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18 DE MARÇO DE 1965 4557

sada. Com efeito, temos da vida, do seu conforto e da sua higiene, e mediante os dinheiros do Estado, uma ideia e uma prática a que reputamos mais saudáveis.
Achamos por isso natural e legítimo que por vezes a esposa do administrador transferido não queira na palaciana residência da capital das suas novas terras e novas gentes os colchões e os lençóis ou as mobílias, os cortinados, os azulejos e os bibclots usados pela antecessora, e por isso já vistos tanto pela mulher do cantoneiro como pela esposa do Sr. Governador do distrito. Não será fino, e o marido não é nenhum pelintra, porque há a verba da Administração. Vai tudo fora e vem tudo novo, portanto.
Parece-nos, por isso, efectivamente, digna de reservas aquela sentenciosa história que o Sr. Presidente do Conselho contou das altas personalidades britânicas que o visitavam para negócios graves com o fato velho coçado e fimbriado nas mangas. Ocorre-me, a propósito, a história, porque algumas pessoas em Lourenço Marques, aliás bem situadas na vida, desfrutando óptimos lugares políticos e altas posições em companhias importantes me fizeram severos reparos a essa sibilina história do Sr. Presidente do Conselho. Se aquilo era argumento que se fizesse ou coisa que se contasse.
Afinaram, sobretudo, com o comover-se S. Exa. ao «observar esses sinais de pobreza que não havia pejo em mostrar, porque representavam, afinal, o sacrifício conscientemente feito ao fim supremo da luta em que a sua nação se empenhava».
Tive de pôr a minha água na fervura, tanto mais que sei que em Moçambique, a não ser algum preço abaixo de servente, ninguém se apresentaria com o fato naquele estado a uma pessoa de qualidade e sei também que em Moçambique os visitantes de negócios graves (que lá são sempre perspectivas de lucros) se recebem com Whisky e aperitivos.
Para desculpar o Sr. Presidente do Conselho pelo sua reservada intenção naquela história do fato coçado, avancei que pelo princípio constitucional da especialidade das leis para o ultramar era óbvio que o Sr. Presidente do Conselho fizera a sua recomendação apenas para a metrópole, podendo, pois, o grã-fino de Moçambique continuar pinoca como anteriormente ao discurso.

Risos

E acrescentei que aquela fase de S. Exa. «em certos casos o espectáculo da riqueza e da alardeia» se não referia a Moçambique, à sua deliciosa capital de ambiente europeu, tão apreciado pelo Sul-Africano para nossa honra, nem ao sumptuoso Banco Nacional Ultramarino, e a outra também de S. Exa. da riqueza que «quase afronta pelo exagero com que se manifesta» também se não referia ao requintado, cosmopolitismo ultramarino, e muito menos ao citado Banco, não obstante ter um Sul-Africano, claramente estúpido, perguntando a um polícia se aquela nova casa era a Ópera.
E tive de provar aos meus interlocutores assomadiços que S. Exa. na metáfora do casaco coçado do inglês não pensara sequer em Moçambique, porque ao desejar «que fôssemos mais modestos e, sobretudo nestes momentos de crise, mais discretos também», pelo princípio da especialidade das leis, aplicável também aos discursos oficiais, voltara a referir-se exclusivamente à metrópole e ilhas adjacentes.
Todos concordámos, porque há condicionalismos especiais na província, que é uma frase feita que lá se usa, indiferentemente para o que deve ser e para o que não deve ser, maneira inteligente, aliás, de tapar a boca e as ideias aos insurrectos do conservantismo local.
Desejo acabar com um apontamento final quanto aos problemas que estão a acumular-se em torno das maiores cidades de Moçambique, já de tal envergadura que são de pleno âmbito nacional. Esperemos que o falado Plano Regional do Sul do Save estanque no mato o afluxo de populações negras aos subúrbios de Lourenço Marques.
Todavia, veja-se bem se o Município de Lourenço Marques pode por si só e com os meios ao seu alcanço resolver o grande problema da cidade do caniço, que não é um problema de casas de alvenaria por agora e para já, mas apenas um problema de escoamento de águas pluviais, esgotos, abastecimento de águas potáveis, arruamentos, transportes e electrificação, o que põe frontalmente o problema dos terrenos, todos particulares, e da sua expropriação, talvez só viável por meio de pagamentos com títulos da dívida pública, negociáveis e amortizáveis a longo prazo, realizando o próprio Município o com os terrenos os fundos de amortização. E o mesmo para a Bena.
O problema é social, o problema é nacional e o problema é grande e urgente.
Não desejaria que se visse nas breves palavras destas considerações gerais um pessimismo que não sinto, nem é meu timbre. Acredito seriamente no futuro de Moçambique, porque sei o que é Portugal. Se não acreditasse não faria os meus reparos. As minhas discordâncias e os meus avisos visam apenas fazer-se melhor e fazer-se mais, porque os homens que neste momento morrem no Norte do Moçambique o merecem de nós, ou então não tem sentido o seu sacrifício.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu que andei sete anos de correias às costas e fui mobilizado para o corpo expedicionário do Pacífico destinado à reocupação de Timor, e que pelo termo inesperado da guerra não chegou a combater, sei o que isso é.
Há 20 anos aguardava embarque em Lourenço Marques, com o meu pelotão de landins, 50 e tantas vidas em cima dos meus galões de tenente.
20 anos depois são outros e neles sou eu ainda, com os mortos do passado e os mortos do futuro. Por isso, na humildade do inútil que sou hoje, vai para esses bravos do mato, que em Moçambique arriscam e oferecem as vidas para se protegerem as pessoas ameaçadas e se perpetuar Portugal, também ameaçado, o preito da minha homenagem, num pensamento do respeito, de saudade e de orgulho.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - As minhas palavras também só têm sentido porque são eles que garantem em Moçambique o futuro de Portugal e a liberdade das populações de Moçambique.
Gostaria, pois, que se eliminassem algumas das contradições que afectam a grandeza histórica da vida nacional na hora presente, que vai no limiar do ano V, e se praticasse na vida corrente a mística humildade que domina o pensamento do Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É preciso que todos os portugueses contribuam para o milagre português, para que a esperança não seja vã e se realize como é preciso. Confesso que não vejo fáceis os dias futuros de Moçambique se se não modificarem as mentalidades no sentido do estoicismo nas ideias.