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14 DE FEVEREIRO DE 1968 2433

dificilmente que correspondentes deficiências em cursos superiores.
E isto, precisamente, não constitui aferidor que nos permita medir toda a validez de um curso secundário criteriosamente recheado decerto, mas sobretudo solidamente formativo, e, portanto, projectivo?
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Araújo Novo: - Sr. Presidente: Não foi sem emoção que há dias ouvi o ilustre Deputado Sr. Dr. Vaz Pires referir-se, nesta tribuna, ao respeito devido aos abnegados professores do liceu e ao prestígio da sua altíssima missão.
Creio bem que o mesmo sucedeu então a quantos tiveram o prazer de escutar e aplaudir o seu oportuno trabalho, porquanto a todos sobejavam razões para se emocionarem. Por mim, confesso que me senti recuar no tempo algumas dezenas de anos e surpreendi-me a evocar algumas figuras prestigiosas do ensino que a minha sensibilidade afectiva carinhosamente retém, num misto de respeito e veneração em que o tempo se não atreveu a tocar e que a lembrança guarda quase religiosamente.
Almas temperadas no contacto das almas, inteligências cultivadas no estudo aturado e sério das matérias que ensinavam, puderam preparar amorosamente para a vida gerações sucessivas de jovens que, ao longo de muitos anos, lhes passaram pelas mãos. Quantas inteligências não despertaram e aguçaram; quantas outras não esclareceram; quantas vontades não espartilharam; quantas trevas não dissiparam com o seu muito saber; quantos hábitos de trabalho não conseguiram criar; quantas vocações revelaram e encorajaram!
Ser professor é, simultaneamente, glória e responsabilidade! Já uma vez o disse, mas não há mal que o repita: ser professor é, em certa medida, dispor da possibilidade de prolongar a própria pessoa, transmitindo-a pela palavra, pelo convívio de anos e pelo exemplo, àqueles a quem o professor se dá pelo ensino. É ir, por intermédio dos discípulos, até onde pessoalmente nunca foi possível chegar; é estar onde nunca se foi; é ver completado, muitas vezes e sob muitas formas, um gesto, uma aspiração ou um simples desejo que um dia porventura se esboçou no mais íntimo da alma, mas que o tempo, por estreito, não deixou que se realizasse; é, pode dizer-se com certa verdade, multiplicar-se espiritual e intelectualmente nos discípulos e criar um certo e estranho privilégio de ubiquidade.
Os caracteres que o professor forma, as vontades que fortalece, as inteligências que desbrava e aos poucos ilumina, sempre hão-de reflectir um pouco do seu carácter, uma parcela da própria vontade, um facho maior ou menor da sua inteligência.
Os jovens normalmente copiam, e imitam aquilo que os impressiona. Por isso mesmo, o professor que lhes preenche uma boa parcela da vida - a de maior receptividade - e tanto os impressiona a muitos títulos, mesmo sem querer e até sem. dar por tal, influencia necessariamente com a sua personalidade intelectual e moral os alunos que se lhe entregam quando o escutam, que o seguem quando o admiram e que, quando o aceitam, sempre acabam por o imitar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Isto significa que um professor, só porque o é e na medida em que como tal se realiza, pode ser fonte benéfica de. luz, como poderá ser condenável abismo de sombras, se não estiver à altura da sua gravíssima missão ou nela falhar.
Ao recordar aqui a alta missão dos professores, não posso deixar de erguer o meu pensamento para quantos encheram a minha vida de estudante. Saúdo os vivos, que continuam na minha admiração; evoco respeitosamente os mortos, que vivem sempre na minha saudade.
Sr. Presidente: As pessoas atentas aos graves problemas que afligem o ensino liceal a cargo do Estado têm notado, como já aqui foi dito, um declínio desse ensino que seria mau menosprezar ou esquecer. Procurar as causas do mal é o primeiro e porventura mais sério passo para acertar com o remédio; apontá-las depois aos responsáveis para que sobre elas se debrucem e procurem debelá-las, bem pode ser o segundo. Bem andou, pois. o Sr. Deputado Vaz Pires em trazer à discussão da Assembleia Nacional este sério e momentoso problema.
Várias são as causas que têm feito enfermar o ensino liceal nos nossos dias: umas comuns a todos os liceus e que são um mal generalizado do nosso tempo; outras específicas deste ou daquele liceu e que, por isso, não têm relevo para a discussão em curso. Das primeiras, pois, porque constantes e capazes de afectar a generalidade do ensino, é que temos de cuidar.
O nosso tempo pôs à disposição das massas as mais diversas distracções.
Por sua vez, os processos de divulgação descobertos pela técnica levaram-nos & todos os recantos da terra, desde a cidade mais cosmopolita à mais afastada aldeia sertaneja escondida na serra. A rádio e a televisão, sobretudo, sendo meios admiráveis de informação, cultura s recreio, reúnem, ao mesmo tempo, virtudes e malefícios potenciais que não podem ser ignorados. Se instruem, educam, divertem, distraem e, enfim, ajudam os mortais a suportar o fardo pesado da vida, em. contrapartida roubam-lhes o tempo e diminuem-lhes consideràvelmente o poder de concentração e reflexão. Ora sem concentração e reflexão, bases de estudo, o rendimento escolar tem necessariamente de sofrer. Os jovens, sempre mais propensos e abertos às distracções que os solicitam, não aproveitam como devem o tempo destinado à preparação das lições de que os professores diariamente lhes pedem contas. O estudo faz-se aos repelões, sem regularidade, à pressa, sem a seriedade que fornece a melhor formação para brilhar na escola e depois triunfar na vida. A televisão, sobretudo, veículo admirável de cultura e instrução, como acontece já com a telescola, não está de todo inocente no decrescimento da preparação escolar dos nossos dias. E o lado mau das coisas boas.
A rádio e à televisão outras distracções se juntam ainda, todas aliciantes, apaixonantes, capazes de monopolizar conversas, atenções, horas de estudo.
Desde o futebol e demais desportos ao cinema, tudo serve para roubar tempo ao estudante e para lhe enfraquecer a capacidade de retenção que as tarefas escolares dia a dia reclamam.
Sem dúvida que estes são factores que têm contribuído poderosamente para um menor rendimento escolar, mas a meu ver estão longe de explicar tudo. Demais, neste capítulo, é à família, sobretudo, que compete vigiar e não ao Estado. Podemos, pois, passar adiante.
Vejamos outros factores que têm influído no declínio do ensino.
Ao percorrermos os programas oficiais relativos aos diversos ciclos em que o ensino liceal está dividido, logo nos impressiona o salto exagerado que do 1.º para o 2.º ciclo sofre o número de disciplinas: cinco para o 1.º ano e 2.º; nove para o 3.º, 4.º e 5.º anos. Fere-nos um tanto esta disparidade!