9 DE MARÇO DE 1967 1399
Santa Maria de África, trigueira
Reinando sobre as ossadas portuguesas,
Guarda por nós o Algarve de Além-Mar!
Pode bem ser que Deus ainda queira
Que, à sombra dessas velhas fortalezas,
A tua voz volte a comandar!
Quando o desígnio do infante D. Henrique se transforma na realidade da Índia, D. Manuel faz substituir a modesta capela do Restelo pelo sumptuoso Mosteiro dos Jerónimos, dedicando a Santa Maria de Belém «toda esta máquina». As ilhas, as cidades, as montanhas, tudo o que os Portugueses descobriram, por onde passaram ou permaneceram, ficou perpetuando o seu culto a Santa Maria.
E quando Portugal sacode o jugo castelhano, e a Senhora da Conceição proclamada Padroeira de Portugal. As Cortes de 1646 foram mesmo mais longe. Nossa Senhora da Conceição ficou sendo não só a Padroeira, como «Rainha dos reinos e senhorias de Portugal». E desde que tal aconteceu nunca mais os monarcas portugueses puseram na cabeça a coroa real.
A Universidade de Coimbra, nas solenes festividades de 28 de Julho de 1646, jura defender o privilégio da Imaculada Conceição. «E para que com mais certo e durável sucesso este nosso voto se confirme, fazemos lei e estatuto (atenta a ordem de Sua Majestade) que valha e tenha força para sempre que em nenhum tempo seja admitido aos graus desta Universidade o que não fizer o mesmo juramento, obrigando-se pública e particularmente esta sentença e voto.»
E o juramento da Universidade manteve-se até à definição do Dogma em 1854. A reforma de Pombal manteve-o e, se foi esquecido no período de D. Pedro IV, logo com D. Maria II se aviva.
Eis como Costa Cabral, bem conhecido na sua filiação maçónica, fundamentava um pedido de D. Maria II, relacionado com a Conceição de Nossa Senhora: «A história eclesiástica de Portugal é a mais abundante em sucessos prodigiosos que afiançam o especial cuidado de Maria Santíssima sobre estes Reinos, que, por outra parte, são talvez os mais insignes da Europa em número de Santuários consagrados à Mãe de Deus. Há, porém, uma invocação da Santíssima Virgem, e vem a ser a da sua puríssima Imaculada Conceição, a qual aparece como ligada aos nossos mais gloriosos feitos políticos e militares. Foi esta invocação sob a qual o virtuoso Rei o Senhor D. Manuel enviou as suas armadas ao descobrimento de novas terras e foi ao patrocínio e poderosa protecção de Nossa Senhora, debaixo do mesmo augusto e glorioso título, que o Senhor Rei D. João IV encomendou a sua pessoa, os seus descendentes e o Trono, do Reino.»
E quando o Dogma é definido, logo no Sameiro se ergue um monumento à Virgem e na Penha, em Guimarães, se evoca o papa que ao mesmo se ligou.
O próprio Antero de Quental, superando as suas dúvidas, escreveria o maravilhoso soneto à Virgem Maria, jóia a enriquecer os incontáveis tesouros da antologia mariana portuguesa, e o povo repetiria aquela luminosa quadra, composta não se sabe quando, mas que sintetiza uma crença toda devoção e sensibilidade:
No ventre da Virgem Maria
Encarnou divina graça:
Entrou e saiu por ela
Como o sol pela vidraça.
Sr. Presidente: Muitos historiadores têm acentuado o carácter anticatólico da República de 1910. Já se afirmou que o movimento republicano se fez mais contra a Igreja que contra a monarquia. Culminava, de resto, um processo que tivera suas origens remotas no consulado de Pombal e próximas no drama sangrento da guerra civil. O papel desempenhado pelas associações secretas ao longo de todo este período foi decisivo e o decreto de 28 de Maio de 1834, de Joaquim António de Aguiar, extinguindo em Portugal e seus domínios todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas de religiosos regulares, representou, para muitos, uma vitória, embora efémera, do Triângulo sobre a Cruz.
As primeiras horas da República foram profanadas com o assalto, o saqueio, o incêndio de igrejas e casas religiosas, ao mesmo tempo que padres e freiras eram caçados como quem procura feras. Ainda hoje nos curvamos sobre a memória dos padres Fragues e Barros Gomes, mártires da agitação dementada.
Simultaneamente, o Governo Provisório tomava medidas mais dirigidas contra a religião da maioria dos Portugueses que destinadas a servir o progresso económico social ou a paz e a harmonia entre as populações. Em 8 de Outubro de 1910, é posta em vigor a legislação de Pombal e de Joaquim António de Aguiar sobre a expulsão dos jesuítas e a extinção das congregações religiosas; em 18 de Outubro, é abolido o juramento religioso em geral e, por decreto de 23 do mesmo mês, os juramentos tradicionais da Universidade de Coimbra; a 26 de Outubro, ordena-se que os dias até então considerados santificados sejam úteis e de trabalho para todos os efeitos; em 3 de Novembro, institui-se o divórcio e, a 14, suprime-se a cadeira de Direito Eclesiástico da Universidade de Coimbra; no dia 25 de Dezembro, reconhece-se a exclusiva validade do casamento civil e, a 31, decreta-se que os religiosos autorizados a viver em Portugal não poderão ensinar ou intervir na educação das crianças, nem usar hábito talar, sob pena de prisão, que poderia ser levada a cabo por «toda a pessoa do povo».
A Lei da Separação, de 20 de Abril de 1911, é a cúpula de todo este processo. Segundo a imprensa da época, Afonso Costa, num discurso no Grémio Lusitano, em 26 de Março de 1911, ao referir-se às suas linhas gerais, afirmou: «Está admiravelmente preparado o povo para receber essa lei e a acção da medida será tão salutar que em duas gerações terá eliminado completamente o catolicismo, que foi a maior causa da desgraçada situação em que se caiu ...»
Quando, em 1917, começou a correr a notícia das aparições milagrosas a três crianças, num local determinado da serra de Aire, o País vivia horas de angústia. Às crises fundadas na agitação política, na divisão entre os Portugueses, no insucesso da política económica e financeira, juntavam-se as repercussões dolorosas da primeira grande guerra.
A nova das aparições breve se espalhou. Uns receberam-na com credulidade e devoção. Outros com escárnio e franca oposição. As autoridades eclesiásticas, com reserva, ou até grande cepticismo.
Está feita a história heróica de três humildes crianças que, arrostando graves ameaças e vexações, a ponto de aceitarem a morte para não traírem um segredo, se mantiveram sempre fiéis às palavras da primeira hora. Conhece--se a mudança íntima que se operou nestas almas, a beleza luminosa em que as duas mais jovens se doaram ao sacrifício para reparar os pecados alheios.
As multidões presenciaram sinais extraordinários, e ainda hoje o depoimento de Avelino de Almeida em O Século de 15 de Outubro de 1917 é uma evocação desapaixonada, até pela origem, do «milagre do Sol».