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958 DJÁRIO DAS SESSÕES N.º 03

recerem consagração. Portugal, a despeito dos seus 800 anos, não envelheceu; mantém-se na plena pujança, na altiva virilidade de que desde as eras quinhentistas e seiscentistas não tem deixado de dar provas, sempre que as circunstâncias o exigem.
Os nomes escolhidos para os novos navios — Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Pereira da Silva, Magalhães Correia e João Belo — podem, na realidade, ombrear, por direito próprio, nas amuras dos nossos navios de guerra, com os antigos nomes de Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, Pêro de Alenquer, Gil Eanes, Pedro Nunes, Diogo Gomes e João de Lisboa.
Mas, Sr. Presidente, há ainda um ponto que julgo deve merecer a nossa cuidadosa atenção.
13 que não basta concretizar o programa em curso. Há que não esquecer o futuro, que não se mostra risonho, nem sequer tranquilizador. A renovação da marinha de guerra é processo que não pode considerar-se concluído, mesmo com um programa bem elaborado, porque este é forçosamente limitado. O processo não pode ser estático. Tem de ser contínuo, dinâmico, progressivo, se se quer que a Nação usufrua a indispensável segurança. Há, pois, que continuar na senda em tão boa hora trilhada.
Confio que assim sucederá, pois à frente da pasta da Marinha encontra-se um governante decidido, prestigioso e entusiasta, a quem se deve muito do que até hoje se realizou e que, a bem da Nação, não deixará de continuar a pôr os seus reconhecidos méritos e excepcionais predicados ao serviço da Armada.

Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: — Sr. Presidente: Quando há dias intervim na discussão da Lei de Meios, invoquei a minha qualidade de homem da rua para transmitir alguns reparos sobre o funcionamento da máquina administrativa do Estado. Isto de ser homem da rua é ocupar um belo posto de observação da vida, em todos os seus aspectos, mas exige às vezes o pagamento de pesado tributo, porque faz-se este plano, mais aquele, resolve-se isto e aquilo, reúnem-se sábios e anacoretas, e no fim de contas . . . quem sofre as últimas consequências é o homem da rua.
Sr. Presidente: Ontem fui ao Cais do Sodré às sete e meia da tarde para passar para a Outra Banda, e só consegui passar ao fim de duas horas, encharcado e gelado até aos ossos. E o mais trágico é que me encontrei nesta inconcebível aventura com milhares de pessoas que todos os dias atravessam o Tejo e para quem a demora de ontem foi mais uma das tantas que tem havido.
Foi o caso que o vendaval ontem caído sobre Lisboa fez interromper as carreiras dos cacilheiros. O transporte no rio ficou assim reduzido aos ferry-boats, e, como apenas dois estão ao serviço, para tantos cais disponíveis e tanta despesa feita, formou-se uma bicha enorme e grossa de gente para comprar bilhetes. Feita a compra, ia-se para outra bicha, grossa e enorme, para entrada nos barcos que se revezavam no mesmo ritmo calmo e indiferente dos dias de sol. Uma hora estive na bicha dos bilhetes, à chuva e ao vento, porque ali não há abrigos. E desisti, pois apenas três barcos vi partir entretanto. Ouvi dizer às pessoas que me rodeavam que os outros barcos estavam sonegados, à espera do aumento de preço das tarifas. Quis ir então pela ponte. Dirigi-me a um empregado da Carris a perguntar onde podia tomar transporte para me levar a Alcântara. Indicou-me o local e disse-me que já tinha mandado vir autocarros. No local indicado centenas de pessoas esperavam esses autocarros, e, entretanto, como demorassem, iam tomando de assalto os raros táxis que por ali passavam vazios. Fui num deles com três desconhecidos, três companheiros de infortúnio. Havia inundações junto à estação da C. P. em Alcântara-Terra. O táxi despejou-nos, por isso, a algumas centenas de metros do chamado «Centro-Norte», onde se toma transporte para a Outra Banda. Calcorreando esses metros sob a ventania inclemente e fria, vi-me metido numa multidão enregelada que esperava outros autocarros da Carris e das empresas Beira-Rio e Piedense. E outra hora ali esperei, à chuva e ao vento, porque ali também não há abrigos e não havia serviço organizado de transportes. Tudo se passava no mesmo ritmo calmo e indiferente dos dias de sol.
Finalmente, fui espremido para dentro de um autocarro da Carris, de roldão com outros desgraçados como eu. A ponte era uma beleza ... O Cristo-Rei abria-nos os braços ... E lá fomos despejados no Centro-Sul. Aí sim, aí há um telheiro; o que não havia era transporte para Almada. Parece que autocarros vermelhos apareciam de vez em quando. Eu não vi nenhum, e, farto de chuva e frio, quase sobre as 10 horas da noite, meti-me a pé, cortando o vento e a chuva, patinhando na lama, direito à Cova da Piedade, onde, sob um minúsculo alpendre, aguardei um autocarro verde, que me levou enfim a casa. Às 11 horas da noite estava finalmente ante os olhos reconfortados da família a comer a minha sopa quente.
Não venho aqui pedir medalha nenhuma por actos heróicos; não havia medalhas que chegassem neste pais para os milhares de pessoas que, várias vezes no ano, ao longo de muitos anos, antes da ponte e depois da ponte, têm sofrido as inclemências do tempo e as insuficiências dos homens . . .
Não sei quem manda no Tejo, quem diz aos barcos para parar ou para andar, aos autocarros para partir e chegar, quem é responsável pela existência e pela coordenação dos transportes. Não sei nada. Mas, seja quem for, daqui o convido a ir comigo a Cacilhas numa noite de vendaval, sem carro, nem motorista, assim mesmo, como homem da rua.
Ah, mas uma coisa ganhei com a triste experiência de ontem: foi a lição magnífica de. uma multidão, esquecida e maltratada, que, sob a chuva e o vento, enregelada e longe do jantar, tudo aguentou com um optimismo invejável, gracejando com o seu infortúnio, aceitando os factos com a indiferença fatalista da repetição sem remédio. Grande lição! Aqui lhe deixo o meu aceno de profunda admiração.
Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: — Vai iniciar-se o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.

O Sr. Nunes de Oliveira: — Sr. Presidente: Ao iniciar esta intervenção, simples e despretensiosa no conteúdo, mas grata à minha inteligência e à minha sensibilidade, cumpre-me começar por prestar a mais sincera homena-