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4556 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 189

ano? Claro que isto não é processo, porque é claramente um subterfúgio. Mas não quero dizer mais nada.
Porém, se peço a severa atenção do Governo para estas coisas é por saber que o orçamento de Moçambique deixou de ser o límpido instrumento de administração que era.
Com efeito, estão aprovadas dotações anuais que chegam apenas para meses, há inscrições orçamentais que figuram de reserva e não serão gastas porque se destinam ab mitio a transferências de verbas durante o ano para ocorrer a despesas inevitáveis mal dotadas. Não é que as pessoas que administram os dinheiros públicos de Moçambique não saibam, porque sabem até muito bem, como é que se fazem as previsões das despesas. É apenas porque as dificuldades são de tal ordem que é forçoso o sistema dos expedientes financeiros.
Se falo nisto, creia-se que é apenas porque há num velho discurso do Sr. Presidente do Conselho algumas lúcidas palavras sobre a mentira e a verdade dos orçamentos.
O País sabe que S. Exa. estabeleceu regras definitivamente novas, quando foi Ministro das Finanças, com a intenção, que realizou, de tornar realista a administração financeira do Estado. Pois bem, tudo isso que a história regista já como um resultado nacional, está posto de parte em Moçambique, porque se pede à Fazenda mais do que ela tem, e se lhe pede de qualquer maneira. Mas acho que devo dar alguns exemplos. Assim, a Escola do Magistério Primário do distrito de Manica e Sofala sabe toda a gente em Moçambique que não existe senão no papel que a autorizou, mas está dotada no orçamento para sobras. Há também no orçamento uns dinheiros que constituem o chamado Fundo do crédito rural. A sua actividade está expressa nos seguintes números: transitaram da gerência anterior 4065 contos, recebeu de receita consignada ao Fundo 300 contos, mais 5 contos de compensação de aposentação de um funcionário e 178$50 do aluguer de alfaias. E assim totalizou 4370 contos e uma fracção. A despesa foi, exclusivamente, de 73 200$ de vencimentos ao pessoal e 3001$ do julgamento de contas pelo Tribunal Administrativo, transitando para 1964 4294 contos.
Como não foi feito um único empréstimo aos agricultores, há-de concluir-se que o Fundo é desnecessário ou a Administração não se interessa por ele, pelo que existe apenas para pagar 73 200$ ao ano do pessoal contratado para o empréstimo de alfaias, que rendem anualmente 178$50. Eis o que é o Fundo de crédito rural em Moçambique.
Mas deixemos isto porque é uma ninharia, cuja legalidade está garantida por acórdão do Tribunal Administrativo, e falemos de outras coisas. Uma delas é que não há gestão pública possível sem Fazenda organizada, com legislação eficiente, quadros suficientes e vencimentos razoáveis. Em Moçambique há, de um modo geral, burocratas a mais, funcionários a menos e uma burocracia complicativa e medonha.
Muito se escreve à máquina naquela terra para cada um levar tudo de chapa à consideração do respectivo superior. A decisão vai-se protelando na escala hierárquica e tudo se concentra em Lourenço Marques. Porém, pelo que respeita à Fazenda, há, obviamente, funcionários a menos. Basta saber-se que, havendo mais de 100 circunscrições e concelhos, há apenas 22 recebedorias.
É verdade que ninguém quer ser aspirante de Fazenda e há mais de 100 vagas, e se bem que o problema das remunerações do funcionalismo, especialmente nos escalões mais baixos, seja um problema geral e inquietante a tentar por uma redução de quadros, há que resolver urgentemente o da Fazenda e de todos os mais serviços que impliquem aumento das receitas públicas ou fomentem o rendimento económico da província. É evidente que nada é possível fazer pelo mato fora para se fomentar o rendimento particular se não trabalharem conjugadamente os sectores administrativo, agro-pecuário, comercial, de transportes, de crédito, de agrimensura, para que depois se lhes possa juntar o da Fazenda a reclamar a justa parte para as despesas públicas.
Tudo isto implica, a meu ver uma nova óptica administrativa para Moçambique, um novo espirito nas leis e um novo espírito nos homens, porque, em verdade, estão a manter-se, absurdamente, formas ultrapassadas e mecânicas inoperantes. O resultado é sentir-se o Estado esmagado, estar praticamente paralisado o fomento público e ser financeiramente impossível satisfazer as solicitações que convergem de todos os lados.
Há, de facto, uma crise paralisante no sector público, que o Estado não resolve, a não ser à custa da metrópole, enquanto não enveredar por novos caminhos, pelos quais tenho bradado no deserto.
Há em Moçambique um outro problema que está a exigir medidas drásticos. Não sei se hei-de rotulá-lo de desperdício ou de esbanjamento de dinheiros públicos. Julgo que a esse respeito o Ministério do Ultramar deveria fiscalizar, intervir e corrigir para impor uma educativa disciplina nos gastos públicos, mas sei quanto isso é difícil, porque os que estão na terra conhecem as fraquezas dos que vêm de fora, e estes, logo que chegam a Lourenço Marques, têm imediatamente à sua disposição um carro do Estado, com motorista fardado, porque são todos VIP têm muito que fazer e não dá categoria alguma a ninguém andar no autocarro da câmara.
Não sei se vale a pena abordar o problema, porque as contas de todos os serviços públicos estão legais, as despesas foram legalmente autorizadas, os papéis jogam certos e não falta um pataco. Porém, pela província toda, da ponta do Ouro ao Rovuma, não há quem não conheça histórias perdulárias. A dos automóveis do Estado é pública e anda nos jornais. Para o consenso geral constitui um escandaloso abuso, que é incompreensível. Se a época é de apertos e dificuldades para a generalidade dos contribuintes, não se compreendem as benesses para alguns. As pessoas mais moderadas não podem achar razoável que o Estado forneça carros para os altos funcionários, ou que se dizem tais, irem de casa para a repartição, da repartição para casa, uma veza por semana a despacho todos os dias a passeio, mais as voltas de família, à escola às compras e ao bazar. De um serviço sei eu onde há (ou havia recentemente) um carro que servia por escala em cada mês a cada chefe de repartição para ir de casa para o serviço e vice-versa.
Outro problema é o das casas do Estado e serviços autónomos, nas cidades, para funcionários, não porque tenham sido beneficiados com casas económicas em bairros populares os serventes, os contínuos, os aspirantes e outros amanuenses carregados de filhos apenas amparados ao bordão de um magro vencimento, mas porque em Moçambique a caridade bem planificada tem sempre começado por cima, e foram os altos funcionários, os mais categorizados e os mais bem pagos, que beneficiaram de belas moradias e dos ricos palacetes da Polana. E quem duvidar que vá ver e vá saber e se puder, saiba também quem pagou as mobílias e os adornos e examine a qualidade para conjecturar o preço. Já agora nada direi dos que, não tendo em Moçambique funções de representação nacional, também querem criados pagos com dinheiros públicos.
Grandezas de África, que são unicamente as aceitáveis em África. As misérias da metrópole é que não, e, por isso, continua a ser considerada subdesenvolvida e atra-