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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172 3084

Portugueses cidadãos do Mundo", a língua materna- última flor do Lácio inculta e bela, na frase de Bilac -, a língua nacional, dizíamos, dotada de um grande poder expansionista, com um marcado sentido descritivo que não exclui uma feição docemente intimista, foi maravilhosamente retratada pela pena de ouro de Ramalho Ortigão, através da fórmula do nosso comum conhecimento, mas que sabe sempre bem recordar:

Fluida como o azeite dos nossos olivais, vermelha e espumosa como o mosto dos nossos vinhos, saudosamente sussurrante como as azinheiras dos nossos montados, ondulosa como as searas dos nossos campos, matizada e doce como se nela vicejassem todas as nossas flores da serra o por ela escorresse, louro e coruscante, todo o mel das nossas colmeias ...

Pois, sendo património espiritual de singular grandeza e ímpar beleza, ela foi o é servida, como sabemos, por uma luzida plêiade de prosadores e de poetas e de tantas figuras ilustres e ornamentos insignes, dos mais diversificados estilos literários dispersos em território português e pelas sele partidas do Mundo. Em verdade, foram e são muitos e cintilantes os seus cultores, que não desconhecemos, porque legitimamente conquistaram o direito da inserção dos seus nomes nas melhores páginas da história da nossa literatura. Mas, porque em tamanho número, abstemo-nos de lhes fazer genérica referência, com excepção, porém, para Fernando Leal, Moniz Barreto, Cristóvão Aires, Roque Machado, Caetano Gonçalves, Ismael Gracias, Froilano de Melo, Silva Teles, Ludovico de Meneses, Sebastião Delgado, Adeodato Barreto, Luís Terry, Boloontar Raul, Panduronga Tissurlencar, citados numa conferência de Falcão Machado - coorte notável de altos espíritos que, alumiados pelos mais belos ideais e nutrindo nobres sentimentos, como paladinos da ciência e da cultura, por diversas formas contribuíram, adentro ou fora das fronteiras da nossa saudosa e querida índia, sempre vivamente presente, no coração de todos nós, para manter a dignidade, da língua-mãe, esplendorosa de glória e já imortalizada um momentos de suprema beleza!

Sr. Presidente: Prestes a findar as nossas modestas, considerações não escondemos tocar-nos a alma a flagrante actualidade do dolorido queixume e amargo desabafo contidos, na afirmação de Júlio Dantas, insinuando que se outrora não precisámos de defender a língua, a não ser episodicamente, hoje temos de defendê-la de nós próprios. Pois esforcemo-nos por que o eminente académico e cultor das belas-letras possa vir a dormir tranquilo na eternidade do seu sono derradeiro, apegando-nos todos, solidários no pensamento, nos propósitos e na acção, à alevantada ideia de estruturar uma autêntica e eficaz política linguística, a qual inspire c assegure, sob a orientação e comando de um organismo oficial, que já vimos designado por instituto ou centro de defesa da língua, a dignidade, a individualidade, o carácter, a pureza e a correcção do idioma nacional em termos de que ele venha a ser, e definitivamente, como se impõe, bem falado, bem lido e bem escrito.

Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ao pormos decisivo remate às nossas singelas palavras, não podemos omitir a referência de que continua a soar também aos nossos ouvidos o eco da remota, mas perdurável, exortação do primeiro gramático português, Fernando de Oliveira, advertindo c aconselhando que:

Aplicássemos nosso trabalho à nossa língua e gente e ficará com maior eternidade a memória dele. E não trabalhemos língua estrangeira, mas apuremos tanto a nossa com boas doutrinas que a possamos ensinar a muitas outras gentes c sempre seremos delas louvados c amados, porque a semelhança é causa de amor e mais cm línguas.

E como as palavras são como as cerejas, encadeando-se ninas nas outras no a-propósito desta mesma problemática, evoquemos e guardemos aquelas outras do nosso António Ferreira, impregnadas de sadio acento correctivo e plenas de actualidade nos seus estirados quatro séculos de existência:

Florença, fale, cante, ouça-se e viça A portuguesa língua e já onde for, Senhora vá de si. soberba, e altiva! Se até aqui esteve baixa e sem Culpa é dos que mal a exercitaram. Esquecimento nosso e desamor.

Então que não mais se reincida no feio pecado do esquecimento c desamor pela esplendorosa, bela e sempiterna língua que nós todos, afervoradamente, devemos procurar defender e prestigiar: a nossa língua, que é veículo de sentimentos, tradução de anseios, expressão de aspirações, elemento de unidade política, instrumento de divulgação de cultura., coluna da Nação e

Carne divina da Pátria, Fé, esperança, saudade, Filha e mãe da eternidade. Verbo de essência cristã,

como a crismara mimosamente, brincadamente, sentidamente, o vate imortal de Deus e da Baça que foi António Correia do Oliveira.

Temos para nós, Sr. Presidente, que, independentemente e para além dos resultados imediatos que acaso venham a ser colhidos com base na efectivação deste aviso prévio, em qualquer caso, e sem sombra da dúvida, ele representa nina intenção digna e nobre e afigura-se-nos bem Merecer o qualificativo justo de uma sementeira bendita.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Principiarei por confessar o receio que me invadiu o espírito, quando, a sós comigo mesmo, ponderava se havia ou não do intervir neste debate. Um receio que porventura se terá alargado a outros espíritos, nesta Casa, com mais experiência política e maior sensibilidade aos fenómenos que, por sua natureza, a costumam envelhecer.

É que, em primeiro lugar, esta Assembleia acabara apenas de discutir, ampla e acaloradamente, um aviso prévio sobre a expansão da língua pátria no ultramar, concretamente na província de Moçambique. E pareceu que tanto a Gamara como os órgãos mais representativos da imprensa lhe haviam atribuído um significado eminentemente político, um sentido profundamente vivencial.

Seria, pois, ainda do trazer a debate nesta Assembleia e, na sequência imediata daquele aviso prévio, um outro, sobre a "defesa da língua portuguesa"? Mormente sob pena de vir o segundo aviso a reduzir-se, por força da estreitíssima afinidade entre ambos, a- uma ingrata e subalterna- reduplicação do primeiro ou a uma desconfortante perfunetoriedade? ...

Conviria, ainda, voltar-se a falar, na Assembleia Nacional, na defesa da língua, que unanimemente se acabara de afirmar tão definida, tão personalizada, tão pletórica, tão activa, que por unanimidade se votara já a sua expan-