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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172 3088

Esta Câmara tem ainda decerto bem presentes as palavras que o nosso ilustre colega Dr. José Manuel da Costa há dias proferiu nesta tribuna para esclarecer que se deve sobretudo a uma certa fatalidade histórica, mais do que a imperícia ou desacerto nosso, o facto de em Moçambique se falar menos português do que em outra qualquer parcela do território nacional. Menos penetração no interior, menos convivência, portanto, com os autóctones; menor número de colonos; maior influência da língua inglesa em território nacional ou por atracção de território vizinho, onde também o holandês, ou o que dele resta, se fala. Sempre, acentuou o mesmo Sr. Deputado, sempre, a língua falada.

Quando há pouco mais de um ano aqui me referi ao cinema c à televisão e disse, coisa comezinha, que todas as noites milhares de portugueses se sentam nas salas escuras dos cinemas para ouvir falar estrangeiro e que muitos mais milhares assistem à passagem dos filmes que os aparelhos de televisão lhes metem dentro de casa, em língua estrangeira, era a mesma língua falada que eu estava a apontar como a mais influente na defesa e conservação do idioma pátrio. E também quando disse - repetindo, aliás, o que aqui dissera já em Abril de 1961 - que haveria de olhar-se a condição cultural das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo para que elas e os seus filhos continuassem a ser verdadeiramente portugueses, pois era a sua acção porfiada da palavra falada, por meio de embaixadores da língua portuguesa, que eu, sobretudo, me referia. Nem de outro modo, aliás, poderia ser; pois não se diz que é o povo, e não os gramáticos, quem faz a língua? É quem a fala, portanto, e não quem a escreve? Aos gramáticos, porém, cabe a tarefa de anotar o que é legítimo no falar, para que se não perca o padrão, e outra não deve ser a atitude de quem escreve, na responsabilidade de vir a ser lido. Mas esta é verdade que começa a ter muitos detractores.

Com frequência hoje se encontram livros onde é evidente a preocupação de se usar uma linguagem original, numa espécie de neogongorismo, que esconde, por vezes, a mesma vacuidade de pensamento. Chega-se ao extremo de não se usar, mesmo em prosa, qualquer sinal de pontuação. Cada um que a ponha onde muito bem (ou muito mal) o entenda, como naquela velha anedota que se conta de Camilo, que, ao receber do seu editor a observação de que faltavam no manuscrito algumas vírgulas, lhe mandou uma carta cheia delas para que as distribuísse a seu talante. As invocações estéticas na linguagem são menos perniciosas para quem lê do que os desmandos da linguagem que se ouve, mas criam, sem dúvida, um clima de indisciplina, que gramáticos e professores não podem deixar de deplorar. Se, porém, cada um é senhor do que escreve e não se lhe pode coarctar a liberdade da criação, que no menos aquilo que oficialmente se edita ou se licencia tenha a correcção que a escola exige. E não pode também ser tida como interferência censurável a exigência de que as casas editoras tenham pessoa culturalmente idónea responsável pelas traduções que lançam no mercado. Está hoje a traduzir-se em muito mau português, talvez pela necessidade de se publicar depressa, talvez pela preocupação de se pagar pouco. Acresce ainda que uma certa literatura brasileira para mãos de menino ou de delicodoce romantismo, que as nossas raparigas do povo devoram no intervalo dos folhetins radiofónicos, repete tão fielmente o baixo falar brasileiro, de expressões tão diferentes das nossas e eivado de galicismos, que eu nem sei como o nosso falar não está ainda pior do que vai indo. É preciso, neste aspecto, tomar medidas de verdadeira higiene intelectual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já nas duas vezes apontadas atrás aqui sugeri a criação de um instituto da cultura portuguesa, entendendo que a língua não pode dissociar-se das diversas formas de que a cultura se reveste, pois é por ela que a cultura pode difundir-se, ela é o veículo condutor. Não é esta, parece, a ideia do ilustre Deputado Dr. José Manuel da Costa, ao sugerir a criação de um organismo supranacional, que entende dever limitar-se aos problemas linguísticos, tipo do alto comissariado criado em França para defesa do idioma francês. O que, por minha parte, tenho sugerido é de mais larga intenção, pois não só a língua portuguesa está em crise; em crise está também a própria cultura portuguesa, que tem de ser levada, naquilo que tem de verdadeiramente específico, aos núcleos de portugueses espalhados pelo Mundo e repetida nos programas do currículo escolar. Deste modo, sempre entendi que nas actividades circum-escolares deve claramente insistir-se em formação portuguesa, retirando daquilo que se designa genericamente por formação cultural as matérias em que prevalece o caso português.

Em parênteses, faço aqui referência a decisão ultimamente tomada pelo Ministério da Educação Nacional de fomentar o gosto pela leitura entre os alunos da escola primária, mandando distribuir-lhes 50 000 volumes de colecção educativa, não apenas como estímulo à sua curiosidade intelectual, mas ainda com o intuito de facultar tão útil instrumento de difusão cultural aos meios rurais em que os alunos residem. Também em parênteses, aqui deixo duas das conclusões do II Encontro dos Portugueses da França, realizado há poucos meses em Paris: uma, de lamento ao ineficaz desbaratamento de esforços, de ideias e de investimentos resultante da proliferação da imprensa portuguesa em França e que alguma perturbação traz ao espírito dos emigrantes a quem os jornais são destinados; outra, de pedido as autoridades competentes, para que seja reconhecido e devidamente financiado o ensino do português em regime de complementaridade, oficializando-se a equivalência dos exames feitos nas escolas existentes ou a criar para os filhos dos trabalhadores portugueses.

Sr. Presidente: Outros aspectos do problema posto pelo aviso prévio eu poderia aqui tratar. Não me propus, porém, esgotar a matéria, mas apenas trazer aqui o meu testemunho de concordância a que é necessária uma acção rápida e eficiente para salvaguardar a pureza, que não quer dizer imobilismo, da língua pátria, e um contributo, modesto embora, de ajuda a essa acção. Aqui, também, todos não somos de mais ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Marco sessão para amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.