O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE MARÇO DE 1964 3763

mente, porque foi preciso construir e manter as linhas e os portos que custaram quantias fabulosas ao longo dos anos. Ao fim e ao cabo, o lucro dos serviços prestados à vizinhança é relativamente importante na vida financeira da província, mas nem sequer tem chegado para dotar o território com a sua rede de comunicações conjugadas. Não há uma rede ferroviária nem uma rede de estradas. Numas e noutras ainda se está nas vias isoladas de penetração, e as estradas são quase todas precárias.
No entanto, a província continuou a sua rica vida de sempre, de povoamento europeu pensadamente rarefeito para se não alterar o esquema económico do mato. Eu vi, e por isso ninguém me conteste, a província devolver à metrópole, durante anos, em cada barco, dez colonos desempregados, que na cidade de Lourenço Marques pediam esmola de porta em porta, numa época em que os cofres públicos estavam ali cheios de saldos. O mato continuou deserto de europeus, e isso foi um grande prejuízo para o Negro, que não tem por si só, na sua economia privativa, ou explorado por uma economia externa de tipo colonial americano ou inglês, e especialmente se esta se dedicar à actividade extractiva ou de plantação, a mais pequena possibilidade de sair do subdesenvolvimento.
A diferença de qualidade moral que deve distinguir a actuação económica portuguesa no ultramar da actuação económica estrangeira em África é a de que a nossa economia tem de subordinar-se aos interesses globais da Nação e não pode portanto alhear-se dos interesses dos povos portugueses. São por isso de grande complexidade as responsabilidades do Governo como orientador e co-realizador de uma obra de permanente e progressiva valorização dos povos e dos territórios do ultramar. Não podem estabelecer-se e actuar as empresas sem que delas resultem concretos benefícios sociais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É o chamado problema dos perus, pois nos não interessa que per capita abstracta se consuma a média de um peru por ano, se em virtude dos que se regalam todos os dias há milhões que nem sequer lhes vêem as penas, entram na média estatística e acabam por figurar com um peru vírgula cinco, devido a terem os primeiros aumentado o seu consumo.
Sei que estamos todos de acordo em que os perus devam ser para todos. A dificuldade reside apenas em pôr cada um em condições de comprar o seu, o que não é teoricamente difícil, mas chega a ser pràticamente invencível, porque está provado que os grandes trusts americanos que se enquistam no mato com máquinas poderosas a extrair toneladas aos milhões para os altos fornos nos seus países deixam o mato na mesma, porque absorvem pouca mão-de-obra com salários em regra ao nível da subsistência local, que assim é que lhes vale a pena. Não se integram no mercado, com o minério também exportam os lucros, são apenas cunhas capitalistas de exploração. E sempre grave não se vincularem as empresas, mas mais grave ainda é o não se integrarem em complexos de actividade diversificada a partir dos graus mais simples, das actividades mais elementares e mais variadas, que são precisamente as que estabelecem a indestrutível rede social de um mercado elástico.
O subdesenvolvimento não é uma etapa forçosa do progresso, tanto assim que anteriormente à revolução industrial a Europa não conheceu aquela fase. A sua estrutura económica assentava numa poeira de pequenas empresas, pequenas explorações agrícolas, pequenas indústrias artesanais, uma vasta formação profissional de artes e ofícios. Não havia a monoactividade agrícola de subsistência que caracteriza a África, cada família lançava excedentes no mercado, os artífices vendiam a sua arte ou o seu trabalho e compravam géneros no mercado, na vila e na cidade, que se abastecia no campo e abastecia o campo de serviços e bens manufacturados.
Assim se criou um pequeno comércio muito denso, e intenso, que formou capitais, foi aglutinando as pequenas empresas, investiu capital em técnicas e criou a grande empresa. Mas as formas anteriores subsistiram e são ainda hoje o veículo das médias empresas igualmente vitais para a prosperidade social. Não creio que possa haver um caminho diferente a seguir.
Está muito radicada na província, e até na metrópole, a ideia de um injusto atraso ultramarino no caminho do desenvolvimento. E perguntam pessoas que se dizem doutas o que fizemos em quatro séculos. Permito-me, desde já, sem necessitar de qualquer licença, reduzir quatro séculos a menos de um, porque não podem confundir-se as pequenas zonas costeiras ou as extensas linhas de comércio sertanejo doutrora com as extensas colónias que nos deixou a partilha de África. Depois há a considerar que a economia de pleno desenvolvimento em plano mundial se processou primeiramente apenas na Europa, onde ela nasceu, depois derivou para terras ocupadas ou desocupadas semelhantes à Europa, como a América do Norte, a Austrália, a África do Sul, e finalmente, para as regiões densamente ocupadas e de clima adverso, como a África Negra, a Índia e o Sueste asiático, já, praticamente, no nosso tempo. Metido no mundo das circunstâncias de todas as épocas, o nosso país teve em África as suas sucessivas fases das feitorias costeiras, das linhas de comércio, da partilha territorial (em que teve ganhos), do subdesenvolvimento e está agora empenhado em atingir o desenvolvimento da sua África.
Todas estas coisas, e com a ciência que eu não tenho, gostaria que o Governo as dissesse à Nação, em relatórios anuais que acompanhassem circunstanciadamente as contas públicas do seu esforço administrativo e económico, com uma nota da sua acção política no sentido de convencer por um lado as populações nacionais, por outro as empresas nacionais a colaborarem na construção da nação futura.
Infelizmente o País não sabe de muitas razões que estão na base das dificuldades que surgem no esforço persistente de modernização do ultramar, porque além dos erros próprios de actos humanos nem sempre virtuosos há o peso importante de condicionalismos que persistem no tempo e no espaço portugueses e se não modificam num repente. As raízes seculares de Moçambique, as formas defeituosas cia antiga e inevitável economia colonial do tempo do ouro, com o latifúndio senhorial do prazo, o mero povoamento comercial de tipo senhorial, a adjunção monopólica ao comércio da Índia por séculos, e mais modernamente as emigrações forçosas e a função transitaria imposta do exterior e que matou todas as tentativas de povoamento europeu numa fase em que para servir a economia dos vizinhos nos faltaram recursos para montar a nossa, tudo isto são engrenagens ferrugentas de uma velha máquina em substituição, o .que é claro sintoma de progresso, que sempre principia por uma necessidade de progresso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As contas públicas dão-nos suficiente ideia do colossal esforço do Estado, mas pressinto estar a fazer-se um esforço desconexo sem qualquer plano de conjunto para uma finalidade lógica com o necessário escalonamento