21 DE MARÇO DE 1964 3761
pitalista faça em ordem a um superior interesse nacional alguma coisa pela modificação das estruturas tradicionais da actividade arcaica.
Ao contrário do que muita gente julga, o subdesenvolvimento não é uma invenção ou uma resultante da relação económica ou política ou social de tipo colonial. O subdesenvolvimento é uma situação de facto, preexistente, que uma boa actuação capitalista ajuda a evoluir para o desenvolvimento, e a má actuação capitalista ajuda a conservar e a agravar, transformando em político-sociais problemas originariamente de pura raiz económica. Daí a transcendental importância que tem para o nosso ultramar a política ultramarina do nosso Governo, isto é, a política social da Nação, que tem de processar-se no Mundo actual em termos de economia capitalista, e em regime de concorrência capitalista no mercado internacional, sem perder de vista que a grandeza dos interesses morais, espirituais, políticos e sociais da Nação exige constantemente a correcção e o abrandamento dos exageros obviamente existentes no sistema capitalista quando desenvolvido em sequência lógica o jogo livre dos seus factores.
O subdesenvolvimento, caracterizado pela economia de subsistência, é um estado complexo, constituído por formas primitivas, atrasadas, de vida económica, organização político-administrativa, vida social e familiar, sistema educativo, teor de alimentação, habitação, saúde e conforto, e só pode evoluir para o desenvolvimento em totalidade complexa numa simultaneidade de resolução das pequenas coisas mais simples e mais baratas para as mais complicadas e custosas, segundo zonas de compartimentação em que se confinam grupos humanos subordinados a certas condições da natureza local da vida local e dos recursos locais.
Actuar dispersamente, por forma difusa e sem planos, é fazer um esforço inglório e tudo continuar na mesma, por falta de actuação dirigida e simultânea. Uma fábrica de economia capitalista isolada em qualquer parte no meio de uma estrutura de subsistência, mesmo que pague salários altos, acima da média local, e resolva momentaneamente o subdesenvolvimento circundante, absorvendo a mão-de-obra, acaba por repô-lo, porque melhorando inicialmente o incremento vegetativo da população, a fábrica deixa a certa altura de absorver mais trabalho e rompe-se o equilíbrio de factores, o que implica o regresso ao equilíbrio social anterior entre população e recursos.
Além deste exemplo de aparente progresso que a teoria concebe, há o caso de uma empresa poder estabelecer-se, por exemplo, com uma actividade extractiva de altas cotações no mercado internacional, pagando salários baixos ao nível sertanejo, o que assegura uma considerável massa de lucros. O seu efeito social será pràticamente nulo, e a empresa pode suspender a laboração na baixa das cotações para retomar na alta, ou absorver os prejuízos das oscilações do mercado internacional.
Há ainda o caso das empresas permanentes, aparentemente locais porque se não vinculam, e que, portanto, não integram na economia local a massa dos lucros, que pertence à economia detentora do capital, e é onde vai actuar por reincorporação, constituindo poupança que se investe como capital novo e pode tomar outro rumo.
Se a força dinâmica da economia capitalista reside na acção que desempenha a classe detentora das empresas, e esta não é local e não utiliza localmente e de forma reprodutiva a sua renda, não há enraizamento económico que actue como estabilizador, e origina-se a crise permanente que caracteriza todas as economias híbridas a que falta harmonia social, porque há nelas duas economias que se repelem.
Que estas economias se repelem, não tenho dúvidas, tanto assim que as oscilações dos preços internacionais, que, por vezes, provocam quedas elevadas, não afectam a actividade das empresas não vinculadas em Moçambique, mas que ali actuam, não afectam sensivelmente nem os salários nem o volume de mão-de-obra, mas causam pânico ao Governo pela incidência terrível na balança de pagamentos, e aos accionistas de Lisboa e das praças estrangeiras pela deterioração gravosa e antipática dos lucros, que é por onde se absorve o prejuízo.
Como diz um autor, "a recuperação dos preços e a etapa da bonança passam quase despercebidas no país onde se localiza a empresa, a menos que factores de outra ordem aconselhem a utilizar os maiores lucros para expandir o negócio na própria região onde são auferidos".
É por isso que o problema em regra toma feições diferentes no caso das empresas tipicamente locais que actuam no Guruè, ou na região tabaqueira de Malema, pelo considerável volume de mão-de-obra que estas empregam, a consequente importância social do salário que pagam, e o constante risco em que se encontram porque a flutuação das cotações internacionais pode não dar margem aos lucros, na baixa, para absorverem os prejuízos, podendo ainda acontecer que o grande interesse social regional destas empresas se malogre de um momento para o outro.
Não deixa de ser interessante apontar que as culturas moçambicanas ricas exercidas por empresas filiadas nas economias metropolitana ou estrangeira, algumas muito antigas, como as oleaginosas, as fibras e o açúcar, outras mais modernas, como o algodão, estão estagnadas. Só a cultura do chá, feita por empresas vinculadas à província, no geral, nasceu e progrediu em escala que pode considerar-se impressionante no meio do marasmo.
Dizem os técnicos do subdesenvolvimento que isto acontece porque, desde que as condições externas deixam de permitir que continue a expandir-se a produção, se cria uma situação de equilíbrio com nível permanente de subemprego de factores, o que é inconcebível numa economia global e tipicamente capitalista.
Eis uma mão-cheia de problemas, todos importantes, de que não há uma notícia, e são no fundo os problemas da vida e do progresso. Seria interessante saber-se a atitude e o comportamento do Governo perante eles, na doutrina e na prática.
Temos actualmente em Moçambique cinco zonas de prometedor desenvolvimento económico-social, sendo duas de pólos urbanos (Lourenço Marques e Beira) e três rurais (Limpopo, Chimoio e Guruè). A de Lourenço Marques alarga-se agora para o sul, para englobar o Maputo, e à sombra da cidade tende a formar-se um complexo, industrial, comercial, agrícola e de serviços, de nítida tendência expansionista para o interior, ao longo de vias de penetração e circulação que devem ser particularmente cuidadas e aperfeiçoadas. A meu ver, apenas nestas zonas se notam interessantes formas de desenvolvimento, porque é nelas que vai desaparecendo o chamado desequilíbrio ao nível dos factores, porque é nelas que tende a realizar-se a utilização plena e simultânea do capital e da mão-de-obra.
Considerando as economias subdesenvolvidas como sistemas híbridos de comportamentos específicos, em que há sectores sociais modernos e sectores sociais atrasados, como, aliás, acontece naquelas zonas, o grau de subdesenvolvimento, como dizem os especialistas, é dado pela importância relativa do sector atrasado e o crescimento resulta da importância relativa do sector moderno. Ora não há dúvida de que na zona polar de Lourenço Mar-