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28 DE NOVEMBRO DE 1966 763

9.º A imposição do regime de separação absoluta no caso de os cônjuges serem pessoas de idade relativamente avançada ou de um deles ter já filhos legítimos;
10.a A concepção do poder paternal como dever funcional inerente à direcção da família, e não como direito de suserania pessoal fundado na organização patriarcal da parentela;
11. A determinação oficiosa dos vínculos da filiação ilegítima, com ampla derrogação dos limites ditados, à sombra dos cânones jurídico-liberais, pela simples vontade dos progenitores;
12.º A deslocação do prazo relativo às acções de investigação de paternidade ou maternidade para o período em que o poder paternal tem perfeito cabimento, de modo que a investigação não pareça um simples instrumento jurídico de caça à herança paterna;
13.a A manutenção dos princípios tradicionais da vocação hereditária, inspirados na hierarquização das várias classes de sucessíveis e no respeito pela maior proximidade do grau de parentesco dentro de cada classe sucessória.
Além da identidade de pontos de vista registada em torno das peças fundamentais do novo sistema, há ainda dois aspectos de incontestável interesse em que todos os comentadores isentos rendem expressiva homenagem aos méritos da codificação: um refere-se à sistematização das matérias; o outro, à técnica legislativa e à forma do articulado.
Relativamente ao primeiro ponto, cuja importância teórica e prática se torna supérfluo encarecer numa compilação científica como é o código, os autores são mesmo unânimes em reconhecer a flagrante superioridade do projecto sobre a planificação sistemática da lei vigente.
No que respeita ao aspecto formal, era bem pesada, como todos sabem, a responsabilidade que onerava a tarefa do legislador, visto a perfeição literária dos textos ser justamente exaltada como uma das principais virtudes do Código 67, em cuja redacção, além do visconde de Seabra, que era um talentoso homem de letras, colaborara o próprio Herculano, um dos grandes mestres da língua. Pois o melhor elogio que é possível fazer da nova lei consistirá em afirmar que, na opinião pública, ela não desmereceu do honrosíssimo conceito em que ainda hoje é tida a legislação civil codificada. Podem os seus preceitos, no geral extremamente concisos, não possuir a elegância literária que distingue muitos artigos do código em vigor; porém, não sendo menos claros no sentido, nem menos correctos na arquitectura gramatical, eles obedecem a um estilo de maior sobriedade no recorte da frase e são mais perfeitos do ponto de vista da técnica jurídica. E, como não é de beleza linguística ou formosura literária, mas de clareza, precisão e segurança, que as leis necessitam para preencher o seu fim, de acordo com os padrões estéticos dos tempos que vão correndo, os juristas só terão motivos para se regozijarem com o louvor que nem gregos nem troianos souberam regatear ao novo estatuto do direito privado português.
É altura de transitarmos, no entanto, do círculo dos juízos laudatórios para a zona dos reparos que o projecto suscitou, a principiar pelos dois primeiros capítulos, que tratam, respectivamente, das fontes do direito e da vigência, interpretação e aplicação das leis.
As disposições introdutórias do código tiveram por fonte o articulado que o Doutor Manuel Andrade redigiu sobre a matéria, mas que infelizmente já não chegou a rever, como era sua expressa intenção, por a morte o ter entretanto arrebatado, quando a escola e o País tanto poderiam esperar ainda do seu poderoso talento de investigador.
As pessoas que tiveram o ensejo de privar como saudoso civilista sabem que duas eram as facetas mais salientes da sua excepcional personalidade científica.
Era um jurisconsulto nato, um jurista por temperamento, talvez a mais decidida vocação para os temas árduos do direito, que o País conheceu no decurso de todo o século. Ele tinha a intuição pronta da solução exacta, não só nas disciplinas que professava dentro do direito civil, mas nos próprios ramos da jurisprudência, mais afastados da sua actividade docente. Duas ou três horas de aturada reflexão nesse espírito privilegiado equivaliam a meses de estudo e de fermentação de ideias no cérebro do comum dos investigadores. E muitas foram as horas de meditação que consagrou aos problemas mais importantes da parte inicial do código em anos sucessivos de ensino, entremeado com o labor da investigação científica.
Era, porém, como muitos dos melhores espíritos na ciência e na própria literatura, um permanente insatisfeito quanto à forma dos seus escritos.
Embora gostasse, para uso pessoal, de registar em notas muito concentradas os produtos da sua reflexão ou os frutos da sua leitura, na ideia de aproveitar todos os benefícios da tensão intelectual a que a escrita submete o raciocínio do investigador, com grande dificuldade se decidia a trazer a público, quer as suas prelecções, quer o texto dos seus pareceres doutrinários. E quando se lograva vencer a sua injustificada, mas obstinada, resistência, a custo se lhe arrancavam as últimas provas tipográficas, depois das sucessivas emendas que introduzira nas primeiras e das múltiplas correcções com que antes fora já castigada a prosa do original manuscrito.
Neste ligeiro apontamento biográfico que a memória, saudosa do grato convívio com o mestre, traz ao bico da minha pena se encontra a explicação lógica para a confiança com que foram perfilhadas pelo código as soluções nascidas no anteprojecto do egrégio professor e para as ligeiras alterações formais a que o articulado foi sujeito.
A primeira dúvida relativa ao acerto da decisão é a de saber qual seja o local mais apropriado para a implantação das matérias reguladas.
E útil, porém, lembrar que o Código Civil constitui não só o repositório específico de toda a legislação civil, mas a matriz natural de todo o direito privado disperso por variadíssimos diplomas, desde o Código Comercial, as leis do trabalho e dos direitos de autor até aos Códigos do Registo Civil, Predial e do Notariado; e que, nesses termos, mal se poderia conceber que nele se não fizesse alusão às fontes do direito privado, ou se não definissem as regras que dentro deste amplo e qualificado sector presidem à interpretação e aplicação das leis.
A ideia de transferir tais preceitos para a chamada lei de introdução não se afigura solução recomendável, pois a lei de introdução deve ser essencialmente destinada a resolver as dificuldades de transição do antigo para o novo direito, e não a solucionar as questões de caracter permanente que levantam o entendimento e a aplicação prática das normas jurídicas, tanto dentro como fora do Código Civil.
Já repugnaria bastante menos que se deslocasse para o texto constitucional a teoria geral das fontes de direito; porém, abstraindo dos obstáculos especiais com que se defronta a revisão das constituições, mal se compreenderia a inserção da técnica relativa à interpretação e aplicação das leis num texto onde apenas se definem, per natureza, os princípios básicos da vida política da Nação.