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2048 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

o processo de revisão; por isso se diz que é uma constituição rígida, a sua fixidez assegurando a limitação dos poderes nela regulados pela imposição inalterável das regras que a integram. Os poderes assim regulados e distribuídos são poderes constituídos, havendo sempre de subordinar-se às regras ditadas pelo poder constituinte de que dimana a lei fundamental.
Ora, ela própria provê a sua alteração, a qual pode ter lugar pelo exercício delegado do poder soberano do povo, que à Assembleia Nacional compete, ou pelo exercício directo da mesma soberania popular, ou seja pelo plebiscito
Num ou noutro caso são as mesmos os poderes de revisão quanto ao fim e aos limites. Como resulta dos artigos 176.º e 177.º da Constituição, trata-se de poderes constituintes, que dimanam do sufrágio ou que são exercidos através do plebiscito.
Esses poderes estão, pois, acima dos podereis constituídos, que deles dependem, e no mesmo plano daquele que levou à formulação da Constituição.
Não pode, portanto, dizer-se que o poder de revisão seja um poder constituído quanto ao seu conteúdo e aos seus limites: nesse plano ele é um verdadeiro e autêntico poder constituinte.
Só quanto ao prazo e ao modo de exercício tal puder é constituído, já que tem de submeter-se às «regras que nesses aspectos o disciplinam, mas que ele próprio pode alterar.
O poder de revisão assim entendido é o de introduzir na Constituição todas e quaisquer alterações que sejam havidas como necessários, em qualquer domínio da lei fundamental.
Nem se diga que, assim sendo, está nas nossas mãos o destino do País ou a independência da Pátria. Está-o tanto ou tão-pouco como nas mãos do povo: acaso será lícito aos cidadãos que num dado momento formam a Nação plebiscitar a sua independência?
Essa e outras questões análogas nada têm que ver com o poder de revisão, pois se colocam independentemente da determinação da sua natureza.
Sempre, ma vigência da Constituição de 1933, o poder de revisão foi havido e exercido como constituinte que é.
Basta atentar em duas das maiores reformas, ambas levadas a efeito por proposta do Governo.
Em 1945 altera-se a divisão de poderes em que assentava a Constituição, e que fora apontada como marcando o termo da ditadura, e investe-se o Governo no uso do poder legislativo, aliás sem observância do disposto aio antigo 177.º, n.º 2.º, da Constituição, que prevê que sejam submetidas a plebiscito as alterações referentes à função legislativa.
Com isto se modificou a estrutura do regime, que, como veremos, passou a ser de concentração de poderes.
Em 1959 alterou-se, em meu entender ao arrepio dos princípios essenciais, um ponto também fundamental em qualquer república, pois diz respeito à liberdade política: a forma de eleição do Chefe do Estado.
Ambas estas aliterações estruturais foram propostas pelo Governo e feitas no uso dos poderes de revisão constitucional ordinária, que à Assemblea pertencem.
E certo que a Câmara Corporativa, no seu parecer de 1951, alude à delicadeza e gravidade da revisão da Constituição, para condenar o abuso revisionista que, por mero prurido de perfeição, vai até ao ponto de alterar, retocar ou substituir a redacção ou a disposição de artigos.
Defendeu-se aí a permanência e estabilidade da Constituição; mas jamais se pôs em causa, como agora natureza constituinte do poder de revisão.
Pelo contrário, em 1951 a Câmara Corporativa entendia que uma proposta de revisão constitucional «será tanto mais aceitável quanto mais restrita aos pontos verdadeiramente essenciais, cuja modificação a experiência mostre ser necessária ou conveniente ao bem comum». Por isso recomendava que fossem postas de parte as alterações tendentes a melhorar, apurar ou completar a redacção de preceitos que até aí não haviam sido objecto de divergências de interpretação.
Porquê então o actual surto limitativo de poder de revisão?
Porquê a invocação de um suposto e inultrapassável ordenamento inicial, cujo interprete e definidor se não aponta, mias que será fatalmente um messiânico detentor do poder soberano?
O crer deixá-lo sem titular determinado, aguardando que surja o vulto ou a força que dele se aproprie, só pode significar que se teme que use dele o seu legitimo titular, que hoje somos nós.
Es uma explicação plausível para a nova concepção do poder de revisão.
Deveria, no entanto, ter-se pensado que as limitações a esse poder, invocadas a respeito do projecto n.º 6/X, poderiam ser assestadas contra a proposta do Governo, como veio efectivamente a suceder: vemos hoje impugnar as alterações referentes ao ultramar precisamente com base num conceito limitado de poder de revisão como poder constituído, o que levaria a rejeitar liminarmente a reforma que o Governo nesse ponto nas propõe.
Esta parece ser uma constante antipática desta revisão constitucional: a tentativa de evitar a discussão daquilo com que se não concorda.
Isto é revelador de imaturidade, mormente no campo político, em que não aceitar a discussão é já meia derrota.
E, por isso, espero que ela nos não envenene este debate, que haverá de der tão completo e profundo quando o assunto o merece e a nossa própria dignidade impõe, sem que possa rejeitar-se de antemão o contributo do esforço de caída um.
Analisado o poder de que estamos investidos e tendo concluído que se trata de verdadeiro poder constituinte, que como tal sempre foi usado, legitimados estão perante ele a proposta e os projectos de revisão: a natureza do poder a que é submetida aquela e de que dimanam estes legitima a criação, eliminação ou modificação de quaisquer normais constitucionais. Assim foi nas oito revisões passadas e assim é na presente, pese embora aos revisionistas de via reduzida.
Adiantando um passo no apuramento do sentido das normas propostas, creio útil determo-nos para olhar de perto o objecto do nosso labor: a Constituição que vamos rever.
Comprovando o já referido quanto ao alcance do poder de revisão e ao uso que dele foi feito, ver-se-á que em alguns dos seus princípios fundamentais ela não corresponde ao texto plebiscitado.
Inicialmente, a Constituição de 1933 assentava na divisão dos poderes do Estado: o legislativo pertencia à Assembleia Nacional, o executivo ao Presidente da República, que o exercia através do Chefe do Governo, o judicial, por função designado, aos tribunais, dos quais os ordinários reuniam condições de independência relativamente ao executivo.
Mas a nossa lei fundamental nunca foi doutrinàriamente clara nem totalmente lógica nas soluções adoptadas, estando o eclectismo dos seus princípios e o hibridismo das suas soluções recobertos de uma reconhecida imprecisão terminológica. E, como alguém especialmente autorizado não deixa de notar, cãs revisões posteriores