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764 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 43

A orientação escolhida pelo projecto, além de não ser original, pois conta com bons precedentes a abonar os seus créditos, corresponde perfeitamente à importância especial que a tradição legislativa, quer em Portugal, quer nos países estrangeiros, atribui à codificação do ius civile. Assim se explica, de resto, que as regras formuladas nos dois primeiras capítulos do código, tendo directamente em vista o direito privado, se estendam em princípio a todos os outros ramos de direito. Embora sujeitos a algumas acomodações (quer na aplicação do Código Civil às províncias ultramarinas, quer na sua extensão a outros sectores jurídicos, como o direito penal e o direito internacional público), os princípios assentes valem sem alteração apreciável para a generalidade das normas legais, e marcam inclusivamente o sentido da evolução futura das compilações perante as quais sofram, no presente, qualquer derrogação mais aberta.
A inclusão das normas corporativas entre as fontes do direito, que tantas reservas parece ter suscitado à prevenção ideológica de certos meios, apesar da marca autorizada e insuspeita da sua origem que é o anteprojecto do Doutor Andrade, não tem o mínimo ressaibo de totalitarismo político. Bem pode asseverar-se, pelo contrário, que só a concepção das associações corporativas como entidades dotadas de autonomia, situadas fora da órbita dos organismos oficiais e desintegradas da estrutura política do Estado, permite explicar a consideração das regras corporativas como realidades normativas distintas da lei, na ampla acepção em que esta é tomada.
Os receios de que esta doutrina possa violar o princípio da unidade da ordem jurídica, tal como vem proclamado no artigo 6.º da Constituição, têm de considerar-se manifestamente infundados em face da subordinação a que as normas corporativas ficam sujeitas perante as disposições legais de carácter imperativo (artigo 1.º, 3).
A enumeração das fontes do direito, quer se trate do direito privado, quer se raciocine para o direito público, ficaria incompleta sem a menção dos assentos que, embora tenham raiz processual, revestem carácter substantivo, pela força genérica do preceito que coroa a decisão do caso concreto.
A maiores dúvidas dará possivelmente lugar a menção da equidade visto a expressão concreta dos juízos equitativos ser a negação, pelo menos aparente, da natureza abstracta que os melhores autores reivindicam para as fontes do direito.
Duas razões justificam, no entanto, a orientação seguida.
A primeira reside na necessidade de especificar os casos em que o legislador pode afastar a aplicação da fonte normal, comum, do direito, que é ainda a lei.
A segunde advém de a equidade poder em certos casos funcionar como fonte, não apenas de juízos concretos ou decisões individuais, mas de verdadeiras regras jurídicas, de preceitos com real substância normativa, embora com um raio de acção forçosamente mais limitado que os princípios inseridos na lei. Nesse sentido se dirá, com inteira propriedade, que a equidade é uma fonte de justiça.
Das questões reguladas no capítulo II, a mais difícil é, sem dúvida, a interpretação das leis.
Importa naturalmente conhecer os traços essenciais da posição definida acerca de matérias que pertencem ainda hoje ao número dos temas mais debatidos entre os autores. Antes, porém, de sumariar a doutrina do código, será conveniente que eu exponha, em síntese, a minha posição pessoal, como mestre e aprendiz do direito, acerca dos pontos capitais da interpretação. Não para luzir conhecimentos, que são bastante minguados e não poderiam deslumbrar ninguém, mas para facilitar a compreensão de certas proposições desgarradas que a lei insere, e também para mostrar a discrição com que o legislador se houve em toda a matéria, não obstante o apreciável avanço que as disposições traduzem, seja em relação ao código vigente, seja no confronto com as disposições paralelas das legislações estrangeiras.
Q problema da interpretação, que tanto atormenta os juristas, nasce de a lei ser composta de palavras, e de as palavras (tanto as proferidas oralmente como as gravadas por escrito) constituírem um meio falível de exprimir o pensamento do homem. Quando o texto legal, tomado isoladamente ou analisado juntamente com outros do mesmo sistema, comporta mais de um entendimento, como tantas vezes sucede, não apenas com as leis, mas com os trechos verbais de qualquer outra índole, qual é o sentido com que ele deve ser aplicado?
O sentido correspondente à vontade de quem fez a lei, respondem uns; o melhor sentido que caiba objectivamente na armadura verbal da lei, sustentam outros.
A verdade, porém, é que repugna aceitar como ponto de partida a tese objectivista, a posição doutrinária dos escritores que mal pegam na lei a desprendem imediatamente da sua origem natural para logo a projectarem, como entidade a se, sobre o plano das realidades externas que mais convêm à aplicação do direito em geral.
O legislador, quer se trate do Governo, quer estejam em causa as assembleias legislativas, não pode comparar-se, no exercício da função que lhe é cometida, ao escultor a quem o Estado encomenda e paga uma obra de arte, para que, uma vez exposta a peça ao público, cada um de nós a interprete e a sinta a seu modo; nem a lei deve rebaixar-se à categoria de simples artigo pronto a ser digerido segundo as variáveis necessidades fisiológicas do organismo social.
Os códigos não são meras exposições académicas de princípios, em que o autor se limite a proclamar a boa doutrina, sem a pretensão de impor a sua observância a quem quer que seja. Muito pelo contrário, a lei é um instrumento prático de acção, posto ao serviço de uma ou mais vontades a que os preceitos constitucionais outorgam foros de soberania. É o meio normal de expressão de um pensamento, mas de um pensamento real, concreto, histórico, nascido na inteligência de quem compõe, assina ou vota o texto legal, e não a pura representação gráfica de uma vontade ficta, abstracta, insuflada de fora para dentro nas entranhas mortas da lei. Sem a força e a musculatura que lhe dá a vontade real do autor, a lei assemelhar-se-ia a um peso morto, a um simples esqueleto de regras, não séria o corpo vivo, actuante, de que o organismo social carece para assegurar a disciplina do seu desenvolvimento.
Procurar inicialmente na lei, tal como na simples declaração de vontade, outra entidade psicológica que não seja a vontade real do autor tem toda a aparência de uma viciosa e flagrante usurpação do poder de soberania conferido ao legislador, no plano teleológico das realidades constitucionais.
Simplesmente, a vontade real do legislador - caput et fundamentum de toda a actividade interpretativa - está condicionada, na sua eficácia, pela propriedade dos meios por que ela se exprime. É através da lei que a autoridade constituída exterioriza a sua vontade; é a lei que há-de reflectir a sua vontade.
Desta dupla ordem de considerações, na aparência singelas, se não mesmo banais, é possível derivar já duas conclusões de inegável interesse prático.
Assim, se, em si mesma considerada, a lei é equívoca ou ambígua, porque comporta dois ou mais sentidos, mas não faltam nos estudos preliminares do respectivo pró-