12 DE DEZEMBRO DE 1968 2789
Os projectos governamentais e os projectos industriais privados apresentam vantagens e desvantagens completamente distintas Portanto, a questão do mérito e demérito relativos de cada forma de propriedade das empresas industriais deverá ser encarada no campo prático dos resultados económicos que provavelmente advirão da escolha de uma ou de outra alternativa. A experiência mostra que as perdas da economia resultantes de empreendimentos oficiais, devidas a administrações ineficientes, falta de estímulo e desvio do Governo de suas funções básicas, representam custos muito mais elevados do que o preço que se deveria pagar em dividendos pelo desenvolvimento industrial privado.
Mesmo os países que, apoiados numa base ideológica, resolveram colocar virtualmente toda a sua indústria no sector público, já estão a admitir certas formas de distribuição de lucros, embora baseados numa maior justiça social, a fim de melhorar a rentabilidade das suas explorações.
Por outro lado, a indústria privada é muitas vezes responsabilizada pela má distribuição da riqueza nacional ou acusada de agravá-la quando já existe. Quando é muito grande a recompensa que os proprietários privados de indústrias exigem pelo uso do seu capital e pela capacidade técnica que oferecem, é possível que se desenvolva uma poderosa classe de industriais a tal ponto que constitua a negação do que devia ser o objectivo ideal de uma igualdade económica maior. Mas este inconveniente pode ser evitado por meio de impostos progressivos e intervenção eficiente do Estado. E certo que, se as medidas tendentes a dificultar o acúmulo de riquezas forem levadas muito longe, desaparece qualquer incentivo; os riscos do investimento não são mais aceites e, assim, são liquidadas todas as vantagens da industrialização privada. Isto quer dizer que o lançamento dos impostos e contribuições deve ser muito bem ponderado, de forma a evitar uma excessiva distorção da renda, preserve o padrão de riqueza e permita incentivo financeiro suficiente para encorajar a iniciativa e o empreendimento no sector privado.
Entre nós, suponho já se ter ultrapassado o ponto óptimo da carga fiscal no estádio actual do nosso desenvolvimento, pois o clima de precaução e falta de confiança dominante entre os investidores potenciais assim o demonstra. Com efeito, tem vindo a decrescer de ano para ano tanto o número de pedidos de instalação de novas indústrias como o de remodelação ou ampliação das existentes. Assim, enquanto no 1.º trimestre de 1967 foram concedidas 33 autorizações de instalação de novas unidades industriais e 177 transformações de unidades já existentes, em igual período do corrente ano esses números baixaram, respectivamente, para 17 e 93, o que representa, aproximadamente, uma quebra de 50 por cento.
Se este sintoma, já de si, é preocupante, ainda mais se torna pelo facto de a proposta de lei que estamos a discutir diminuir os estímulos fiscais em relação aos concedidos pela Lei n.º 2134. Com efeito, o artigo 12.º da proposta em discussão restringe os estímulos fiscais que o Governo poderá conceder apenas aos investimentos destinados à instalação de novas unidades industriais, enquanto a Lei n.º 2134, no seu artigo 9.º, era extensiva aos investimentos destinados à instalação, ampliação e renovação de equipamentos das indústrias.
Ora, parece-me ser muito mais útil à economia nacional auxiliar as empresas já instaladas a renovarem ou ampliarem o seu equipamento, de forma a trabalharem em boas condições de rentabilidade, do que estar a conceder estímulos fiscais, principalmente naqueles sectores onde já existe excessiva capacidade de produção. Infelizmente, na maior parte tios países menos evoluídos, e nós não fugimos a essa regra, os industriais tendem a actuar segundo o princípio de «sigamos o exemplo daquele que vai à frente». Uma fábrica num determinado sector da indústria é, usualmente, seguida por outras e mais outras até já não haver mercado suficiente para nenhuma. Quando se criam empresas desnecessárias, cria-se excesso de capacidade de produção e emprega-se, de modo pouco económico, um capital e técnica escassos.
Em consequência, algumas firmas abrem falência e outras continuam-se arrastando, de modo pouco produtivo, até que o mercado se amplie e lhe possa consumir os seus produtos. Embora certo excesso de capacidade seja desejável para encorajar uma concorrência efectiva, além de certo ponto, isso representa uma perda económica para o País, a menos que se encontre no mercado externo fácil colocação para o excesso de produção, embora para isso se torne indispensável uma perfeita organização da classe exportadora. Vem a propósito fazer uma referência à nossa indústria têxtil algodoeira, sem dúvida o mais importante sector industrial do País, quer pelo número de operários e empregados que ocupa, cerca de 75 000, que recebem anualmente mais de 1 milhão de contos em salários e ordenados, quer pelo volume da produção e exportações, que atingiram, em 1967, mais de 5 500 000 e 2 000 000 de contos, respectivamente.
A sucessiva instalação de novas unidades ou o aumento das já existentes foi de tal ordem, nos últimos anos, que tinha forçosamente de provocar uma grande ampliação da oferta no mercado interno. E como a esta não correspondeu o necessário aumento do poder de compra da população, houve, como é óbvio, uma saturação do mercado interno.
Ficou assim à nossa indústria algodoeira a alternativa de procurar escoar os excedentes da sua produção no mercado externo. Mas, sem o apoio eficiente e disciplinador de organismos estatais, especialmente serviços comerciais adequados junto das nossas representações diplomáticas no estrangeiro, grande parte dos nossos industriais veio a cair nas mãos de organizações comerciais nacionais e estrangeiras, muitas das quais, sem o menor escrúpulo, esmagaram os preços no vendedor em seu próprio proveito. Além destas apreciáveis dificuldades iniciais, as contingentações estabelecidas nos nossos dois principais mercados - os Estados Unidos e a Grã-Bretanha -, para os quais o acréscimo das nossas exportações mais se fazia sentir, provocaram as mais sérias perturbações no sector têxtil algodoeiro, que tem sofrido crises periódicas desde o termo da última guerra. Mas a actual crise, já que as empresas não têm falta de encomendas, teve outras causas e rebentou há cerca de dois anos, quando, inesperadamente, viu limitado o seu crédito bancário. Embora não pareçam estar comprometidas as suas possibilidades de colocação dos seus produtos, o certo é que a indústria reflecte ainda a perturbação que lhe causa a pressão exercida pelas dificuldades financeiras decorrentes, nomeadamente de escassez de crédito para fundo de maneio. Por outro lado, muitos industriais mostrando desconhecer os mais elementares princípios de gestão, procederam ao reequipamento das suas instalações, mediante fundos obtidos a curto prazo. É evidente que a nossa indústria tem de se modernizar e preparar para enfrentar os grandes espaços económicos em que já estamos integrados. Mas tem de o fazer com prudência, e nunca adquirindo bens de equipamento à custa das operações correntes de curto prazo da banca comercial.
Impõe-se, por isso, que as providências anunciadas na lei em discussão sobre a política monetária e financeira,