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10 DE FEVEREIRO DE 1967 1213

submetido à nossa apreciação, produto de um longo e exaustivo trabalho, cuja linha de rumo dificilmente se encontra no desenvolvimento das considerações em que procura assentar

O problema é realmente complexo e complicado Não constitui, longe disso, preocupação dos nosso dias pois o é de há muito e de sempre E que a caça, de fonte de sobrevivência, quando, para sobreviver, o homem do passado sobraçando a aljava empunhava o arco e a flecha, foi-se transformando com o evoluir dos tempos, em actividade lucrativa, em entretenimento dos ociosos ou em desporto para regalo dos mais prósperos

Sem querermos reportar-nos ao longínquo passado em que o exercício da caca e a destreza nesta eram elementos qualitativos dos homens que por via das aptidões reveladas ascendiam ao comando e predomínio dos clãs em que se integravam, coloquemo-nos preferentemente naquela época em que como restrição ao direito de propriedade, começou a gerar conflitos entre caçadores e proprietários dos solos

Recuarei, assim, até uma época menos remota ao século XVII, precisamente ao ano de 1776 em que no alvará de l de Julho, assinado pelo marquês de Pombal o conflito entre caçadores e proprietários se põe no ,aspecto que particularmente nos interessa e revestido de uma flagrante actualidade, pois perduram aliás com maior relevância as razões que o motivaram.

No referido alvará se poderá ler.

me foi representado por grande número de Donos e Procuradores de Quitas, Fazendas e Vinhas e Terras que de alguns anos a esta parte muitos ociosos vadros e de mais viver uns entregando-se à preguiça, outros deixando as artes fabris, que aprenderam e fazendo vida de caçadores, infestam armados as sobreditas Quantas Fazendas e Vinhas e Terras invadindo todas por força e violência abusando dos frutos que nela se achavam como se foram próprios pisando no agro os que se acham verdes nos campos e arvoredos.

Do transcrito se verifica que na problemática da raça se enxerta uma questão de base que tal como nos distantes tempos referidos se enraíza na manifesta incompatibilidade do exercício dos direitos, em presença.

De um lado o direito de propriedade direito fundamental com toda a indiscutível importância de que se reveste.

Do outro o direito de caçar nos tempos de hoje e nos moldes em que geralmente se deseja de discutível exercício, já que como aquele se não mostra impregnado de um tão fundo sentido social nem se destina à realização de uma necessidade de sobrevivência dos homens que, como tal, no passado o impôs como direito natural e lhe outorgou por isso, uma protecção especial.

De facto nos nossos tempos a caça, de fonte de abastecimento necessária à sustentação do homem que felizmente deixou de ser transformou-se essencialmente num desporto aliás caro em fonte de receitas consideráveis aspecto em que mereceu as atenções dos estados através de regulamentações jurídicas apropriadas no aproveitamento do valor que representava Sob o ponto de vista turístico, como atractivo e consequente aumento do comércio de divisas sob o ponto de vista fiscal, como objecto de tributação através das l licenças, impostos sobre venda de armas, munições, etc.

E assim, de rc8 nulhas, de coisa do ninguém, justamente porque era susceptível de apropriação geral como sempre acontece dela se apropriaram os mais fortes, os

estados, em nome do interesse nacional que lhes cumpre defender, oficializando o que parecia oficioso.

Mas o certo é que, no que ora nos interessa, ver fica-se estar aberto, na matéria, o problema da compatibilidade do exercício de dois direitos de execução prática pouco concilidável, tendo em atenção não ser legítimo o exercício de um sem a competente salvaguarda do outro Nas dificuldades deparadas aos legislados para se conseguir um justo equilíbrio na efectuação daqueles exercícios, tem-se ido fundo na averiguação das razões que respectivamente os legitimam E, na impossibilidade de se encontrar uma solução original satisfatória, por mal impossibilidade ou por «falta de engenho e arte» várias legislações se socorrem, entre elas a nossa, das velhas e já ultrapassadas concepções românica e germânica, a meu ver cada uma delas, nem sempre bem afeiçoadas aos condicionalismos dos nossos tempos.

Reconhecido que a caça deixou de constituir meio de satisfação das necessidades materiais do homem forçoso será reconhecer também que não poderá continuar a usufruir da fundamentação que a impôs como pus naturalis Outras razões de legitimidade se haverão de descobrir e estas existem por certo, sem necessidade e, aliás sem sentido actual de tão distante se nem buscar as razões justificativas do direito que só pretende regular.

Convirá não esquecer que a caça só deixou de ser fonte primária de alimentação do homem quando este passar a dispor de outros recursos, pôde encontrar noutras actividades, sobretudo no amanho das terras, o seu mais poderoso e eficaz meio de subsistência Contudo, o homem continuou a caçar pelo prazer do desporto, da competição que com o aperfeiçoamento dos apetrechos necessários, se for transformando de competição que ora para alguns em profissionalismo, morticínio e ânsia de matar

Tenho para mim que foi o progressivo desenvolvimento da agricultura e consequente desbravação das terras para o desabrochar do pão necessário à vida humana a defesa daquelas profundamente afectadas no seu destino pelos estragos causados com o crescente e incontrolado aumento das espécies cinegéticas, que determinou a intervenção da prática da caça com vista a sua preservação o que já longe da influencia de um jus naturais gerou um interesse de protecção que haveria de permitir o estabelecimento do velho conceito de rc8 (...) transformando a caça num direito do povo.

Assim o conceito se arreigou fez (...) e se tonou em fonte do direito regulador, ao mesmo tempo que satisfez um anseio de propriedade colectiva da caça.

Nos nossos dias mesmo no fundo e sentido das legislações, ele se opõe às correntes restritivas procura impor-se erga omnc8, longe contendendo com o direito de propriedade. A invasão desta proibida por lei abre exceções, submete--se, obedece à longa, conservadora (...) É o costume, na matéria a pretender afirmar-se como fonte do direito.

Tal conceito, porém, paradoxalmente, surge-nos no rigor da sua aceitação prática, de difícil procedência, já que na sua execução, se mostra incompatível contrário mesmo à própria e pretendida defesa da caça como valor nacional, transformada no seu principal fundamento de satisfação das necessidades primarias do homem de desporto em manancial de receitas públicas e fonte de enriquecimento do erário nacional.

E assim, podemos verificai que um conceito estabelecido para defesa de valores essenciais está em risco de ser atraiçoado em nome da mesma. defesa de valores.