4404 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
consciência de valor, que define uma civilização e uma política, tem de ser defendida intransigentemente contra situações baseadas em razões de sentimento ou de interesse que, porque limitadas ou injustas, não podem obter concordância.
O problema em discussão é objecto de pontos de vista diferentes e de difícil conciliação.
For um lado, aquele que, assentando na indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica, consagra uma evolução legislativa expressa já num diploma com mais de 30 anos de vida.
Por outro, o da livre propriedade da farmácia, assegurada a direcção técnica por um farmacêutico e que os seus defensores entendem ser o existente na maioria dos países, segundo li há dias, mas que, na verdade, não o é nos países mais afins de Portugal.
Um terceiro, considerando a farmácia um estabelecimento de venda ao público de medicamentos como de qualquer outro artigo de consumo, sem a exigência, que julgam desnecessária, de um técnico com curso superior.
O quarto, que existe de facto no nosso país, e certamente só no nosso pais, ao qual podemos chamar do farmacêutico de nome, contrário às posições expressas da lei vigente, tolerado por uma tradicional brandura de costumes, por vezes bem perniciosa, atentatório da dignidade da profissão farmacêutica e desprestigiante dos serviços do Estado, que o consentem.
Não pretendemos entrar na análise pormenorizada de cada um desses pontos de vista Eles foram já largamente expostos e discutidos nas brilhantes e convincentes considerações do ilustre Deputado Prof. Nunes de Oliveira e pelos Srs. Deputados que se lhe seguiram nesta tribuna.
Meditei muito sobre o problema e considerei-me esclarecido pelos relatórios que precedem o projecto da proposta de lei e a actual proposta, as declarações do Ministro Martins de Carvalho à Revista Portuguesa de Farmácia, os trabalhos do Prof. Correia da Silva, meu querido amigo, a cuja inteligência e tenacidade na defesa dos direitos dos farmacêuticos quero render homenagem, ao estudo crítico, notável estudo crítico, sobre o parecer da Câmara Corporativa, do Prof. Guilherme Braga da Cruz, e ainda pelos documentos que me foram gentilmente enviados pelo Sindicato Nacional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito do Porto, além de outros.
A este propósito, lamento sinceramente que a prestante e digna classe dos ajudantes de farmácia, colaboradores directos e prestimosos dos farmacêuticos, não tivesse esclarecido um aspecto importante do seu ponto de vista sobre o problema em discussão.
Não tenho dúvidas quanto à parte negativa desse ponto de vista a propriedade da farmácia não deve ser um exclusivo dos farmacêuticos.
Mas será assim também em relação ao aspecto positivo? A quem deverá pertencer a propriedade da farmácia? Aos farmacêuticos e aos ajudantes, apenas, ou a toda e qualquer pessoa, independentemente de diploma ou prática. Isto é, qualquer pessoa, independentemente das suas habilitações, poderá exercer a indústria e o comércio de medicamentos como se de outro ramo de indústria ou de comércio se tratasse?
Receio que seja este o ponto de vista dos ajudantes de farmácia e se na verdade, assim é, atrevo-me a concluir que não estão a defender os seus interesses, que devem andar indissoluvelmente ligados aos dos farmacêuticos, de quem são indispensáveis colaboradores.
Julgo que as afirmações de que a farmácia é um estabelecimento comercial, pelo que deve ser permitido a qualquer pessoa ser proprietário desse estabelecimento, e ainda o pedido para que se revogue o Decreto-Lei n º 23 422 e se reinstaure o direito à livre propriedade de um estabelecimento de farmácia, não autorizam outra conclusão E isto consta de uma exposição enviada ao Sr Ministro da Saúde e Assistência pelos Sindicatos Nacionais de Farmácia dos Distritos de Lisboa e Porto.
Dessa forma, sem necessidade de insistir em razões conhecidas, damos o nosso voto na generalidade à proposta de lei do Governo, pois nos parece que sem ofensa de interesses legítimos, antes com a salvaguarda daqueles que a mesma proposta cautelosa e justificadamente admite, defende o primado do interesse público, que em boa consciência a ninguém é lícito pôr de parte.
Mas se a proposta de lei consagra, na verdade, o princípio, que julgamos mais defensável, de considerar a função de preparar, conservar e distribuir medicamentos ao público como actividade sanitária de interesse público, declara a profissão farmacêutica como liberal, pelo que respeita à preparação de produtos manipulados e à verificação da qualidade e dose tóxica dos produtos fornecidos, manipulados ou não, e, como conclusão, só admite a concessão de alvarás a farmacêuticos ou a sociedades em nome colectivo ou por quotas se todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem, permitimo-nos, no entanto, perguntar se esta proposta de lei, uma vez aprovada e transformada em lei, não virá a ter o triste destino do diploma que a antecedeu.
É que esse mesmo princípio já foi estabelecido há 31 anos, com a lamentável agravante de sobre ele se ter erguido a mais despudorada fraude, do farmacêutico de nome, que desprestigiou a Administração e não encontra atenuante nas dificuldades de vida dos que a ela conscientemente se prestaram, antes condena quem saiu de uma Universidade senhor de normas de ética e de deontologia profissional de que não lhe era lícito abdicar.
Argumenta-se que a saúde pública comporta todas as situações, desde que à frente da farmácia esteja, a qualquer título, um farmacêutico Sabe Deus e sabem os serviços respectivos o que isso significa E cada um de nós também o sabe, quando nesta vida de hoje, agitada e cheia de problemas provocados por solicitações materiais, se vai buscar à mezinha em comprimidos a ilusória tranquilidade ou a prevenção contra mais um fardo pesado Não, a saúde pública exige plena e eficaz responsabilidade, que ao Estado pertence tornar efectiva.
Acreditamos sinceramente que a lei, uma vez aprovada, terá regulamentação imediata e fiscalização séria e eficiente, porque, se não as tivessem, não valeria a pena a Assembleia Nacional discuti-la e aprová-la.
Garantem-no as pessoas que têm a seu cargo a definição e o comando da política de saúde pública, que por vezes foi sacrificada a outras políticas, desacreditadas Garante-o a existência de um Ministério cuja criação permitiu, felizmente, libertar tão importante sector da vida nacional das vicissitudes a que essas tais políticas o obrigavam, libertação já anteriormente tentada com êxito pelo Subsecretário de Estado Melo e Castro Garante-o o cuidado com que foi estudada a proposta de lei. Garante-o o reconhecimento já feito da premência na criação de ume Ordem dos Farmacêuticos ou, pelo menos, a aprovação breve do estatuto deontológico, cuja dilação não mais terá justificação na dúvida sobre o carácter da profissão farmacêutica, que esta mesma proposta declara liberal Garante-o a presença neste debate, fora e dentro desta Assembleia, de categorizados professores, exemplos par os seus alunos, os futuros proprietários de farmácias. Garante-o a tendência para o regresso ao hábito de formule