4566 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190
A Sr.ª D Custódia Lopes: - Sr Presidente: O autor do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1963, Eng.º Araújo Correia, ilustre Deputado desta Câmara, faz, como de costume, pertinentes considerações e algumas sugestões sobre as possibilidades económicas nacionais na metrópole e no ultramar.
No que se refere à província de Moçambique, começa por dizer: "Há diversos problemas na província de Moçambique que precisam de ser atacados com energia". Se sublinhamos esta sua frase é precisamente para apoiar o ilustre relator pela justeza e objectividade das suas observações, porquanto, da leitura do parecer das Contas e do que nos foi dado observar, ressalta que alguns problemas que nos parecem vitais para o progresso económico-social de Moçambique ainda não encontraram uma solução acertada, por não terem sido enfrentados com a energia que o douto relator do parecer preconiza.
Na verdade, ainda que ultimamente se tenha procurado avançar em alguns sectores da administração de Moçambique por meio de reformas e de medidas que merecem todo o nosso aplauso, verificamos que em outros, como, por exemplo, no da agricultura, se tem caminhado demasiado lentamente, com manifesto prejuízo para a economia da província.
Sendo Moçambique uma província de natureza essencialmente agrícola, embora o seu subsolo, ainda mal explorado, possa conter riquezas incalculáveis, não se compreende que se não tenha olhado convenientemente para o sector agrícola em toda a sua extensão.
No próprio campo da educação, pelo qual tantas vezes nos temos debatido nesta Câmara, se não tem dado o devido apreço ao ensino agrícola, ainda hoje em situação de inferioridade nesta província ultramarina, embora na prioridade dada à criação de cursos universitários se tenha considerado entre os primeiros o curso de Agronomia. Porém, os cursos elementar, secundário ou médio do ensino agrícola continuam com uma existência precária, uns com uma frequência reduzida de alunos, outros por funcionar.
Ainda que consideremos de interesse a criação do ensino agrário universitário, não entendemos que se não tenha começado por encarar seriamente os ensinos elementar e médio, que deverão formar os técnicos práticos, imprescindíveis colaboradores dos técnicos universitários no trabalho do cultivo da terra.
Não se deveria começar pelo topo sem se atender primeiro à base, o que é o mesmo que elaborar-se um lindo tecto para uma casa cujas paredes ainda se não ergueram.
Embora de há muito se venha clamando pelo ensino agrícola em Moçambique, segundo sabemos, foi pela primeira vez considerado urgente no relatório do governador-geral Freire de Andrade (1906-1910), onde se diz que funcionariam duas escolas agrícolas, uma em Inhambane e outra em Quelimane) e ainda que datem de 1945 os estudos para a implantação deste tipo de ensino e que em 1957 tenha sido levantado novamente o problema no Conselho Legislativo da Província, só em Agosto de 1961 foi, por diploma, criado, finalmente, o ensino agrícola em Moçambique.
Foram instituídas então por diploma escolas elementares agrícolas em Mocuba, Ribaué e Inhamússua e foram inscritas no orçamento da província, a partir do ano de 1962 até ao económico em curso, as verbas destinadas a custear as respectivas despesas.
Segundo aquele diploma, cabe à Direcção Provincial dos Serviços de Agricultura e Florestas iniciar e manter o funcionamento de tais escolas, que têm como finalidade primária contribuir para o progresso económico da província.
Mas, apesar do reconhecimento da necessidade e interesse que para a província representa o ensino agrícola, continua este ensino sem vitalidade, quase inerte, não tendo ainda podido contribuir, em realidade e com eficácia, para a finalidade para que foi criado.
É certo que funciona no colonato do Limpopo uma escola prática de agricultura que vem formando práticos e monitores agrícolas, mas o seu número é reduzidíssimo para as exigências da província.
Não sabemos quais as dificuldades que têm impedido a instituição efectiva do ensino agrícola já legislado, mas, quaisquer que elas sejam, terão de ser removidas sem demora, para que se não despreze por mais tempo, por falta de técnicos, a riqueza imensa que a província encerra nas suas vastas e promissoras terras.
Esperemos que com brevidade se ponha em funcionamento a Escola de Regentes Agrícolas de Vila Pery, já criada, e que o Governo da província enfrente energicamente o ensino agrícola, criando mais escolas deste tipo nas regiões da província consideradas para isso mais adequadas e promovendo o interesse pelos cursos práticos, assegurando o trabalho e dando uma remuneração compensadora a quem deseje segui-los.
Deste modo seriam encaminhados para o cultivo da terra muitos dos jovens que, terminada a instrução primária, se dirigem para as escolas comerciais e industriais, por falta de outras, quando não ficam apenas reduzidos aos ensinamentos da instrução primária, aguardando a idade para se poderem empregar em qualquer ofício ou emprego. Seria, decerto, mais vantajoso para esses jovens e para a própria economia da província que se dedicassem à agricultura, quer tornado-se eles próprios agricultores, quer levando a outros conhecimentos e modernas técnicas que viriam contribuir para um melhor aproveitamento dos recursos naturais da província e, por consequência, para uma maior produtividade do seu solo.
Moçambique tem necessidade de produzir mais e melhor, e pode fazê-lo, porque a natureza foi pródiga em dar-lhe extensas e variadas terras propícias ao cultivo dos mais diversos produtos. Mas, infelizmente, muitas delas continuam improdutivas, por falta, sobretudo, de uma orientação técnica apropriada que substitua, gradualmente, os velhos e rotineiros processos, morosos e tantas vezes ineficazes.
Não só à carência de capitais e à falta de crédito ao agricultor se poderá atribuir a fraca rentabilidade da agricultura de Moçambique. A falta de técnicos que ajudem o agricultor a resolver na prática os difíceis problemas que se lhe põem é um motivo que muito influi para o actual estado agrícola da província. Torna-se, pois, indispensável que se formem técnicos que levem aos agricultores uma assistência técnica efectiva e directa, e para isso importa que se dê ao ensino agrícola uma muito maior amplitude. Que se planifique um ensino agrícola adaptado às condições ecológicas da província, mas vivo e em larga escala, e não como até hoje se tem vindo a fazer com um ensino agrícola limitado e quase apagado.
Seria de desejar que no ensino agrícola se incluíssem secções de carácter florestal, piscícola e outras, com vista à formação de técnicos especializados de que a província tanto carece.
Mas que se desperte, sobretudo, o interesse pelos estudos da terra, ciando-se cursos elementares ou centros de educação rural junto das escolas e das missões, pois os alunos destas são geralmente aqueles que melhor se adaptam a cursos desta natureza, por viverem nos meios rurais.