758-(16) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42
8) Períodos venatórios
33. E este - o da fixação dos períodos venatórios - um ponto importante e delicado da disciplina da caça. Por um lado, estes períodos devem ser suficientemente curtos a fim de permitir às espécies cinegéticas o necessário tempo de repouso para a sua reprodução, e desenvolvimento. Por outro lado, não devem ser tão curtos que cerceiem em medida injustificada o direito de caçar, tornando-o ilusório.
Sendo várias e diferentes as espécies cinegéticas e distribuindo-se estas, quer em qualidade, quer em quantidade, de harmonia com as características geofísicas e climatéricas do território, compreende-se a existência de vários períodos venatórios, já, pois, em razão das espécies, já em razão das regiões do País. Todavia, como o território do continente é pouco extenso, a variação das épocas venatorias não se impõe intensamente, o que possibilitará uma relativa uniformidade, com vantagens em alguns aspectos, entre eles o da fiscalização.
Tal como sucede nos outros países, também entre nós têm existido, e continuarão a existir, uma época geral da caça, durante a qual é possível caçar todas as espécies, e períodos venatórios especiais para a caça de certas espécies ou eu determinadas circunstâncias.
34. Nesta matéria de tempo de caça, e dada a escassez de espécies que se vem agravando de ano para ano, uma questão deverá ser posta: será de admitir a prática da caça em todos os dias da época geral ou, diversamente, deverá restringir-se essa prática a alguns dias da semana?
A resposta não pode deixar de ser a favor da restrição, pelo menos enquanto se verificar a escassez das espécies e não entra em pleno rendimento as providências da nova lei da caça, especialmente as relativas à criação artificial de caça, à constituição de reservas de caça em número suficiente, especialmente no Norte e Centro do País, e à prevenção e repressão das infracções.
Julga-se, e Dm efeito, que a solução não está em encurtar constantemente o período venatório, comprimindo o já reduzido período de três meses, mas justamente em proibir a caça durante certos dias da semana, ampliando mesmo este período.
É aliás o próprio projecto em análise que prevê a possibilidade dessa proibição na alínea c) da base X, a qual vem sendo si gerida e reclamada nos meios venatórios (49).
Na verdade, há que reconhecer que caçar todos os dias no nosso país, no estado actual em que se encontra a caça, é um luxo cujo preço será a extinção próxima das espécies.
Por isso, se propõe que, durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação da nova lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana - sábado, domingo e segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.
Esta restrição não é aplicável às reservas de caça, visto que aí é o interesse dos próprios titulares que os levará a restringir o exercício venatório, e, atento o seu regime, nunca serão invadidas, como os terrenos livres, por legiões de caçadores, muitos dos quais "em estado de espírito destuidor, como que movidos por sanha ancestral, que não corresponde às tradições que eram brasão, de que o verdadeiro caçador caça por desfastio e não por ambição" (50).
A restrição proposta servirá ainda para desencorajar os caçadores que se dedicam à caça com fim lucrativo, na medida em que a actividade venatória se lhes torna menos rendosa, e, por outro lado, evitará que grupos de caçadores, aliás à sombra de um direito que a lei lhes tem facultado, se desloquem para certas regiões onde ainda há alguma caça e aí permaneçam uma ou duas semanas, quando não mais, deixando à sua saída um deserto cinegético. Ora isto, além de não poder admitir-se nos tempos e circunstâncias actuais, é mal visto pelos caçadores residentes naquelas regiões, que vêem desaparecer em alguns dias, em benefício de estranhos, a fonte das suas diversões e o complemento da sua alimentação e dos seus familiares.
A restrição proposta refere-se a "um período mínimo de três anos", como que a sugerir a vantagem de ser prolongada para além dele e até possivelmente de forma permanente.
Esta Câmara põe fundadas esperanças nesta providência e, por outro lado, pensa que os três dias consecutivos em que a caça é permitida - sem dúvida os mais indicados -, bem como os dias de feriado nacional ou municipal, proporcionarão a todos os caçadores -aos verdadeiros desportistas - satisfazer o seu entusiasmo e extrair da caça os benefícios de ordem física e espiritual que ela comporta (51).
35. Dentro da matéria que vimos apreciando neste número, um outro ponto merece reflexão: o que respeita à fixação do início e do termo da época geral da caça.
E aqui podem seguir-se duas orientações: ou remeter pura e simplesmente para regulamento a fixação das datas de abertura e de encerramento da caça, e esta é a orientação do projecto do Governo, tal como a do Código da Caça em vigor (52), ou, diversamente, fixar na própria lei essas datas, dando, todavia, à Administração a faculdade de em cada ano, e de harmonia com os factores a ter em atenção, elaborar o calendário venatório.
Esta última orientação é a seguida, por exemplo, no direito italiano (53). Com efeito, a lei de 5 de Junho de 1939 preceitua que a caça é permitida desde o penúltimo domingo de Agosto até ao dia 1 de Janeiro, com algumas excepções (máxime, caça maior e de arribação), podendo, contudo, o (Ministro da Agricultura e das Florestas restringir o período da caça ou proibir esta, seja por forma geral e absoluta, seja para certo processo de caça ou em relação a determinadas espécies ou região (artigos 12.º e 23.º).
Esta orientação não deixa de apresentar as suas vantagens, pois que aponta o princípio, o qual deverá ser seguido em circunstâncias normais, evitando flutuações de ano para ano.
Aproveitando a oportunidade, e até porque pode acontecer que o legislador venha a decidir-se finalmente por outra orientação, justamente como a consagrada na lei
(49) Neste sentido, o Dr. João Maria Bravo, Caça, pp. 15 e 132, e Nabais da Cunha in o jornal Diário de Lisboa de 6 de Outubro e de Ï6 de Dezembro de 1965.
(50) Cf. o relatório do projecto de lei da iniciativa do Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira.
(51) Se daí resultar uma abundância excessiva de certas espécies por forma a tornarem-se prejudiciais ou nocivas - o coelho, por exemplo -, a solução estará em permitir a caça por certos meios (por exemplo, com furão), ou adoptar as providências previstas na lei quanto à nocividade dos animais bravios.
(52) Cf. artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 23 460 e artigo 10.º do Decreto n.º (23461.
(53) Também a lei espanhola de 1902 (artigo 17.º, redigido segundo a Ley de vedas de 26 de Julho de 1935) fixa os vários períodos venatórios consoante as espécies e as regiões.