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1008 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56

Os meus colegas que ao tempo cursavam Ciências familiarizavam-se com uma terminologia onde, se falava de «categoria exponencial» ou de «cúmulo de infinitos».
Muitos outros, porém, sentíamos a problemática de uma explosão demográfica, de um êxodo rural em massa, de uma concentração urbana milionária.
Todos estes movimentos naturais ou artificiais da população traziam quase sempre a marca de forças ocultas e perguntávamos a nós mesmos que hecatombes não preparariam aos homens nossos irmãos.
Era o movimento das estruturas sociais. Foi aí que pela primeira vez compreendi o sentido de uma expressão que posteriormente veria repetida a cada passo: a aceleração da história.
(Muitos confidenciavam que nada lhes parecia seguro nem na Terra nem no Céu e alguns concluíam, perante esta ansiedade, que apenas valeria viver o momento presente.
Recordo-me de ter lido um dia na parede de uma república esta frase de Camus: «Pour toujours, je serais étranger à moi-même.»
Eram os anos que se seguiram ao termo da segunda grande guerra. Depois do drama de Hiroxima e de Nagasaki, viriam as bombas de hidrogénio, os múltiplos conflitos acesos em todos os cantos da Terra, o equilíbrio instável de uma guerra fria, sempre prestes a consumar-se em hecatombe total.
E mesmo os que eram poetas e no segredo da noite procuravam a companhia das estrelas se sentiam possuídos por uma ansiedade frente à imensidão dos espaços. Já não era a evocação anteriana do soneto Mors-Amor, mas a humilhação que a recessão das galáxias ou o universo em expansão infligiam a nossa pobre Terra. Não há nada no nosso planeta, no nosso Sol ou na nossa galáxia que seja notório ou digno de atenção, concluíam os estudiosos do espaço exterior. A muitos restar-lhes-ia repetir com Pascal: «Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.»
Buscavam assim, «apara além das disponibilidades de viver, razões válidas de viver».
Algumas ideias e anseios que então se esboçavam viriam a ter amplo debate, anos mais tarde, no Concílio Vaticano II. Insistir-se-ia no valor próprio, se bem que relativo, das realidades terrestres, fundadas em reflexões teológicas sobre a criação e a encarnação de Cristo.
Ouçamos a tal propósito um depoimento autorizado:

A Igreja tem a dizer algo sobre os problemas do mundo moderno, sobre a técnica, a ciência e as tensões sociais entre classes, povos e raças. A ciência e a técnica criaram uma nova mentalidade, um novo homem [...]. O homem rompeu a unidade da Criação, colocando, de um lado, o mundo da técnica, da arte e da ciência e, de outro lado, o mundo da liturgia, da teologia e da piedade [...].
Consequentemente, o homem moderno, fascinado pelas ciências naturais e pela técnica, desnorteia-se com facilidade. Que significa a vinda de Cristo para a nossa salvação, se o cosmos conta dois biliões de anos de idade? Que houve no grande espaço de tempo anterior?

O sucesso de Teilhard de Chardin está ainda na resposta que procurou dar a esta situação angustiante:
A relação íntima entre Cristo, sempre imanente ao processo cósmico, e a transfiguração do Mundo no fim dos tempos, significa que Cristo em todo o curso da história quer encorporar a si a matéria do Mundo.
Reconhece-se que a teologia necessita de reflectir sobre as grandes verdades salvíticas a partir das realidades terrestres.
A criação, por exemplo, importa que seja vista na sua dinamicidade, na situação social e cultural de nossos dias. Só assim obteremos uma teologia da sociedade, do amor, do matrimónio, da família, do Estado, da arte, da técnica e da economia, solidamente fundamentada para a verdadeira compreensão cristã.
Há anos que não vejo aquele meu contemporâneo de Coimbra que inscreveu na sua república a frase de Camus atrás citada.
Parece-me, contudo, que ele hoje dará a sua adesão a este passo de um escrito de Caffarena:
Talvez Camus tenha compreendido só a meias aquela lenda de S. Demétrio, que colocou nos lábios de uma personagem de Os Justos: «Tinha entrevista com Deus num campo, mas viu um camponês com o carro atolado e ficou a ajudá-lo; e quando chegou ao lugar marcado já não encontrou a Deus.» Não deveríamos completá-la desta forma: «porque já O tinha encontrado através do amor que o uniu ao irmão e ao seu trabalho»?
Deste modo também «a pastoral deixou de ser apresentada como assunto exclusivo dos pastores numa Igreja clericalizada».
Fala-se hoje numa pastoral de conjunto, de grande espaço e a longo termo.
Longe de mim discutir a aplicação dos novos métodos à actualidade portuguesa.
Situado no âmbito das exigências da formação cristã da nossa juventude, já não será despiciendo referir um ou outro aspecto que mais interessará aos propósitos educativos.
O ordenamento pastoral de Braga, com a abundância de clero, será diverso do de Coimbra, com um escol de leigos, ou do de Lisboa e Porto, com 25 por cento da população do País e a multiplicidade de problemas característicos das grandes aglomerações urbanas. As exigências dos meios rurais, por seu turno, surgem hoje agravadas com o êxodo rural e a emigração ou até a preparação espiritual dos jovens que servirão como militares ou colonos no ultramar.
Parece-me que a Igreja nem sempre tem aproveitado inteiramente as facilidades de acesso às escolas primárias.
Ainda, para serviço neste nível primário, a formação de pessoal catequístico ou a intensidade da sua acção variam com as diferentes regiões, mesmo dentro de cada diocese.
Igualmente urgente será modernizar e tornar mais eficaz a educação e instrução religiosa no ensino médio. Os cursos secundários, nomeadamente os de natureza técnica, têm uma massa escolar heterogénea, muitas vezes proveniente de grupos sociais onde a presença da Igreja tem sido enfraquecida.
Quanto ao ensino superior, a ausência de formação religiosa a nível correspondente e a feição pouco formativa, sob o ponto de vista espiritual, dos estudos, constitui gravíssimo problema, muitas vezes denunciado.
Tais deficiências afectam já toda a estrutura cultural portuguesa.
«Uma pastoral cultura consciente», escrevia há tempos António da Silva, «perguntar-se-á pela presença da Igreja no meio universitário, e não apenas em actividades