962 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 53
Em segundo lugar, não se verifica entre nós a existência de bandos de jovens animados do frenesi da destruição e cansados de viver, como aquele que há dez anos irrompeu na Suécia e deu o lamiré às conhecidas vagas de tedy-boys em toda a Europa. Eram turbas de novos que se digladiavam furiosamente para sentirem que existiam. Eram turbilhões de exaltados que cultivavam o cinismo e a descrença, semeavam o equívoco e praticavam a violência. Desgarrados, com orgulhosa irreverência do viver comum, davam-se a actos de histerismo e agressão. Era o reino da indisciplina, do exagero, da intolerância e da sexualidade, a denunciar um tremendo drama nas consciências, que trazia apavorados os educadores e os governos. Porém, essas convulsões não nos atingiram senão por reflexos esparsos e efémeros, que não chegaram a constituir uma cena da peça da vida, quanto mais um acto inteiro dessa peça.
Mas então as perturbações universitárias de há anos? Não traduzem um profundo e latente estado de crise? Depois das intervenções dos ilustres Deputados, em 1964, na discussão de um aviso prévio sobre este mesmo tema da educação da juventude e dos despachos de 5 e 29 de Março de 1965 e da nota oficiosa de 29 de Outubro do mesmo ano do Ministro da Educação Nacional, o País ficou inteirado de duas coisas importantes: primeiro, o número dos perturbadores não excedia 2 por cento dos estudantes universitários, e, como a juventude não é só a universitária, não era relevante na massa juvenil da Nação; segundo, essas agitações eram provocadas, alimentadas e subsidiadas pelo conhecido deus ex machina da internacional comunista. Por consequência, não se podem interpretar como sintomas de grave doença moral.
Isto, porém, não significa que não houvesse, e não haja, razões propiciatórias da dócil anuência, por parte de outros estudantes, aos aliciamentos dos mandatários desse deus ex machina.
Independentemente do módulo característico do comportamento juvenil, qual é a fácil receptividade às palavras dos conhecidos mandarins da subversão, e do gosto, nela natural, de dar nas vistas, por exuberância de atitudes colectivas, não há dúvida de que a mocidade ó sensível às injustiças, e, se elas existem, como de facto existem, tende a encabeçar as responsabilidades, não nos seus autores, às vezes antípodas ideológicos do regime, mas sim nos responsáveis do mesmo regime.
Depois, como é generosa por condição, sobrepõe ao espírito crítico o sentimentalismo e deixa-se dominar pelo ressentimento contra o superior, resultando daí que, num diferendo entre a autoridade e qualquer um do seu grupo, julga virtude defender sempre o segundo, ainda que totalmente desprovido de razão.
Mas há mais explicações para esses acontecimentos. Os rapazes portugueses desconheciam o que eram os hórridos perigos da guerra, as pavorosas convulsões públicas, as lutas civis e outras calamidades a que a Providência nos havia poupado. O que disso sabiam devia-se à leitura, ao cinema, ou a referências orais. Não passava, felizmente, de um conhecimento platónico. E então os universitários, esses, na generalidade, pertencentes a famílias de bens ou proventos suficientes, viviam nas delícias da paz, sem um susto no ânimo ou beliscão na pele. Faltava-lhes, por isso, um termo real de comparação, trágico ou dramático, com que pudessem conferir e estimar os benefícios da vida de que desfrutavam. Daí o pendor para aceitarem o que lhes impingiam sobre o viver de algumas sociedades estranhas como paraísos terreais e, por consequência, a propensão para minimizarem o que é nosso, às vezes melhor e mais justo que
os modelos de que lhes falavam. E desta ingénua aceitação à insubordinação contra o status quo vai um passo.
Depois, o snobismo inerente, em todas as épocas, a certas camadas juvenis mais permeáveis à moral hedonística. Para esses, aproveitar o mais possível o gozo lícito ou ilícito das técnicas e convivências humanas é um postulado do seu egoísmo e da renúncia à vida cristã, por definição e por promessa, agónica e sofredora. Ora, ensina a experiência dos povos que é nestes espíritos, assim desgarrados dos hábitos gerais de trabalho e modéstia, que, por um inexplicável fenómeno de incoerência, se recrutam os mais inconformistas e revoltados arautos das reivindicações sociais.
Não obstante estas razões subjacentes, e outras mais que omito por brevidade, as perturbações universitárias não passaram, no corpo da nossa juventude, de um acesso de febre, e estão, a meu ver, muito longe de denunciar graves sintomas de crise.
Passemos então à análise de outro indicador, de maior 'valor probatório, visto respeitar a toda a população minorense e oferecer, por isso, uma estimativa mais exacta do seu nível de moralidade. Refiro-me à delinquência juvenil.
A nossa população dos 5 aos 20 anos era em 1965, o último de que possuímos estatísticas publicadas, de cerca de 2,7 milhões. Pois bem: o número de menores internados, no fim desse ano, em estabelecimentos tutelares do Estado foi de 1720, dos quais 1298, ou seja mais de metade, em institutos de reeducação. Isto significa que, em cada série de 2500 menores, não chegam a 2 os entregues à vigilância e correcção dos Poderes Públicos. Por outro lado, o número dos julgados, durante o mesmo ano, nos tribunais tutelares foi de 3514, dos quais 1696 sofreram apenas admoestações e foram entregues ao poder paternal. Se aos 3514 acima referidos juntarmos 2524 condenados pelos tribunais comuns, temos que a acção da justiça abrangeu ao todo nesse ano 6038 menores, o que, na massa geral, não chega a 7 por cada 2500, e fica em menos de 0,25 por cento. Quanto aos casos de menores tratados em 1965 pela Polícia de Segurança Pública, o seu número foi de 4338, e pela Guarda Nacional Republicana, de 5972, no total de 10 310, ou seja 0,4 por cento. Perante estes dados, temos de convir que é felizmente baixo o índice de criminalidade juvenil.
Mas, se daqui passarmos a um subindicador complementar do que até agora analisámos, isto é, à disciplina nas escolas, também podemos tirar conclusões úteis. Para o efeito, escolhi três estabelecimentos de ensino oficial considerados dos mais rigorosos e exigentes quanto ao comportamento dos alunos, e os três de sectores diferenciados: um internato, uma escola técnica e um liceu. O internato foi frequentado em 1964-1965 por 605 alunos, e destes, punidos 164; em 1965-1966 por 601 alunos, e destes, punidos 115. Porém, castigos que implicassem relativa gravidade, apenas 11 em 1964^1965 e 7 em 1965-1966. Quanto à escola técnica, o número de alunos dos cursos diurnos e nocturnos foi em 1964-1965 de 2317, e deles, punidos apenas 21; e em 1964— 1965, de 2410, e deles, punidos apenas 30. Isto é, em 1964-1965 a média dos alunos punidos não abrangeu 1 por cento, e no ano seguinte passa ligeiramente essa percentagem. Quanto ao liceu, foi frequentado em 1964— 1965 por 3129 alunos, em relação aos quais se registaram 192 penalidades; e em 1965-1966, por 2558 alunos, com o total de 121 castigos. Supondo, pois, que cada penalidade recaiu em aluno diferente (e não foi assim), teríamos em 1964-1965 G por cento, e no ano seguinte