7 DE ABRIL DE 1965 4705
Na verdade, sob a incidência de causas bem conhecidas, por estarem, como já disse, estudadas há muito tempo e convenientemente equacionadas, o rio Mondego que deve ser um curso de água cujas potencialidades enérgicas e hídricas hão-de servir a região que ele e os seus afluentes banham e nela fomentar a prosperidade das populações, anda por lá insubmisso e impetuoso na época das suas desordenadas cheias, e com aflitivo raquitismo nos estios, ausente, portanto, das grandes utilidades para que a Natureza o dotou.
Por isso, deixa cada vez mais empobrecidos os campos a que dá o nome - os já famosos «campos do Mondego» -, que constam de cerca de 15 000 há de terras dotadas com o melhor húmus nacional.
Alagados pelas águas descontroladas das suas cheias durante tempos infindáveis, esses campos continuam a ser flagelados pelo estigma esterilizante das areias rede de afluentes lhe fornece com alta liberdade e vai buscar às encostas nuas das suas cabeceiras.
Perde-se gradativamente uma autêntica riqueza nacional com este estado de coisas, que vem de muito longe.
Ora, tem-se afirmado, com a mais alta propriedade, que não somos tão fabulosamente ricos para que possamos assistir à depredação destes grandes valores do nosso património indefinidamente. Por isso, não devemos manter-nos
indiferentes à lição dos factos que os conscienciosos estudos oficiais já há tanto caracterizaram no afã inconsequente de soluções nunca aplicadas.
Mas, se os problemas do baixo Mondego são cada vez mais prementes e mais graves na complexa vastidão do seu impressionante conjunto, também o não são menos os das regiões do interior.
Também nestas a agricultura experimenta grandes dificuldades, que muito lhe comprometem a rentabilidade.
Ora, se os grandes planos de fomento entre os quais alinha o Plano Intercalar, buscam a aceleração do ritmo de descimento do produto nacional, pela coordenação dos planos de desenvolvimento de cada uma das parcelas da Nação, nenhuma dessas parcelas pode ser desconsiderada quando experimente as dificuldades do seu subdesenvolvimento.
Está nessas condições a grande região central do País, que, por ser predominantemente agrícola, sofre as muitas vicissitudes próprias do sector. Todos esses malefícios e vicissitudes são talvez mais drásticos nas regiões do interior, onde impera o minifúndio, porque a rotina ainda ali assume o mando de norma imutável, condicionando e encurtando os horizontes das vidas das suas gentes, que são vividas em permanente obscurantismo.
É por isso que nos estamos a empobrecer cada vez mais no nosso capital humano, pois, quando ao longe brilha ou parece brilhar uma réstia de sol, logo surge, irreprimível, o desejo de lhe procurar a luz.
Lançam-se então essas gentes em busca das novas possibilidades e desertam dos seus rincões.
Daqui a tendência emigratória das nossas gentes rurais, tendência que anual, mais não é do que uma defesa natural, integrada na própria lei de sobrevivem. Assim se vai fortalecendo o mais temível dos flagelos da vida local - o tremendo êxodo -, que, pesando muito no presente, é uma grave ameaça para o futuro.
Tem de procurar-se afanosamente fixar o homem à terra através da garantia efectiva a de que a luz visionada nos longínquos horizontes da terra estranha brilhará com mais intensidade na própria terra-mãe.
Isto implica necessariamente a resolução dos grandes problemas que os vários estudos do aproveitamento do rio Mondego têm equacionado.
Das glandes barragens surgirão fontes de energia eléctrica que permitirão levar esta poderosa alavanca da civilização a todos os núcleos populacionais que dela careçam.
Mas, para serem inteiramente úteis, tais fornecimentos não se podem confinar apenas no estabelecimento das linhas por onde o fluxo passa quase aproveitado
É mester pensar numa electrificação total e completa, isto é, na efectiva colocação da energia na casa de cada um, através de um sistema equilibrado de custos da instalação que não sejam, como agora sucede, exigências proibidas às bolsas de magros recursos das economias rurais.
Mas a electricidade tem ainda de ser colocada à disposição da lavoura pela maneira mais conveniente.
Das albufeiras com que se domarão as águas do sistema hidrográfico devem ser também os grandes abastecimentos de água de que os povos carecem para todos os fins das suas actividades. Também aqui haverá que acautelar os direitos dos povos por forma que da água lhes resultem efectivos benefícios e não mais uma servidão intolerável.
É por isso que um aproveitamento integral das valias que o Mondego e sua rede podem propiciar, destinando-se ao melhoramento da vida local, pressupõe a existência de autarquias que tenham possibilidade de utilizar integralmente os benefícios daí resultantes, e não organismos de débil compleição financeira, inaptos, por isso, para acompanharem o ritmo de progresso que o empreendimento virá facilitar.
Com as câmaras municipais asfixiadas pelo actual condicionamento que tanto lhes dificulta as suas importantíssimas missões, o regular desenvolvimento dos grandes planos de melhoramento da vida local terão de continuar a sofrer perniciosos atrasos.
Isto impõe, necessariamente, a já postulada revisão do Código Administrativo, que continua ainda por fazer.
Não poderá esquecer-se que as autarquias, nomeadamente as câmaras municipais - a quem cabem as grandes e valiosas tarefas do engrandecimento local -, não poderão continuar a trocar a possibilidade de as realizarem pela obrigação de solverem os grandes compromissos do erário geral da Nação, pagando as despesas com a saúde pública, com a instrução e com a manutenção dos serviços do Estado.
Que nelas colaborem em medida ajustada as suas efectivas possibilidades ainda se poderá compreender, mas que suportem essas despesas como seus encargos próprios e exclusivos é determinação violenta que não encontra qualquer justificação.
Mas o melhoramento da vida local que se espera do integral aproveitamento do Mondego impõe a elaboração de planos de desenvolvimento regional inteiramente ajustados às necessidades específicas que têm de ser satisfeitas.
Desta sorte, a par das autarquias, também os serviços do Estado têm um importante conjunto de tarefas a desempenhar.
Sem abafantes tecnocracias de cunho mais ou menos teórico, todos esses serviços devem prestar a colaboração integral de que forem capazes, aplicando com liberalidade os ensinamentos que forem colhendo, e não continuarem a viver distantes dos problemas a resolver, com presenças fugazes e esporádicas, que não permitem senão visionar os ângulos de menor dificuldade desses mesmos problemas.
Terão de ser abandonadas as directrizes que preconizam a táctica dos compartimentos estanques, que se não podem justificar nem compreender perante as grandes exigências da vida dos nossos dias