14 DE DEZEMBRO DE 1964 4147
tando um sistema nem produzindo para ele ideias - ou não as concretizando, se acaso jazem nos armários dos seus vastos arquivos e do Arquivo Histórico Ultramarino -, e, portanto, não obrigou o Governo de Moçambique a enfrentar a tempo o problema com a seriedade que estas coisas requerem, parece mais que oportuno retomar a questão em novos moldes e com novas ideias, por se tratar de um importante mecanismo de apoio à iniciativa privada, que afinal não funciona.
Talvez o caso comporte, como se me afigura, o problema das opções e decisões em política, económico-financeira, e como se sabe que para as necessidades internas os grandes portos e linhas férreas chegam e sobram (com excepção de Nacala, a apetrechar, e da linha de Moçambique, a concluir), parece conveniente que os interesses económicos estrangeiros dos territórios vizinhos e beneficiários financiem integralmente os programas previstos para os grandes empreendimentos portuários e ferroviários, que afinal a eles se destinam.
Nós temos toda uma gama complexa de problemas internos a resolver com urgência pelos nossos meios, que pela falta que nos fazem não podemos distrair em benefício imediato dos outros, mesmo que posteriormente nos dêem lucros. Afloro o problema porque o relatório de S. Ex.ª alude às necessidades de comunicações com o mar dos territórios vizinhos da África do Sul, da Zâmbia, da Malawi e da Rodésia do Sul, que são, de facto, como S. Ex.ª escreve, "fonte considerável de receitas em divisas", mas são também, como afirmo, fonte considerável de encargos que precisamos incidir noutros sectores, para acudirmos a problemas propriamente nossos, se queremos optar pelo interesse nacional.
E para acabar, volto ao problema do povoamento, para pedir, genericamente, uma política nova a este respeito e fazer o meu apelo aos Srs. Ministro das Finanças e Subsecretário de Estado do Orçamento no sentido de concederem os meios necessários para que termine o estrangulamento do embarque de colonos que neste momento se verifica de forma assustadora.
Um rapaz de 24 anos, artífice, casado e com um filho, entregou ontem os seus documentos na Repartição de Povoamento do Ministério do Ultramar para embarcar sozinho como colono para Moçambique, onde tem emprego assegurado por amigos, tencionando depois mandar seguir a mulher. Foi-lhe comunicado que não conte embarcar antes de seis meses. Um homem pobre, mas novo, que era aqui vendedor ambulante de doces que fabricava em casa, desfez-se de tudo, comprou a passagem, quer mandar ir a mulher e dois filhos, e também só daqui a seis meses os poderá ter em Moçambique. Poderia citar numerosos casos dolorosos que me têm passado pelas mãos, e me afligem, porque estes colonos humildes, sem eira nem beira, que formam a gente heróica de África, são pobres aqui e continuam pobres lá até que a vida lhes abra um novo horizonte mais prometedor, que só vem a aproveitar aos filhos. Vêem-se aflitos para dividir parcos rendimentos com os que cá deixam, e estas situações arrastam-se meses, que são longos meses de miséria para uma família inteira, pobre, dividida, as esperanças a perderem-se dia a dia.
Impressionou-me tanto o retardamento no reagrupamento das famílias dos colonos, com tão enorme cortejo de casos de dolorosa miséria, que cheguei a pedir ao Ministério do Ultramar a criação de um escalão prioritário, mas foi-me provado não valer a pena porque 80 a 90 por cento dos pedidos de embarque são para reagrupamento de famílias. O problema está no estrangulamento dos embarques por falta de verba. A dotação actual não chega e convinha, ser acrescida de 7000 contos anuais para normalizar desde já os embarques.
Numa altura em que se pede insistentemente o povoamento do ultramar há que remover drasticamente as dificuldades do momento. O colono é a ocupação pela presença, a defesa civil pela acção cívica, a riqueza pelo trabalho, a coesão nacional pelo convívio com o nativo. Bem basta que esteja a verificar-se uma sangria no povoamento de Moçambique a favor da África do Sul, que pratica uma .perseverante política de povoamento a tal ponto que recebe quantos de Moçambique a procuram, chamados pelos altos salários, e recruta povoadores aqui na nossa metrópole, aos quais paga as passagens.
Bem digo eu que não temos uma política de povoamento, tanto mais que nem sequer damos o mínimo à regularidade fio povoamento livre, que é o mais barato. O Governo tem de olhar a sério para o problema do povoamento, que na própria província implica o reordenamento do povoamento negro, também carecido de apoio. Mas para já peço encarecidamente aos Srs. Ministro das Finanças e Subsecretário de Estado do Orçamento que atendam o angustioso apelo que lhes faço em nome de tanto desgraçado que põe na África uma esperança e com ela nos traz uma consoladora certeza.
Não devo, porém, deixar de sugerir a SS. Ex.ªs que o conjunto das províncias seja obrigado a contribuir com uma dotação igual à da metrópole, porque contribuem para si próprias, e, em compensação, sejam desoneradas de encargos que lhes estão injusta ou exageradamente impostos (veja-se para isso o capítulo 10.º dos orçamentos ultramarinos, onde tanto cravanço abusivamente se pendura) e de que dou como escandaloso exemplo as contribuições para o Jardim Zoológico de Lisboa, que têm de ser abolidas, para se acabar com essa petulância, para se acabar com essa prepotência de velhos tempos em que um Ministro qualquer quis obviamente fazer um favor à custa do contribuinte ultramarino e não teve pejo de o pôr num decreto.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Haverá porventura alguém capaz de justificar tal medida legislativa a não ser como anedota que o Ministério do Ultramar não desiste de recontar todos os anos?
Por tudo quanto SS. Exas. possam imediatamente fazer pelo pedido exposto, no orçamento de 1965, pedido que formulo em nome de quantos desesperadamente esperam ou choram desiludidos, como as mulheres que me levam a casa a sua trágica miséria com a ninhada dos filhos agarrados às saias e a quem minto com a piedosa mentira de uma esperança que não tenho, a viva expressão de um agradecimento profundamente sentido, a que me permito juntar o meu próprio com o preito da minha homenagem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Dado o número de oradores inscritos para a generalidade, sou forçado a fazer na segunda-feira a duas sessões: uma de manhã, às 11 horas, e outra à tarde, à hora regimental.
A ordem do dia da sessão da manhã é a continuação do debate na generalidade da proposta em discussão; a ordem do dia da sessão da tarde será constituída por duas matérias: uma, reclamações sobre o texto aprovado pela Cernis-