3764 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149
de prioridades e rentabilidades. Parece que os planos do fomento tem mostrado os graves defeitos inerentes aos seus improvisos e u distribuição dispersa das suas realizações, e é evidente que eles não podem resultar, pelas razões já expostas, sem que se transite das economias nativas de subsistência. Ao fim e ao cabo não só aumentou a produção, que é para onde a província deve encaminhar os seus pensamentos se quiser criar os meios do seu desenvolvimento. Claro que os milhões que só enterraram não foram inúteis e estão lá, mas não se tiram resultados de uma disseminação profusa, e nós precisamos de resultados imediatos.
Por isso, inquieto com algumas servidões a que está sujeita a vida presente de Moçambique, a que está adstrito o bem-estar dos seus povos e a que vejo injustamente amarrada como escrava a responsabilidade moral da metrópole, inquieto com o esforço gigantesco que a economia metropolitana suporta e a incidência desgastante de tal esforço nas finanças públicas, é tocado de humildade pela grandeza de Portugal, que está sempre presente nos horizontes do meu espírito, que proclamo e defendo a urgente necessidade de uma mentalidade nova e uma nova mística nas formas e nos processos de o Governo orientar e conduzir a vida e o futuro em Moçambique.
Começarei por dizer que o dispositivo estratégico da Administração tem a maior importância na vida dos territórios e dos povos. Uma central administrativa mal localizada afecta as populações, sai-lhes cara e reduz a eficiência da própria administração que se encontre consideràvelmente distante e excêntrica, como é o caso de Lourenço Marques, como capital de Moçambique. Aliás, a actual capital moçambicana foi provisòriamente transferida para o extremo sul da província por previdente precaução, como forma de opor uma séria dificuldade política às evidentes manobras absorcionistas da Inglaterra, iniciadas pelas manhas habituais com os Tratados de 1815 e 1817. Pouco depois a Inglaterra ocupou a Catembe e nasceu a questão da baía de Lourenço Marques, que parcialmente vencemos em 1875.
Entretanto, também a República da África Meridional se interessara pelo porto de Lourenço Marques. Depois da vergonhosa destruição daquela República pela conquista inglesa, avolumaram-se perspectivas de perigo para nós, tanto mais que a Inglaterra se instalara na Suazilândia e se construíra o caminho de ferro para o Transval. A seguir foi um facto o apoio inglês ao terrorismo do Gungunhana, que anualmente raziava as pacíficas e reduzidas tribos suas vizinhas, e foi por isso justamente eliminado. Foi nesta conjuntura política que se instalou a capital em Lourenço Marques, onde, com o tempo e alguns esforços consideráveis, se criaram condições de polarização económica, que estão à vista.
Estar a capital no extremo sul tem sido a felicidade do distrito, já de si beneficiado com um porto magnífico e três linhas férreas para a vizinhança estrangeira. A ocupação progressiva dos vales do Limpopo e da Manhiça (agora o projecto do Maputo), o algum desenvolvimento do Chai-Chai, os benefícios monetários da emigração temporária para o Rand, o preço dos serviços que se prestam à África do Sul e à Rodésia do Sul (e prestarão à Suazilândia) garantiram já meios de vida à cidade e sua zona de influência. Criou-se um mercado interno regional, entrou-se na fase primária da industrialização com a produção de alguns bens de consumo e dos primeiros bens de capital; há uma evidente diversificação económica. Se através do uma acção psicológica técnica e creditícia se conseguir integrar nos circuitos capitalistas de produção e comércio as actividades agrícolas e pecuárias das populações rurais nativas, ou por meio de cooperativas ou doutras fornias que consigam vencer a economia de subsistência que para o interior está gradualmente mais vincada, c os povos se lancem na produção de excedentes para a indústria e a exportação, não tenhamos pena de Lourenço Marques.
De qualquer forma, é preciso tirar dali a capital de Moçambique. Claro que não houve problemas enquanto existiram os Prazos Autónomos de Quelimane e Tete até 1928, a Companhia do Niassa até 1929 e a de Moçambique até 1942. A administração do Estado era total apenas nos distritos de Lourenço Marques, Inhambane e Moçambique, e partilhada nos de Quelimane e Tete. Justificava-se a capital no Sul. Mas há 22 anos readquiriu a província, felizmente, a sua unidade administrativa, e a capital tornou-se excêntrica em tempo e dinheiro.
Se o Governo está disposto a lutar pela salvação de Moçambique, como nós queremos e a honra de Portugal exige, tem de considerar seriamente a mudança da capital para o Norte e o interior. E se estou bem informado, o próprio Governo-Geral, com a clarividência que os problemas indicam e as circunstâncias impõem, encara a possibilidade de localizar em Nampula a secretaria provincial que se ocupa do sector primário da vida económica, projecto que, a realizar-se, como espero, me parece, além de acertado, de grandes e fecundas repercussões futuras.
Com maior boa vontade do que ciência, tenho-me debruçado sobre o problema, e a minha conclusão ideal seria a de se construir uma cidade administrativa na zona montanhosa do Molocuè, cerca do Gilé. Mas temos de ser realistas e práticos, e não há dúvida de que Nampula, porque existe, bate toda a concorrência.
A cidade começou por ser um sítio de quatro casas palhaças, como diria qualquer cronista do século XVI, mas a infeliz Reforma Administrativa Ultramarina, ao criar a vastíssima província do Niassa, abrangendo toda a antiga companhia majestática e o distrito de Moçambique, aconselhou a escolha de uma nova capital, que foi localizada em Nampula, a 180 km da costa, à beira da linha férrea, que então partia do Lumbo, um embarcadouro fronteiro ao porto de Moçambique. Os caminhos de ferro e o Estado deram o arranque para a construção da cidade, que deve imenso ao Sr. Eng.º Pinto Teixeira.
É hoje capital do distrito de Moçambique e é uma pequena cidade, de funcionários públicos e pessoal numeroso dos caminhos de ferro, com pequeno comércio local e alguma venda para o mato. As suas possibilidades de crescimento parecem saturadas, porque não se lhe vêem horizontes industriais, e não pode concorrer comercialmente com a cidade de Moçambique ou com a futura Nacala.
Para capital da província a situação de Nampula é excelente, porque, no condicionamento das comunicações, é um lugar geométrico que domina fàcilmente toda a zona norte, desde o lago Niassa até ao mar, as zonas altas da Zambézia, que dão acesso a Quelimane, e o litoral correspondente. Instalada ali, fica a administração integrada na vida da terra e pode dar um impulso directo e decisivo ao desenvolvimento do Norte, que está deserto de gente e de actividades e onde, portanto, é mais premente a necessidade de um apoio dos serviços públicos sob a forma de maior densidade. O distrito de Moçambique é o mais povoado, o do Niassa é altamente prometedor, o da Zambézia (a que eu prefiro chamar tradicionalmente Quelimane, porque Zambézia, por tradição também, é todo o vale do grande rio) é o mais rico. Há centenas de quilómetros de linha férrea à espera de que lhe criem condições de aproveitamento, há um grande aeroporto e as ligações com o mar estão asseguradas por um grande porto, que é Nacala, a estrada