14 DE DEZEMBRO DE 1964 4145
pulações, a rega e o gado, porque este problema é muito grande e muito grave em Moçambique. O problema da água é inquietante no Sul do Save e no distrito de Tete, este aliás com o Zambeze ao meio a correr preguiçosa e desperdiçadamente para o mar. A água no Sul do Save, lembro-me também, mereceu ao ilustre Eng.º Trigo de Morais considerações de excepcional interesse no parecer da Câmara Corporativa sobre o Plano Intercalar de Fomento.
Depois deste breve momento de pousio mental sobre a tragédia da água em Moçambique, à colação da pecuária a que se refere o Ministro, retomo o texto para ler:
Todavia, a produção agrícola tradicional, que se expandiu a ritmo elevado até 1959, evidenciou nos anos seguintes sensível abrandamento.
Creio que isto não é nada tranquilizador, porque a população tem aumentado, pelo que há-de haver um índice qualquer, expresso num palavrão económico-designativo, a andar para trás e a dizer que a capitação da produção diminui. Mas, confesso que tenho pena de verificar que me assistiam razões ao preconizar há dias esforços e incentivos para novas formas de expansão agrícola no Plano Intercalar de Fomento.
Linhas adiante li no relatório que se encontra em construção uma nova unidade agro-industrial no vale do Incomati para o açúcar, "prevendo-se para breve a construção de outras unidades". O meu regozijo inicial foi enorme, mas depois lembrei-me de que ainda em Setembro tinha passado pelo vale do Incomati, quando fui a Inhambane; tinha visto a magnífica rega de aspersão da açucareira do grupo Espírito Santo, fora a Magul explicar aos garotos como se dera o milagre de Magul naquela tarde infernal de 7 de Setembro de 1895, falara-lhes da marcha penosa dos soldados naquele mato por onde corre a estrada asfaltada e da esgotante travessia dos rios e dos charcos, que eles passaram a vau com a palamenta às costas e nós, indiferentes, galgámos de automóvel - e não dei conta de nada. Assaltou-me, por isso, uma dúvida e telefonei a um amigo: Olha lá, o Ministro diz isto - e li; do outro lado do fio respondeu-me que não era exacto, esclarecendo-me que se luta há três anos por esta fábrica, as papeladas parece que já enchem um armário, mas até à data está tudo encalhado em Lisboa. Ficou-me logo a certeza de que S. Ex.ª fora induzido em erro por alguém, naturalmente de boa fé.
Isto já é tão velho que até se julga que a fábrica já tem um ramo de louro no telhado e se prega a última chapa de zinco, mas a insofismável verdade é que a esta data ainda se não encontra em construção qualquer nova unidade fabril de açúcar no vale do Incomati.
Como todos em Moçambique fazemos votos ardentes por novas fábricas e plantações e ampliação de fábricas e plantações existentes, disse ao meu amigo para o outro lado do fio que havia que tomar as palavras de S. Ex.ª como uma garantia solene do Governo de que foram removidas faladas obstruções que a opinião pública apontara censuràvelmente e que atrás da fábrica da Manhiça hão-de surgir as outras que estão previstas para breve, como declara o Ministro. Porque gosto de ver o Regime prestigiado e honrado o Governo, sempre fui escorregando, por minha dama, que a província gostará de saber que o Governo cortou a direito segundo o interesse nacional, e devemos por esta certeza consignar uma palavra de regozijo. Mas esta bela tirada não impressionou nada o meu amigo, que, com aquela casmurrice peculiarmente moçambicana que o caracteriza, retorquiu que nos últimos dezoito meses a batalha da fábrica tem sido uma gesta heróica e inútil no campo da imaginação. É caso para dizer que há pessoas muito teimosas e muito persistentes.
Fechando o doce parêntesis, do açúcar, voltemos ao relatório para nos confortarmos com a afirmação de que "o sector industrial tem vindo a experimentar sensível expansão", tanto na produção de bens para o consumo local como no fabrico para a exportação. Um exame de mais pormenor, se bem que de muito interesse no global económico, é que já não é tão reconfortante.
Mas isso já não são culpas do relatório, e por isso lhe cito as palavras, que são estas:
No conjunto das indústrias transformadoras a evolução tem-se caracterizado fundamentalmente por tendência expansionista, embora de amplitude variável de sector para sector. Entre as indústrias que têm evidenciado mais elevado ritmo de crescimento destacam-se as dos cimentos, da refinação de petróleos e da transformação de metais, e, ainda, algumas indústrias englobadas no sector da "Alimentação e bebidas", nomeadamente as do chá, massas alimentícias e cerveja.
Ora, cimentos, petróleos, metais, massas e cervejas são em Moçambique importantes indústrias de grande empresa, com unidades fabris que se me afiguram de dimensão razoável no tamanho económico da província. Apenas o chá se insere na ordem dos interesses de povoamento, e é fundamentalmente dirigido à exportação.
As restantes indústrias, segundo o relatório, não têm tido crescimento digno de se apontar, e o acréscimo de 12 por cento na produção do 1.º semestre de 1964 em relação ao período homólogo de 1963, que o relatório considera indicativo de "sensível expansão em 1964" na produção industrial, vem logo II seguir esclarecido que "ficou a dever-se principalmente às indústrias da refinação de açúcar, da cerveja e da fiação de juta".
Se bem que os dados ministeriais sejam muito sumários, e eu não deseje utilizar quaisquer outros, a conclusão a tirar é que qualquer pequena coisa nova, ou II expansão de características industriais de grande empresa, como as citadas, dão logo lugar ao notável crescimento de 12 por cento.
Claro que os crescimentos desta ordem em sectores industriais deste tipo são importantes e necessários, e, ao que me parece, operam-se automaticamente, por crescimento natural das grandes empresas em crescimento contínuo.
No entanto, o relatório não cita qualquer crescimento significativo nas indústrias directamente dirigidas ao mercado social interno, por exemplo, vestuário e calçado, outros produtos alimentares industrializados e de consumo corrente e doméstico, o que me leva a crer que se não tem desenvolvido tão significativamente o poder de compra das grandes massas populacionais, de modo que isso seja encorajador para a expansão das indústrias confinadas existentes, ou a montagem de indústrias dirigidas ao grande consumo público. Por exemplo, parece haver muito gado. segundo tenho ouvido dizer, mas parece não haver uma indústria de lacticínios que possa abastecer a província para além do micromercado de Lourenço Marques. Claro que também tenho pena de que o relatório do Ministério das Finanças me dê razão considerável quanto à necessidade urgente de se criar na província um mercado capaz de revelar capacidade de consumo, e consequentemente apoiar as numerosas indústrias de tipo médio, que em larga medida são as que o abastecerão de utilidades de toda a ordem.