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2052 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

futuro, que constituem a Pátria. Daí que as pessoas se lhe não possam imolar nun qualquer altar: temos de viver e procurar progredir ao serviço de um povo de homens, em relação solidária com homens de outros povos.
Só o homem é, pois, a medida e o fim de toda a actividade máxima da política. Por isso é inconcebível que se queira sacrificar a liberdade humana a um qualquer ideal colectivo, social ou transpersonalista: isso seria subversivo, já que toda a nossa ordem moral assenta no valor absoluto da pessoa humana.
O Estado é responsável pelos meios e condições de acesso à liberdade, sem os quais ela na prática não existe. O poder político só tem sentido como meio de assegurar a liberdade, possibilitando a realização da pessoa. A Constituição deve ser o conjunto dos meios e princípios adequados à realização da liberdade. Se não somos capazes de cada momento os construir, abdicamos da nossa dignidade: reconhecemo-nos incapazes para criarmos o nosso próprio ser político.
Na nossa Constituição os valores da pessoa são tidos como fundamentais e insubornáveis a qualquer coisa que transcenda; por isso, os direitos individuais constituem limite do poder político, ao qual cumpre garantir o seu exercício para fruição da liberdade.
A Constituição consagra assim um sistema liberal, oposto a um qualquer transpersonalismo ou totalitarismo, num Estado social e corporativo, em que é democrático o fundamento do poder concentrado no Chefe do Estado.
Mas, assim como o sistema passou de presidencialista a simplesmente representativo, assim como o princípio democrático de soberania popular foi privado de manifestação activa e esvaziado de conteúdo, assim também o regime liberal, por falta de meios eficazes de fiscalização de jurisdicidade e por defeito das normas constitucionais de aplicação, se volvem em aplicação totalitária, onde as leis ordinárias, ao subordinarem o exercício dos direitos ao arbítrio do poder, único intérprete do sumo bem da comunidade, em lugar de disciplinarem o seu exercício para assegurarem a liberdade de cada um, regularam o seu não uso com supressão, efectiva ou potencial, da liberdade de todos.
Eis por que a este campo nos chama imperativamente o dever de usar o nosso poder de revisão:

Essa ordem política confiou à Assembleia Nacional a efectiva fiscalização, no plano constitucional, político e administrativo, do exercício dos direitos e liberdades fundamentais assegurados aos Portugueses. Será no salutar exercício dessa actividade e na luta pela limitação do poder que se há-de revelar a vitalidade política da Nação aqui apresentada, assegurando o crescimento equilibrado e a floração natural das liberdades que favoreçam a plena realização do homem português desde a radiosa promessa da sua generosa juventude.

Não nos deixemos ofuscar pelo brilho deste passo do discurso de resposta na inauguração da IX Legislatura, não consintamos em que ele se transforme em flor de retórica fanada pelo tempo, procuremos, sim, acorrer a esse apelo, lutando pelo efectivo exercício dos direitos e liberdades fundamentais e pela limitação do poder político.
Para isso vejamos o que temos, daquilo que a Constituição teoricamente nos reconhece.
O dia 11 de Abril de 1933 é o do início da vigência da Constituição e dos diplomas que praticamente suprimem liberdades e direitos que ela consagra.
Condição da liberdade de pensamento, da existência da opinião pública, do desenvolvimento da consciência da sociedade, da fiscalização dos actos do poder, a liberdade de imprensa reconhecida na Constituição é nesse dia suprimida por decreto-lei do Governo, invocando urgente necessidade pública, o qual legaliza a censura prévia administrativa.
Limite do número de páginas, autorização e caução prévias para os periódicos e para as empresas editoras, responsabilidade dos tipógrafos, encerramento administrativo das tipografias pela polícia e confisco dos seus bens pelo Estado, apreensões judicialmente incontroláveis são a traços largos, as pedras da legislação governamental que vão formando o muro intransponível que aprisiona a liberdade de pensamento.
Em vão, há doze anos, aqui se reconhece a urgente necessidade de uma lei de imprensa, que acabe com o regime de puro arbítrio a que há mais de trinta anos estava sujeita; em vão, porque os constituintes de 1959 se limitaram a consignar o princípio, sem impor as orientações.
Continuou a imprensa, a viver sem lei, enquanto da lei de imprensa se ia amavelmente falando.
Liberdade de reunião todos os portugueses a possuem, desde que se não juntem para discutir aquilo que a Administração entenda serem assuntos políticos ou sociais: neste caso têm, desde 11 de Abril de 1933, a liberdade que o Governo lhes conceder, pois as suas reuniões estão sujeitas a autorização prévia.
Qualquer um pode associar-se com os demais para prosseguir os fins que entender, desde que o conteúdo estatutário tenha o beneplácito do Governo, que mesmo assim pode acabar com a associação, ou dissolver-lhe os corpos gerentes, ou nomear-lhe uma comissão administrativa.
A consagração do direito ao trabalho não impediu que se coarctasse desumanamente a emigração, em termos hoje felizmente ultrapassados, nem que se limitasse drasticamente a actividade sindical.
A liberdade religiosa foi até hoje uma promessa vã, excepto para os católicos.
Os programas oficiais obrigatórios e os livros únicos esvaziaram de conteúdo a liberdade de ensino, que pouco mais é do que a liberdade da respectiva indústria.
Mas onde o panorama é mais negro e o regime mais opressivo é no que se refere à mais essencial das liberdades e u sua garantia: a liberdade física.
A proibição de penas perpétuas não impediu que durante muitos anos se aplicassem medidas de segurança indefinidamente prorrogáveis, cuja legitimidade constitucional a própria Câmara Corporativa hoje põe em dúvida.
As garantias de defesa e a instrução contraditória cederam o passo a uma mera investigação policial que faz do suspeito a principal fonte de prova, que o entrega sem contrôle durante seis meses nas mãos das polícias, que lhe recusa a assistência e até a mera constituição de advogado impostas por lei que põe a pessoa totalmente à mercê do poder.
Da própria providência, já de si excepcional, que é o habeas corpus, o decreto-lei que o regula faz um risco para quem o requer, com as sanções que comina para o próprio advogado; e de arma contra a prisão arbitrária que devia ser, ele é tornado um mero contrôle de legalidade formal das prisões: o tribunal não traiu de saber se a prisão foi motivada, contenta-se em apurar se ela obedeceu aos prazos e formalidades dos decretos-leis.