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20 DE MARÇO DE 1965 4587

nhora D. Maria II a preparar a opinão anárquica que prevaleceu no libérrimo reinado de D. Luís e culminou no tumultuoso reinado de D. Carlos, e precisamente na sua morte, o que evidencia os resultados acrescentados da indisciplina cívica, penso também que as longas contenções impostas à opinião pública pela censura conduzem por um lado a indiferença, ao amolecimento e abastardamento do espírito cívico, que é uma indispensável força criadora nacional, e por outro lado às irrupções emocionais provocadas pelos que ficam sempre à espera de uma aberta.
O País ainda se lembrará das eloquentes lições que recebeu em várias eleições presidenciais do actual regime, quando por 30 dias lhe suspenderam a censura, passando-se de repente do tudo para o nada, o que em educação é mau e em civismo é péssimo, porque fica à solta a licenciosidade reprovada. Foi necessário arrepiar caminho e regressar a um sistema semelhante ao criado pela I República.
Por tudo isto me parece que não pode também deixar de considerar-se a censura uma repressão com intenções educadoras, mas é evidente que, sendo puramente repressora, a censura não é em si educadora e formadora, pois, limitando-se a acumular contenções potencialmente explosivas, a nada conduz senão ao intransigente divórcio das opiniões.
Uma censura socialmente útil há-de conter-se no plano moral contemplado pela Constituição, ser educadora e formativa e permitir uma dialéctica educativa no plano cívico, alheia às conveniências governamentais, que no plano político são aleatórias e carecem de ser permanentemente provadas. Em resumo a censura como justiça visa a perfeição moral da sociedade e como educação visa a perfeição moral do indivíduo. Tem por isso de mover-se num campo de amplas liberdades, dentro do pudor das pessoas e do pudor da Nação, e ser alheia a interesses de conveniência pessoal ou transitória ou de enfeudamentos políticos. Tem, portanto, de ser independente do poder discricionário da Administração, sob pena de não poder oferecer garantias de objectividade, de imparcialidade, de construtividade.
É em virtude de não acontecer assim que a imprensa portuguesa está desacreditada na opinião pública. O público queixa-se de que não é convenientemente informado e os jornalistas dizem que não têm liberdade para informar. Cai-se de um e de outro lado no abatimento moral que gera sempre o pensar-se que não vale a pena nem há volta a dar-lhe.
Confesso o meu medo por este estado de espírito, que conduz ao desinteresse colectivo pela causa publica, ao divórcio das gerações e à responsabilidade crescentemente progressiva dos destinos nacionais por parte de uma geração que o tempo vai tornando qualitativa e quantitativamente minoritária.
Como todas as portas, a censura também se fecha em dois sentidos, porque é evidente que, se de um modo absoluto evita muita coisa má, constitui também obstáculo insuperável a muita coisa boa, e de um modo especial impede quase totalmente a escola civíca que se exercita na própria opinião pública.
Há, pois, que procurar desde já um sensato equilíbrio pragmático, que não consinta malefícios mas não atropele virtudes, o que só pode conseguir-se subtraindo a censura ao arbítrio quotidiano da Administração. De contrário não têm os cidadãos qualquer mínima defesa possível contra as prepotências de quem censura ou dá instruções aos censores.
A este respeito nunca mais poderei esquecer que há muitos anos publiquei num jornal um artigo sobre os primeiros tempos da acção portuguesa na Índia. Na versão original do artigo escrevera que os homens que embarcavam para o Oriente nas armadas da Índia iam ganhar a vida na aventura.
Veio o artigo da censura com esta prosa cortada, e eu próprio fui reclamar ao tenente-coronel que me atendeu. Em primeiro lugar, o tenente-coronel estava absolutamente convencido de que toda a gente fora para a Índia exclusivamente para dilatar a fé e o império, em segundo lugar, e na opinião do tenente-coronel, ficava mal a Portugal que se não tivesse ido para a Índia exclusivamente para dilatar a fé e o império, em terceiro lugar, não convinha dizerem-se tais coisas, porque estavam na forja os primeiros passos da questão de Goa Perante aquela aberante e fóssil reencarnação do brigadeiro Chagas, creio que regressei, consternado, dizendo coisas justamente desagradáveis do tenente-coronel e da sua prepotência, mas não da sua ignorância, porque se não pode exigir a um tenente-coronel do século XX que conheça a história da Índia no século XVI.
O remoto episódio poderia ter-se repetido há dias em Lourenço Marques, se eu não tivesse preferido rir-me e encolher os ombros. Foi o caso que uma folha local publicou um artigo meu sobre a ocupação de Lourenço Marques pelos holandeses do Cabo (que são hoje os sul-africanos) no 1 º quartel do século XVIII.
No desenrolar da manobra falava-se de uma conversa que os sul-africanos tiveram com um escravo negro português fugido, que lhes forneceu informações. A censura entendeu dever subtrair à história, por sua alta recreação, as três linhas referentes à conversa do escravo o que a censura local não sabe é que o artigo foi integralmente extraído de um livro editado pelo Estado.
Estes dois episódios ligeiramente burlescos e insignificantes passaram-se comigo, mas com a censura de Moçambique é público que se passam coisas de verdadeira comédia e verdadeiro escândalo. Assim entendeu a mesma censura que um artigo meu sobre a incapacidade dos sul-africanos do século XVIII para se entenderem com os povos de Lourenço Marques quando a ocuparam não podia sair com o título de «Miséria e Trabalhos em Lourenço Marques».
A minha intenção de divulgar as alheias ambições históricas e o sacrifício que tem sido defender aquelas terras dos apetites alheios são irrelevantes para uma censura divorciada de intuitos educadores. Tanto assim que num jornal visado pela Comissão de Censura de Lourenço Marques o mês passado podem ler-se estas duas edificantes anedotas. Numa
A Sr ª Smith, de Londres, chama seu filho, um jovem efebo de cabelos louros e olhos de gazela.
- Bob, já fizeste 25 anos e é tempo de ires pensando em te casar. Não há ninguém a quem gostarias de unir o teu destino?
- Bem. Não digo que não.
- Vamos, fala, eu sou tua mãe!
- Gostaria de viver com Peter!
- Como! Não tens vergonha? Peter é católico!
Noutra
A senhora que regressa do mercado precipita-se para seu marido, que lê tranquilamente o seu jornal, sentado numa poltrona.
- Querido, é terrível, estava no elevador um teddy boy que me pôs uma faca ao peito dizendo «Ou te violo ou te mato!».
- Ah! E então!
- Pois Eis-me aqui!