4586 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
A censura funciona portanto, como um tribunal, julgando factos e intenções com a agravante dificuldade de ter que fazê-lo de forma sumária, expedita e imediata.
Com efeito, se se aceitar que a opinião pública tem de ser moralmente defendida contra os desmandos das ideias, os abusos de linguagem e de outras formas de comunicação, a dissolvência dos princípios sociais, da disciplina pública, o desrespeito pelas pessoas e instituições ou a deformação intencional da verdade, não é difícil concluir-se que a segurança da opinião pública tem de exercer-se paralelamente à segurança das pessoas, dos bens dos cidadãos e do próprio Estado.
O progresso social tem debatido e aperfeiçoado o direito e dever de segurança destes interesses por meio de instituições e institutos jurídicos perfeitamente definidos, em que se conseguiu eliminar por completo o factor arbítrio. É por isso que vivemos num estado de direito em que todas as actividades da vida estão reguladas e protegidas por um ordenamento jurídico em que as pessoas e os seus actos estão garantidos contra os abusos e os desvios que possam verificar-se na aplicação da lei.
O Estado criou para isso, independente de si próprio e a ela submetido, uma organização judiciária servida pela mecânica processual adequada, em que mais modernamente se integrou por individualização específica o recente direito do trabalho, que foi subtraído, por imperativos de circunstância, ao regime geral do direito civil. Foi o interesse da disciplina social e da tranquilidade pública, sob pressão da opinião pública, que conduziu a esta acertada solução.
Não se compreende assim, ou pelo menos não consigo eu compreender, porque é que os interesses ligados à expressão da opinião pública através dos chamados «meios correntes de informação», e actualmente tutelados pela censura, hão-de ter tratamento jurídico diferente e encontrar-se, portanto, em posição moral diversa
A necessidade de defender da corrupção moral a opinião pública é um inevitável mal dos nossos tempos, devido ao âmbito de expansão e velocidade de propagação de que a informação dispõe, pelo que pode tornar-se perigosa e explosiva uma notícia alarmante ou falsa.
A informação tornou-se de tal modo uma arma de guerra de seguros efeitos psicológicos, por vezes inibidores, que se faz com eficácia a guerra pela palavra, ou com ela se instilam dúvidas e anulam resistências.
Por outro lado, quanto mais falsa, contraditória, perturbadora e escandalosa é uma notícia, mais credulidade encontra e mais rapidamente se propaga, não havendo às vezes evidência que a detenha e anule.
Parece, pois, que a opinião pública, dirigida sempre ao bem comum, visando os fins ideais e reais da causa pública e forjada na dialéctica das ideias com base na sucessão dos factos, constitui um interesse social tão importante e respeitável como a própria pessoa humana como sua inerência.
Assim como o Estado garante por meios adequados, extra-administrativos, a liberdade das pessoas e a livre disposição dos respectivos bens, e para manter tal garantia reprime os abusos, parece que deve garantir ao mesmo nível, em igual grau, com a mesma isenção, portanto com idêntica qualidade moral, o exercício do direito de opinião, que é uma inegável e insofismável inerência da pessoa humana, pelo menos desde que Descartes fez dela uma filosofia nova que virou completamente o mundo humano.
É claro que não haveria problemas se a educação cívica de cada um fosse de tal qualidade que ele próprio limitasse os seus direitos aos seus deveres. Mas também não é lícito assassinar pessoas, e nem por isso acabaram os crimes de
morte, como não é lícito locupletar-se cada um à custa alheia, o nem por isso o roubo, o furto, a fraude, a burla, deixaram de existir. E são pessoas especialmente preparadas as que cuidam de reparar individual e socialmente os interesses ofendidos. Ora, parece-me haver razões muito idênticas para que se proceda igualmente quanto aos delitos que afectem a opinião pública.
Que a natureza especial dos factos ou das ideias censuráveis requeira um exame prévio, por que a publicidade é irreversível, não me parece coisa que afecte a moralidade legítima da censura.
O que é essencial é que a sua legalidade se exerça sem arbítrios nem conveniências de momento ou interesses do Senhor A, do Ministro B ou do Governo C, e segundo regras de inflexível sanidade moral e mental, suficientemente estudadas, doutrinadas, fixadas e divulgadas, para que se saiba em que lei se vive, e sejam amplas, justas e fecundas as liberdades cívicas.
Estou a situar-me num campo realista, que é o do nosso momento, e não abordo o problema da abolição da censura, que é um problema de educação nacional, e o consequente delegar aos tribunais comuns dos crimes de influência delituosa, contra a opinião pública.
O que me interessa por agora é considerar o regime actual da censura e a inadiável necessidade de se lhe introduzirem garantias que o tornem aceitável, quer quanto à preparação e idoneidade das pessoas que a exercem, quer quanto ao espírito de isenção e independência em relação ao Governo, à Administração e aos interesses e posições em jogo.
Com efeito, o que actualmente se passa é que a censura não é uma justiça imparcial, porque está directamente subordinada ao Governo ou por intermédio do Sub-secretariado de Estado da Presidência do Conselho ou dos governadores do ultramar e do respectivo Ministro.
O arbítrio e a discricionariedade são totais porque são políticos, e o que é pior é que ao cabo de quase 40 anos de censura se não tentou sequer estruturar um regime jurídico que contemple os problemas morais da censura, o que a todos os títulos é lamentável porque se não converteu a instituição numa acção viva de educação cívica. De facto não foram traduzidas, nem em doutrina nem em leis regulamentares, garantias mínimas contra as conveniências que a censura se arrogue, contra as prepotências que possa praticar, nem contra a arbitrariedade e variabilidade de critérios que se alterem com a mudança de censores, de ministros e de governadores, as alarmâncias dos governos e os inventados tábos dos problemas.
Nas justiças ordinárias ou especiais não assistimos a esta desordem que se verifica na censura. Nos tribunais cíveis e crimes, no foro privativo, que é um velho privilégio das forças armadas, no foro especial do trabalho, nos próprios tribunais especiais, há garantias, há regras, há um processo e há uma ética. Bem sei que nem sempre foi assim, e que no antigo regime o processo cível era de regra uma roubalheira legalmente organizada, pelo menos em Moçambique, e o processo-crime era sistematicamente uma monstruosidade sem nome.
Claro que o problema da censura é naturalmente complexo, não cabe no limite das minhas palavras, nem me proponho mais do que aflorar o problema à base de algumas informações curiosas e respectivos considerandos. É evidente que se insere, e já o disse, nos problemas gerais da educação nacional, por um lado, e da informação para a opinião pública, por outro, o que leva a procurar saber quais os efeitos da censura na opinião pública.
A este respeito, se penso que a licenciosidade na opinião pública, entrecortada de períodos de ditadura foi a característica da predominância política dos marechais da Se-