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3476 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191

merecer-lhe a região açoriana, uma das regiões críticas da metrópole portuguesa. Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos. Bessa: -Sr. Presidente: Não é novidade para V. Ex.ª nem para ninguém desta Casa o meu interesse pelos problemas da saúde pública. Por via dele, da ideia que formo do valor do capital humano da vida da Nação e da importância da saúde pública na sua valorização, volto hoje ao mesmo tema, desta vez para chamar a atenção do Governo e especialmente dos Srs. Ministros da Saúde e Assistência e da Educação Nacional para um sério problema que atinge o País inteiro.
Impõem-mo is funções que exerço na direcção clínica de um centro c e saúde e assistência materno-infantil, as que me foram atribuídas no docência de uma cadeira de Clínica Pediátrica e na de outra da Escola Nacional de Saúde Pública e exigem-no as minhas obrigações dentro desta Assembleia.
O problema de que hoje me ocupo é a toxoplasmose, doença que, a despeito da difusão da sua forma adquirida e da gravidade da sua forma congénita, não mereceu ainda o interesse das nossas autoridades sanitárias nem da grande maioria dos médicos e dos médicos veterinários. É devida a um parasita - um protozoário - que infesta quase todos os animais domésticos, que se alberga nos mamíferos, nas aves e nos roedores e que se transmite ao homem com frequência, embora por mecanismo que aguarda demonstração. É imenso este reservatório de parasitas que rodeia o homem e que é fonte permanente da sua contaminação.
Está provado que o cão, infestado de toxoplasma, elimina as suas formas vegetativas pela saliva, pela urina e pelas fezes, donde a suspeita de que este companheiro fiel do homem seja fonte importante de infecção humana.
Sabe-se também que o «canibalismo» entre os animais (se assim me posso exprimir ...) há-de constituir uma das razões de tão forte disseminação entre eles. E todos aceitam que os quistos dos animais parasitados e que servem para a alimentação humana hão-de ter papel relevante nessa transmissão ao homem.
Mas ignora-se a importância relativa do simples contacto, da conspurcação dos alimentos por dejectos (rato) o mesmo ria possível transmissão por um agente vector.
Vem de 1908 de há mais de sessenta anos, o conhecimento do seu agente, que se ficou devendo a um italiano radicado no Brasil e que trabalhava no gabinete de bacteriologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo e a dois franceses que, alguns meses mais tarde, fizeram igual descoberta em Tunes, onde trabalhavam. É um género de parasita cuja classificação tem sido objecto de numerosos trabalhos, de entre os quais é justo salientar os dos portugueses Carlos França e Ildefonso Borges.
Só alguns anos depois da descoberta do agente foi possível estabelecer acordo sobre a sua designação - o toxoplasma gondii -, em homenagem ao roedor tunisino onde foi descoberto: o gundi.
Bastantes anos se passaram sobre esta descoberta sem que a infestação humana suscitasse qualquer interesse. Nos últimos vinte e cinco anos, porém, esse interesse tem-se verificado em ritmo acelerado, traduzido pelas publicações dos clínicos e pelos trabalhos de investigação dos homens do laboratório. Esse entusiasmo atingiu Portugal, onde, lia poucos anos o assunto serviu para uma notável tese do doutoramento na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Através dos trabalhos para a sua elaboração, foi-nos revelada a importância que este problema sanitário tem também entre nós. Em 1965 havia 75 por cento de indivíduos de ambos os sexos que tinham sido já contaminados pela toxoplasmose, quer remota, quer recentemente.
Podemos dizer, como o afirma um grande pediatra de Viena de Áustria, que a toxoplasmose é um problema da medicina moderna. E ele é tão importante que o Prof. Paulo Tolentino, de Génova, pôde afirmar, há cerca de dois anos, em Portugal, nas 5.ªs Jornadas da nossa activa Sociedade de Pediatria, que a toxoplasmose era hoje uma doença social. Os seus problemas - clínicos, laboratoriais e sanitários - estão na ordem do dia em muitos países da Europa e das Américas. Em poucos anos passámos da mais absoluta ignorância da doença para a concepção de uma possível calamidade social, como afirmou o ilustre mestre genovês.
Este salto brusco não se observou com nenhuma das outras doenças infecto-contagiosas. Sabe-se hoje que é a mais difundida da todas as protozooses humanas - tão espalhada como as doenças eruptivas das crianças (christaens). Atinge o mundo inteiro, ressalva feita da região polar árctica.
Em todos os grupos humanos e em todos os continentes a pesquisa de anticorpos específicos tem revelado taxas com significado estatístico em 45 a 85 por cento dos adultos, o que significa que mais de metade da população mundial está parasitada pelo toxoplasma gondii.
Em França já desde há anos se vêm fazendo inquéritos prospectivos nas grávidas, por causa das graves consequências da toxoplasmose congénita. Começaram nas Maternidades Pinard e Baudelocq e são actualmente conduzidos com a colaboração dos serviços de protecção material e infantil da Caísse de Sécurité Sociale da região parisiense.
Actualmente, pelo que respeita à doença congénita, o inquérito abrange várias maternidades. Poupo VV. Ex.ªs à maçada dos números que têm sido publicados, mas não devo deixar de dizer que no inquérito do Hospital de São Vicente de Paulo, que abrangeu milhares de grávidas, 83,6 por cento mostravam-se já infectadas e que 16,3 por cento não tinham anticorpos específicos. Estas, ao contrário do que possa julgar-se, são as que representam maior perigo para a descendência, por poderem parasitar-se pouco antes ou durante a gravidez e esta coincidir, portanto, com a fase aguda da doença, com a sua fase de parasitemia.
Sabe-se hoje - desde 1950, 1951 e 1952 -, sem sombra de dúvida, que as formas vegetativas do toxoplasma podem atravessar a placenta - a demonstração foi feita nos animais e nos humanos.
A frequência com que surge a toxoplasmose congénita pode cifrar-se em 1 a 2 por mil dos nascimentos (Couvreur, 1952). Embora a forma inaparente seja a mais frequente, as crianças que a sofrem são candidatas a uma ulterior corio-retinite. Efectivamente, há pouco mais de oito anos, em 1960, em Baltimore, efectuou-se um simpósio e nele se afirmou a importância da etiologia toxoplás-mica de muitas formas de afecção ocular dos adultos por corio-retinite ou uveítes anteriores, derivadas da forma congénita ou da forma ganglionar adquirida.
Além das crianças que se perdem por morte fetal, em consequência do contágio intra-uterino da toxoplasmose, teremos de contar com 200 a 400, em cada ano, portadoras dessa doença (se aqui se passar o que se verificou nas investigações feitas em Paris), já que todos os anos temos cerca de 200 000 nascimentos.