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5 DE FEVEREIRO DE 1969 3085

são no ultramar português? E tudo precisamente por se lhe haver reconhecido uma força eminentemente formativa daquela homogeneidade, habitualmente desejada como precursora ou, ao menos, concomitante de comunhão de interesses vitais e de unidade política?

Pois, senhores, por tudo isto se me afigurava um tanto regressiva a opção que se pretendia concretizar na discussão do aviso prévio sol ire a defesa da língua.

Por outro lado, o homem de hoje capricha em procurar a sua definição, mais em realizações materiais, em preocupações de ordem económica e em conquistas do campo técnico do que em actividades de outra ordem, à nesse sentido que se formula a opinião pública. É com isso que se alimenta e se entretém a curiosidade das massa, se agitam os espíritos e se inflamam as paixões.

Em tal perspectiva não viria porventura o debate nesta Câmara sobre a "defesa da língua" a redundar, perante uma opinião pública tão variamente influenciada, em mero academismo, susceptível de qualquer interpretação oblíqua da actividade política desta Assembleia, desvirtuando-a em amarelecentos anacronismo de elegância preciosista? ... E se essa opinião pública não viesse a coincidir com as reais e boas intenções da Câmara, mas até ousasse supor-lhe propósitos mais subtis?! ...

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estas eram as dúvidas que atemorizavam o meu propósito de colaborar no debate. Mas, felizmente, foram-se a pouco e pouco dissipando no meu espírito à medida que mais amplas informações e novos esclarecimentos e ensinamentos, colhidos directamente do próprio estudo ou de sábias lições de outros ilustres oradores nesta causa, me foram também tranquilizando o único e encorajando a resolução de contribuir, ainda que modestamente, para esta louvável empresa de defender um valor tão sagrado como o da língua pátria, a língua das nossas glórias, a língua da nossa missão civilizadora, heroicamente prosseguida em tantos continentes e entre tantos povos! ...

Louvável, portanto, e feliz a iniciativa, tão esclarecida e patriótica, dos ilustres Deputados, Srs. Inspector José Alberto de Carvalho e Dr. Elísio Pimenta, aos quais mo apraz endereçar daqui os protestos da minha muita admiração e estima c de entusiástica adesão.

Meus senhores, é do conhecimento de todos VV. Ex.(tm) que já por mnis de uma vez foi aqui tratado o tema da defesa da língua. Muito particularmente, porém, na V Legislatura desta Assembleia, em cuja sessão de 15 de Março de 1951 chegaram alguns seus prestigiosos membros a enviar para a Mesa uma proposta de aditamento à Constituição, inclusiva de garantias em prol do idioma pátrio. Embora a proposta tivesse sido rejeitada pela maioria de dois votos, contudo o amplo e acalorado interesse que informou os debates, então desencadeados em redor do aludido tema, realça bem a importância do assunto que ele envolve.

O nosso actual empenho entra, assim, numa espécie de movimento cíclico. Ou antes, é o despertar de uma velha aspiração, como que uma herança desta Casa, quase uma tradição. Uma tradição que não morreu. Nem morrerá! ...

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A expressão "língua pátria" refunde um si toda a nossa riqueza linguística, não só como património, na linha de uma longa e veneranda tradição de séculos de cultura e de história, mas ainda na sua virtualidade generativa, na sua capacidade de criar um futuro sempre rejuvenescido, com autonomia de expressão, comunidade de interesses, unidade de vida política.

Cada espécie zoológica omito a sua voz peculiar. E é por esta que ela se deixa reconhecer.

Cada ser humano se reconhece e se distingue dos outros pelo seu timbre de voz.

Os povos, meus senhores, têm como timbre de voz a língua que falam. Voz dos seus maiores! Voz da sua própria história! ... Uma voz inconfundível que afirma com altivez a sua personalidade colectiva e proclama, de forma impertérrita, a sua perenidade de vida independente! ...

Povo que perdesse o seu timbre de voz - as características da sua língua - seria uma caravana sem voz na história das nações! Um povo tristemente garroteado, talvez para sempre mudo!...

Não será por isso mesmo que outras nações, a Alemanha, por exemplo, industriam a defesa da sua língua com disposições adequadas na sua própria legislação fundamental? Até em certos países, acabados de chegar à independência, o valor "idioma pátrio" é cultivado e defendido com orgulho verdadeiramente nacional, não só pelas camadas cultas, mas ainda pelo povo simples e pelos respectivos Governos. Assim acontece na República da Indonésia e na Federação da Malásia. Nesta última, debelada que foi a crise resultante da política de confrontações armadas do presidente Sucarno, não hesitaram as entidades responsáveis pela preservação da cultura e formação da juventude em convidar centenas de professores indonésios para ensinarem malaio, declarada língua nacional, nas escolas malasianas.

Assim velam todos estes povos pela genuinidade e prestígio da sua língua, convencidos, por certo, da influência profunda que esta necessariamente exerce na formação e estabilização da unidade e soberania de um povo.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A língua não é apenas um património, uma força evolutiva de homogeneidade cultural de povos e da sua unidade política. É também expressão da própria vida de um povo. É através da língua que melhor se revelam os seus estados de espírito, as suas correntes ideológicas. Ela traduz, em certa medida, a riqueza ou a carência anímica de uma colectividade, o grau de consistência da sua personalidade colectiva.

E aqui teremos de reconhecer oportuna a sabedoria da sentença evangélica: Ex abundantia cordis os loquitur - a língua trai inevitavelmente aquilo que mais abunda ou é mais assíduo no coração!

Glosando o substrato sapiencial do texto sagrado, perdoem-me VV. Ex.ª um reparo que poderá ser um desabafo de todos nós. O português falado e escrito hoje em Portugal, por muitos dos seus filhos, herdeiros do rico património lusíada, trai confrangedoramente. escandalosamente, uma crescente e alarmante alienação expressional, que todos os dias se vai eviscerando em termos estrangeiros e até expressões completas em inglês e francês, línguas de que frequentemente se adopta, por estólida presunção, até o próprio jeito sintáctico ou o giro fraseo-lógico. Dispenso-me de exemplificar, pois que o fenómeno se repete todos os dias, na vida corrente, nos órgãos de informação, nos cartazes o prospectos de propaganda, nas legendas de películas cinematográficas, nos anúncios, nas canções, nas revistas e livros, e até nas escolas! ...

E deste modo, meus senhores, vamos ficando cada vez mais ingleses ou mais franceses: mais americanos ou mais belgas ... Mais tudo! Menos nós próprios! ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ex abundantia cordis ... Terrível sentença que, pela nossa própria língua, nos revela, mau grado nosso, o que dolorosamente parece abundar em muitos corações portugueses de hoje: indiferença ou insensibilidade pelo seu património multissecular, pela sua