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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172 3086

enorme riqueza cultural e linguística, pela sua mesma personalidade colectiva, cuja expressão genuína é o idioma pátrio, que insensivelmente quase pretendem substituir pelo dos outros! ... Cada vez mais os outros! ... E cada vez menos nós próprios! ...

Não será isto, meus senhores, uma forma de alienação? ...

O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!

O Orador: - Já se não poderá pensar em nugas, Srs. Deputados, quando aquilo que se arrisca a uma alienação lenta, porque inconsciente, é a própria voz sacrossanta dos nossos maiores e a nossa própria voz! Voz de um povo que defende territórios, civiliza populações e se esforça por construir um futuro grandioso! Trata-se de uma língua falada por mnis de 100 milhões de almas no mundo de hoje: da língua do maior país católico da actualidade, o Brasil. Trata-se de uma língua que foi capaz de criar crioulos ou patuás em África, em Malaca, Macau e Timor; de uma língua que só tornou a língua do cristianismo no Oriente. E de tal modo que, ainda hoje, em Malaca e Singapura, "papiá cristão" é o mesmo que falar português.

Mais, Numa das línguas de Timor, no galole. a influência do português, como língua do cristianismo, foi tão profunda, que o vocábulo indígena designativo de divindade naquela língua timorense se apagou completamente do uso e da memória dos respectivos povos que pasmaram a utilizar, na sua linguagem coloquial e litúrgica, a expressão portuguesa "Amo Deus".

Tal é a pujança e riqueza da madre língua lusitana que insensivelmente, ou inconscientemente, vamos permitindo adulterar por estranhos e pelos de casa.

Dir-me-ão os estudiosos de psicologia ou os sociólogos se o fenómeno que acima classifiquei de alienação expressional é um fenómeno de interpenetração valorativa de culturas ou antes uma perda de consciência o de personalidade comunitárias.

Não esquecerei certamente que estamos na era espacial. Sei que "distância" e "tempo" de tal modo se comprimiram hoje que de ora avante a vida de qualquer povo ou comunidade passará a decorrer cada vez mais em termos de uma livre cosmopolitização, numa ânsia constante de refundir noções bem definidas, como as de "nação" e "pátria", no conceito ilimitado de uma cidadania universalista ou cósmica, baseada na unidade ontológica do homem. A partir daqui nascerá também a néscia e atrevida pretensão de serem legítimas todas as liberdades! ...

Mas nada disto poderá obstar a que irrompam, aqui e além, neste ou naquele país, reacções colectivas ou mesmo oficiais mais, ou menos enérgicas, mais ou menos oportunas, n todas as formas de absorção ou simples incursão vindas do qualquer zona de influência estranha. E isto também no campo cultural. É o caso, muito recente, da vizinha Espanha, com as canções e cançonetas estrangeiras, cujo. excessiva abundância na rádio espanhola teve como reacção o haver-se imposto a obrigatoriedade de uma reforçada preponderância da música nacional sobre a música ligeira estrangeira nos programas daquela emissora.

O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!

O Orador: - Entre nós, a situação tornou-se quase idêntica e parece reclamar disciplina imediata o eficaz, não só pela abundância e frequência abusiva das melodias mas também ou sobretudo pelos desvios o anomalias da letra que lhes serve de ponto de apoio ou de motivo de inspirarão.

O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!

O Orador: - Mas perdoem-me VV. Ex.ª o haver-me eu divertido do trilho indicado. E volto já ao assunto do aviso prévio, para apontar, entre outras, já aqui referidas por outros intervenientes no debate, duas causas da indisciplina e das adulterações e decadência que está sofrendo a nossa língua.

Uma dessas causas está, segundo presumo, na quase total abolição do latim dos programas escolares.

Os grandes mestres da nossa fala, Srs. Deputados, entrocaram-na sempre em boa cepa do Lácio, donde lhe veio a fidelidade, do rasto etimológico, a disciplina e precisão do conceito, a propriedade do termo, o ajustamento da palavra exacta, o mecanismo e a hierarquização das regências, a melodia da frase, o fio lógico da proposição, o travejamento harmónico do discurso.

Não foi assim o grande padre António Vieira que Latino Coelho frequentava, lendo e relendo-o quase diariamente, até lhe memorizar sermões inteiros?

Com quanta saudade, meus senhores, recordo os anos longínquos de latinidade, de literatura portuguesa, de retórica e oratória, sagrada, no prestigioso Seminário de S. José de Macau, em que os meus queridos mestres iguacianos, de competência e dedicação invulgares, nos exercitavam, quase, na mesma disciplina de Latino Coelho, no convívio de Vieira. Bernardes e Camões; e ainda na privança, embora menos assídua, de Túlio e Tito Lívio, de Virgílio e de Ovídio! ... O latim despertara em língua, viva por assim dizer, nas disciplinas estritamente filosó-ficas e teológicas. Falava-se e escrevia-se a língua de Cícero, naquele santuário das letras e da virtude.

Até no pequeno Seminário de Nossa Senhora de Fátima, fundado um 1936, na missão de Soibada, em Timor, pelo bispo D. Jaime Coreia Goulart, o latim era cultivado com o preenchimento de cinco horas semanais de aula, a par do português. E eu apenas três anos após, a fundação daquele Seminário, pude colher a alegria de receber de um dos meus discípulos, puro nativo do Timor, cartas relativamente frequentes, escritas em latim que já trazia aromas dos campos onde se cultivara.

Não venho com isto, Srs. Deputados, advogar o regresso a uma latinização maciça dos programas de estudos das nossas escolas secundárias, num mundo em que a massa estudantil está cada vez, a ser mais solicitada por novos conhecimentos e aprendizagens de natureza científica e finalidade técnica ou prática.

Mas ousaria propor que profissões como o magistério primário diplomado, o magistério secundário exercido em sucções de letras e o jornalismo profissional e actividades equiparadas na rádio, televisão e teatro se documentassem oficialmente com um conhecimento mais real do latim. Confio em que este voto venha a despertar algum eco e simpatia.

A outra causa a apontar na degenerescência do português provém de uma tendência generalizada em confundir estilística o erudição com um conhecimento verdadeiro, intrínseco da língua, através, do seu estudo loxicológico e gramatical. Daí a verificar-se hoje uma sofreguidão crescente de conhecer e dar a conhecer autores, só pelos autores, com descuramento impenitente do próprio esquema e génio da língua que se descobrem, sobretudo, na gramática e no dicionário.

Assiste-se a uma espécie de regurgitamento de erudição aburguesada, até nas escolas, em prejuízo de um conhecimento sério da língua, mediante a clássica análise morfológica e sintáctica o "s regras de formação das palavras.

Que doloroso contraste com a formosura de gesto daquele seminarista nativo de Timor que levou o seu desejo de