação, como merece.
Pode atribuir-se isso à dimensão gigantesca que o Ministério do Ultramar tomou, ao trabalho verdadeiramente arrasante que recai sobre o Ministro e os Subsecretários;, mas isso é o reconhecimento implícito de que há uma máquina mal montada, hipertrófica, que esmaga os homens que a comandam, e precisa ser simplificada, reduzida a proporções adequadas e justas ao eficiente e ao suficiente.
O artigo 14.º da Carta Orgânica do Império Colonial Português, que em 1933 mandava o Ministro das Colónias publicar bienalmente, com base nos relatórios dos governadores, o relatório geral da administração colonial portuguesa, nunca se cumpriu, e o princípio acabou, infelizmente, mas naturalmente, por ser abolido.
Também é verdade que os governos ultramarinos não publicam os seus relatórios, mas a lei apenas os obriga a apresentá-los ao ministro, pelo que naturalmente se não sabe deles. Saudosos tempos em que, além dos relatórios provinciais, os ministros apresentavam às Cortes os relatórios distritais. Saudosos tempos em que as províncias imprimiam numerosos relatórios dos serviços públicos, o do secretário-geral, os dos governadores dos distritos e os das próprias circunscrições, o que naturalmente criava um largo e necessário interesse público pela Administração, o seu rumo, as suas ideias e os seus homens. Era possível dessa forma fomentar uma dialéctica, estabelecer um diálogo, dar à opinião pública ultramarina e nacional os elementos indispensáveis à sua viva formação, com a natural expressão e debate de correntes orientadoras. Há, pois, a meu ver, que fazer-se um exame de consciência a este respeito para se estabelecer uma forma de reestruturar os alicerces da consciência cívica, cujo estado foi posto em causa no debate do aviso prévio sobre educação.
Era em ordem a certas peculiares intenções da política ultramarina do Governo que eu desejaria pronunciar-me através da sua expressão nas contas públicas, dado que me compete apreciar os actos do Governo ou da Administração. Mas sou posto apenas em presença de factos, que se exprimem em contas, faltando-me em larga medida o seu fundamento idealístico, circunstancial ou político que me dê a exacta posição de atitude da Administração e do Governo perante os problemas e as intenções resolutoras.
Não será necessário dizer que não estou a pôr em causa, de um modo geral, a política ultramarina, nem, por vezes, os homens que a dirigiram. O que quero acentuar é quanto o próprio Governo perde em não ser mais dado ao diálogo público, até para que o seu esforço possa ser dignamente compreendido sob a, forma de uma consciência, e não de uma fé, e devidamente apoiado, encorajado, impulsionado, como é necessário, se as coisas estiverem a caminhar bem, o alertado, avisado, esclarecido e corrigido, como é necessário, se as coisas estiverem a caminhar mal.
Em todo o caso, e em resumo, tenho francamente pena de, por falta de elementos públicos indispensáveis, me não ser possível estabelecer um paralelo entre as intenções programadas e as realizadas no decurso do ano. A metrópole Vive geogràficameute longe do ultramar, é ela que indiscutivelmente tem nas mãos e na vontade o destino do ultramar, e por tudo, além dos sacrifícios que visivelmente faz, merecia ser melhor esclarecida. Por sua vez, o ultramar também precisa ser esclarecido e informado melhor dos programas sociais, culturais e económicos que estão em curso ou em projecto para além dos aspectos técnicos que são pouco acessíveis ao comum. Penso que interessa à Nação e convém ao Governo fazer anualmente o ponto de cada problema e dar logo o rumo corrigido para o ano seguinte. Porque, se efectivamente isto se faz nas repartições, não se vê razão de não ser tornado amplamente público.
Além disso, há a considerar que o progresso de uma terra subdesenvolvida, como Moçambique, por exemplo, não depende exclusivamente da acção do sector público, mas muito largamente também da orientação que o Estado determinar para o sector privado, por se tratar de uma zona de economia híbrida em que a actividade capitalista coexiste pacificamente com a actividade arcaica de mera subsistência, e só a acção moderadora, interventora ou correctora do Estado pode conseguir que a actividade ca-