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21 DE MARÇO DE 1964 3775

Países, não sei se com mais sorte, se com mais larga visão, atingem, agora em plena maré de altas cotações, o apogeu da sua produção. A África do Sul, no Natal açucareiro, atravessa a sua época de maior prosperidade, extravasando as suas ramas no ávido mercado japonês. A pequena Rodésia dá os primeiros passos na esfera internacional da especialidade, vendo os investimentos feitos nas suas moderníssimas fábricas amortizados nos dois primeiros anos.
Entretanto, que fazemos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Que fazemos nós?!! Continuamos a pensar que Portugal pode ser, se nós quisermos, uma grande e próspera nação. Continuamos a fazer estudos, a nomear comissões, a escrever relatórios. Daqui a melancolia de que falei no início desta intervenção e que avassala a minha alma de português que sente terríveis e não sei que misteriosos embargos à capacidade realizadora da Nação.
E, todavia, Moçambique sente e sabe que é, potencialmente, o mais fecundo canteiro da preciosa cana e que só por si pode sobrepujar as mais prósperas regiões açucareiras do Mundo. Para tanto não lhe faltam homens de iniciativa. Não lhe falta a emigração fácil da Europa. E até não lhe falta a demanda de capitais estrangeiros, se tanto for necessário.
Falta-lhe, isso sim, modernizar o sistema de exploração da cana sacarina e duplicar o seu parque agrícola e fabril, para o que se torna imprescindível apenas a compreensão do Estado.
Parece-me, Srs. Deputados, que valerá a pena determo-nos uns momentos na apreciação destes dois aspectos da questão.
O método até agora seguido de produzir cana por meio de plantações industriais não é, a nosso ver, o mais recomendável, nem económica nem socialmente. O custo de produção no sistema de plantação industrial anda à volta dos 170$ a tonelada, ao passo que no sistema de agricultores particulares não atinge os 100$.
A cultura de cana entregue a agricultores privados resulta, assim, muito mais económica, pela maior poupança de meios de trabalho, designadamente o pessoal, e pela maior produtividade das terras, devido ao cuidado que os empresários-proprietários prestam às suas fazendas. Além disso, a diferença entre os dois custos acima apontados é acentuada pelo facto de as explorações dos agricultores particulares serem inteiramente mecanizadas, enquanto as plantações industriais ainda, recorrem, em larga escala, à mão-de-obra não especializada, que em Moçambique é onerosíssima, devido à baixíssima produtividade do nativo não especializado, produtividade essa que em determinadas operações da cultura açucareira apenas atinge um décimo do seu congénere branco australiano.
E esta extraordinária diferença entre o custo de produção da cana dos agricultores particulares (100$) e o das plantações industriais (170$) que aconselha uma acelerada reconversão de processos.
De resto, a experiência está feita. Há uns dez anos uma das nossas companhias açucareiras aumentou a capacidade de produção da sua fabrica de 20 000 t para 35 000 t anuais; mas, não podendo aumentar, em proporção, a produção da cana, por falta de mão-de-obra e de mecanização, assinou contratos com agricultores particulares, pagando-lhes a cana à razão de 55 por cento do valor do açúcar nu produzido pela cana vendida. Pois, e apesar de aquela proporção de 55 por cento ser das mais baixas do Mundo (nas Maurícias, por exemplo, é de 75 por cento, na África do Sul de 58 por cento, e só no país das vacas sagradas é que não passa dos 51 por cento), esse valor permitiu, por um lado, assegurar à indústria matéria-prima a preço inferior ao da produção própria, e, por outro, remunerar o agricultor de modo tão satisfatório, que a sua situação de prosperidade decorre em moldes invejáveis.
Em três anos, dez agricultores foram capazes de começar a abastecer a fábrica respectiva, num terço da sua capacidade, com uma média anual de 100 000 t de cana.
Um breve esquema comparativo permitirá avaliar melhor a diferença de valor social e económico entre os dois processos que vimos analisando.
Tomemos por base uma unidade açucareira com a capacidade de produção anual de 60 000 t. Se se tratar de um estabelecimento de tipo de plantação, a sua agricultura ocupará 33 empre.ga.dos superiores, 300 autóctones semiespecializados e 10 000 trabalhadores de enxada; porém, se se tratar do sistema de agricultores privados, poderão instalar-se 170 fazendeiros, com o rendimento, bruto de 85 000 contos, empregando-se 500 semiespecializados e apenas 400 trabalhadores de enxada. Traduzindo isto em forma de conclusão, verifica-se que o sistema de agricultores privados permitirá a uma unidade açucareira daquela magnitude a fixação em Moçambique de 170 famílias metropolitanas numa base económica estável, a promoção social de uma centena de indígenas e a dispensa de largos milhares de trabalhadores de enxada, cuja escassez se acentua dia a dia.
Porém, além do aperfeiçoamento do sistema de exploração, importa, aumentar, e com urgência, o número de empresas açucareiras.
O consumo nacional excederá, em brevíssimo tempo, a nossa produção em 150 000 t, segundo os melhores cálculos. Já para este ano encara-se a necessidade de aquisição de umas 50 000 t de açúcar estrangeiro. Para isso, despender-se-á, em divisas, um valor que deve ultrapassar os 300 000 contos. Ora essa mesma quantidade, adquirida em Moçambique, ficar-nos-ia por 150 000 contos, ou seja, por metade! Consequentemente, para manter o preço actual de venda ao público, haverá que subsidiar a aquisição em 150 000 contos, e o Estado perderá em taxas alfandegárias, cobráveis no açúcar importado do ultramar, cerca de 80 000 contos. Estes números são de uma eloquência esmagadora, e. se impressionarem VV. Ex.ªs como me impressionaram a mim, haveremos de concluir que é urgente procurar uma solução para o problema.
Parece-me optimismo perigoso esperar que o actual parque industrial e agrícola português do açúcar possa resolver este estado de coisas. E, mesmo que pudesse, haveria que olhar para mais além, muito mais além, procurando transformar Portugal, neste sector, de país auto-abastecido, que será, em país exportador que deve ser. Para mais, há que considerar a nossa inelutável integração nos espaços económicos europeus, seja a E. F. T. A., seja o Mercado Comum, e será, em grande parte, aos produtos ultramarinos, e de modo especial ao açúcar, que caberá a função de nivelar o desequilíbrio do regime de trocas.
Afigura-se-me, pois, que não temos tempo a perder. Urge estimular e favorecer, por todas as formas, a criação e instalação de novas unidades açucareiras. O produto bruto de Moçambique será acrescentado, anualmente, de mais 250 000 contos com o funcionamento de uma açucareira de 60 000 t de produção, e em 500 000 contos se, em vez de uma, se criarem duas, como se impõe. Só dois desses empreendimentos bastarão para reduzir o actual deficit da província em 40 por cento, o que não é nada para desprezar.
Que se apressem, pois, os homens de boa vontade, que se apressem as nossas estacões oficiais em dotar Moçambique com estes meios de riqueza. Que se apressem, porque nesta corrida para a vitória total da Pátria, um mês que se perca é, para as nossas necessidades e aspirações,