14 DE JANEIRO DE 1967 1005
A juventude não é uma situação, mas um conjunto de situações, não é uma finalidade, mas um caminho.
Constituí-la como um mito consiste afinal em desvia-la do seu fim.
Alas existirão valores humanos que se revelam particularmente nas várias fases da juventude?
Creio que sim. O dinamismo, a pureza intelectual, a disponibilidade, a capacidade de esperança, intransigência e a eficácia são comummente referidos como virtudes peculiares das idades jovens.
Uma vitalidade física, psicológica e espiritual contraria muitas vezes os adultos, instalados no comodismo de situações adquiridas. À aparente incoerência deste dinamismo juvenil muito se deve do progresso humano.
A capacidade de emoção e a de admiração são testemunhos da inocência do intelecto. Aliadas ao espírito - de descoberta, alimentadas pela intuição fonte de conhecimento, familiarizam os seus portadores com a própria época em que vivem. Já se disse que se a experiência é preciosa, não o é menos a inocência, pois, constitui, afinal, uma condição da verdadeira experiência.
Mas o dinamismo e a pureza do intelecto conjugam-se com a disponibilidade. Dado que ainda não fez a sua escolha, o jovem é livre. E uma riqueza e uma responsabilidade. Ninguem poderá abraçar tudo, pois corre o risco de não ter nada. A disponibilidade exige assim uma preparação para a escolha.
Diz-se que o velho vive do passado, o adulto do presente, o jovem do futuro. Esta capacidade de esperança será a flor mais bela da juventude. Com ela o mundo renova-se e à sua sombra crescem a intransigência perante o imobilismo e a eficácia na acção quotidiana.
Estes valores são comuns à juventude de todas as épocas. Para lá deles, porém, quais as notas psicossociológicas que ainda — em termos gerais — distinguirão particularmente os jovens dos nossos dias?
Vivemos uma idade em que os condicionalismos sociológicos e a própria alteração nos dados biológicos afectam profundamente a juventude.
Referi atrás a duração média da vida, o aumento da escolaridade, a aceleração da história. Poderia agora acrescentar a industrialização, a urbanização, o êxodo rural, a aceleração do progresso técnico, a expansão dos meios de difusão.
Os mass media, da terminologia anglo-saxónia acentuaram, por exemplo, as influências colectivas, afectando estruturas e valores tradicionais.
Nos domínios da biologia, fenómenos como o do aumento da altura média dos indivíduos ou o avanço progressivo da puberdade são causa e efeito de uma maturidade física com idêntica projecção social.
A atracção pelas técnicas, não só patenteada na generalização deste tipo de ensino, mas em todo o ambiente que se vive, conduz o jovem a aceitar -esta mesma técnica como um «valor refúgio». Os instrumentos técnicos permitem afirmar uma autonomia pessoal, um domínio sobre o ambiente exterior.
Deste sentido do exacto resulta um amor pelo realismo, uma vontade de sinceridade. A própria literatura fala a cada momento em «autenticidade» e termos como «auto-análise», «fenomenologia» e «psicologia das profundidades» constituem moeda corrente.
O espírito realista gerou ainda uma desconfiança perante as ideologias. Passou a idade romântica da oratória. Falam uma linguagem que a juventude não compreende muitos que afinal pretendem apenas justificar-se de situações adquiridas ou fazer crer que a época da sua juventude ainda não passou.
Transposto para o plano religioso — e adiante voltaremos a este ponta, a propósito da juventude rural —, o espírito da nossa época gera duas posições extremas: indiferença perante esta problemática ou renovação de uma espiritualidade nada formal e sempre profunda. Já se escreveu que a juventude «perdeu o gosto de divinizar as causas e os homens». Mas a crença dos nossos jovens é, sem dúvida, «mais encarnada, mesmo quando parece menos religiosa, factor de menores exteriorizações, mas de realizações mais concretas».
A idade do social intensificou a solidariedade e deu outro sentido ao próprio problema das relações entre os jovens de diferentes sexos.
A sociabilidade, por estranho que pareça, é muitas vezes uma reacção contra a solidão a que obriga a vida moderna de solitário entre as gentes. A necessidade de pertencer, de se dar, de ser admirado, de segurança afectiva, leva os jovens a agruparem-se, estará mesmo na base de um outro fenómeno preocupante: o dos bandos de delinquentes.
Nem acreditemos que esta juventude, no plano do amor, seja particularmente desavergonhada. A franqueza e a familiaridade, o protesto -contra a falsa honorabilidade dos adultos, estarão muitas vezes na base de atitudes chocantes ou darão causa a generalizações menos fundadas.
É que o problema da juventude não reside apenas nela, mas ainda na consciência e no comportamento dos adultos.
Sentimo-nos assim atraídos para uma questão, hoje bastante debatida: a da promoção das classes jovens e da tensão entre as gerações.
No panorama demográfico de algumas regiões do nosso mundo verifica-se, por um lado, um aumento ou estabilidade da taxa da natalidade, fenómeno acompanhado de um sucesso na luta contra a mortalidade infantil, e, por outro, dentro de uma diminuição na taxa da mortalidade global, donde um alongamento no nível médio de vida. Os componentes da população activa encontram-se numa encruzilhada cujos sentidos se traduzem numa dupla obrigação: assegurar a existência mais prolongada dos seus progenitores; realizar uma integração mais rápida de gerações bem numerosas de jovens.
Atentaremos apenas neste último aspecto. Antecipo-me a afirmar que a promoção de jovens não é apenas a resultante de um fenómeno demográfico. A participação dos jovens na comunidade das gerações é um fenómeno humano na riqueza sociológica, moral e espiritual que comporta.
Voltemos à aceleração da história. Como se tem acentuado, ela não revolveu apenas as estruturas económicas, políticas e sociais do mundo moderno, fazendo viver os homens mais tempo e mais depressa. Deu-lhes a possibilidade de sentir e de medir, à escala de uma geração, o crescimento do mundo. Há 50 anos, o homem chegava ao termo da sua vida de trabalho tendo, conhecido três ou quatro modestos inventos. Hoje, o trabalhador que ainda conheceu a diligência assistiu, sucessivamente, ao sucesso do automóvel, do avião e dos veículos espaciais. Da modesta utilização da galena, saltou para as experiências da televisão e para a utilização das máquinas electrónicas.
As numerosas gerações jovens que se aproximam da vida, vivendo esta evolução rápida da técnica, mais fazem sentir a sua pressão na comunidade das gerações. Trata-se, *m suma, de uma pressão psicológica, sociológica o política.
A pressão psicológica ó ainda um combate individual que se trava, principalmente, no seio da família. Mas