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1006 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 56

breve esta afirmação de si mesmo se transplanta para o plano colectivo, gerando outras oposições e incompreensões.
A forma como opera o factor tempo reveste-se de particular importância.
Outrora, todos o julgavam longo. Hoje, todos o pensam breve. Um tempo sem história das idades menos progressivas encontra-se agora com um tempo em que o imprevisto da mudança e da novidade lhe dá a própria noção de curto.
Mas, se os jovens clamam que desejam viver a sua juventude, realizar-se precocemente com independência, logo outros obstáculos se opõem a esta integração.
De novo nos encontramos, por um lado, com o prolongamento dos estudos, as exigências de uma meticulosa preparação profissional, e, pelo outro, com o alongamento da vida e a permanência dos mais velhos nos lugares de direcção ou chefia.
Há menos de 100 anos — escreveu Lavialle —, uma mulher de 30 anos encontrava-se em declínio. Hoje é uma bela mulher . . . Será necessário recordar que Napoleão tinha 27 anos na batalha de Arcole, que Pitt foi primeiro-ministro da Grã-Bretanha aos 22 anos, que Guisot foi professor de História na Sorbonne aos 25 anos e que Gambetta era aos 21 anos advogado das grandes causas políticas, aos 31 anos organizador da defesa nacional e aos 36 anos inventor de fórmulas históricas sobre o clericalismo . . .
No entanto, a opinião pública liga, em nossos dias, a juventude à técnica. Não é a grande aventura espacial obra de jovens? A invenção tornou-se menos dedutiva, menos cartesiana, filiando-se mais na imaginação e na intuição, virtudes da juventude.
Mesmo nos domínios da economia, esta presença é igualmente relevante. Exemplifique-se com os consumos dos jovens.
O aumento do seu número alargou o mercado próprio. Acresce que o poder da sua influência sobre os adultos ou a singularidade de certos efeitos de imitação permitem verificar como ó importante a presença dos jovens nas motivações de consumo dos mais velhos.
Quem estiver atento — se isso é cómodo e possível — à publicidade da televisão poderá Verificar como frequentemente se escolhem jovens ou ambientes juvenis para propagandear tudo o que é susceptível de consumo útil ou inútil.
Permita-se-me uma atenção mais pormenorizada sobre a juventude rural.
Quando evoco os tempos de jovem na minha terra e os comparo com os que hoje aí, se vivem, quando antevejo, sobretudo, as transformações que com tanta celeridade se avizinham, nasce em mim redobrado desejo de compreensão. Peço a Deus para que os responsáveis tomem consciência das exigências postas por estas alterações profundas, procurem mitigar as inevitáveis tensões entre as gerações e tirem da maravilhosa energia de que são portadores os jovens rurais todo o proveito para a sua valorização e da comunidade em que os desejamos ver integrados.
No mundo rural morreu o isolamento secular e nascem todos os dias novas técnicas de exploração da terra.
Formas de pensamento e hábitos de vida encontraram-se com o automóvel, a rádio e a televisão. O tractor chegou acompanhado do azoto, dos híbridos e da inseminação artificial. A consagração da economia de mercado destruiu a autarquia familiar.
Toda esta revolução foi facilmente assimilada, quando mesmo não foi entusiasticamente apoiada pelos jovens. Os mais velhos, porém, sentiram dificuldades em a compreender. Daí ainda uma tensão de gerações.
Diferenças na instrução, no comportamento religioso ou até na conduta psicossocial constituem também causas e efeitos desta duplicidade de situações.
A formação escolar das novas gerações criou nos filhos um sentimento de minimização pelo saber dos pais. E aquela sabedoria popular enriquecida na experiência das gerações entrou em crise.
No plano religioso a abertura do mundo afectou a crença baseada na tradição e na autoridade. A pressão social, que era a vigilante da moralidade e da prática assídua dos deveres religiosos, enfraqueceu.
Com o êxodo rural poucos foram os jovens que na cidade, libertos dessa pressão, continuaram fiéis a uma crença que, afinal, era mais ornamento do viver social do que uma convicção profunda.
Mas os outros jovens, os que não foram imolados ao paganismo moderno, trocaram esta religião social por outra mais pessoal, mais esclarecida, mais encarnada.
O sentido comunitário que entretanto se desenvolveu fez um apelo à presença consciente e activa de cada um.
A atitude psicossocial ó igualmente diferente. Ontem herdava-se a situação de agricultor, hoje aspira-se a fazer dela uma profissão como qualquer outra.
Poderá resultar do êxodo rural a possibilidade de uma selecção positiva de agricultores, com proveito para uma agricultura mais dinâmica e liberta do subemprego?
A resposta dependerá mais do Governo do que dos rurais. Mas o movimento que se tem processado, independentemente da intervenção da Administração — ou até como resultado do seu imobilismo e ineficácia —, poderia ser aproveitado para restabelecer um equilíbrio no mundo agrícola.
Ontem, os homens da minha terra viviam uma independência cujo preço era o isolamento e, às vezes, a miséria. Hoje, as novas gerações estimam uma liberdade em que se afirmem na escolha de emprego e na interdependência social.
E que dizer da condição da jovem no mundo rural?
O problema integra-se noutro mais vasto e bem importante: o da situação da mulher na actualidade social portuguesa.
A questão é tão rica, e com ela estão em jogo valores de tamanha envergadura, que bem merecia ser tratada em aviso prévio nesta Assembleia Nacional.
Se outros Srs. Deputados mais sabedores ou autorizados o não fizerem, talvez eu tome um dia esse encargo.
Por toda a Europa encontramos a mulher no mundo do estudo, do trabalho, da vida pública. Ela ajuda a construir a civilização do terciário que se avizinha.
Em alguns países as jovens de 18 anos trabalham mesmo em maior proporção do que os rapazes da sua idade.
Um direito à cultura, ao trabalho, à liberdade, integra o código daquilo que já se convencionou chamar «promoção feminina».
Colocada entre ela própria e o futuro, perplexa entre o que é (ou desejaria ser) e as prepotências da cidade, pesa sobre a mulher uma tarefa bem difícil.
Pará a maioria das nossas jovens o futuro é ainda um sinal de incerteza. Repartidas entre um casamento, a que aspiram, e uma actividade profissional, quase sempre mal remunerada, as jovens interrogam-se, inquietas. Não será, por exemplo, a chamada «literatura do coração», para muitas, um refúgio, uma auto-ilusão?