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17 DE JUNHO DE 1971 2049

não foram de molde a melhorar o texto constitucional no rigor da linguagem, na técnica e na unidade da doutrina: a Constituição, no texto de 1959, mantém o seu carácter ecléctico e a sua imprecisão terminológica».
Detendo a Assembleia Nacional o poder legislativo e sendo o Governo exclusivamente responsável perante o Presidente da República, o sistema inicial da actual Constituição podia qualificar-se como presidencialista.
Mas já então, fruto do ecléctico hibridismo apontado, há dissonâncias resultantes da introdução de notas próprias dos sistemas parlamentares.
O Chefe do Estado pode adiar a sessão legislativa, dissolver a Assembleia Nacional, convocá-la extraordinariamente, fixando-lhe nesse caso a ordem do dia, marcar dia para as eleições gerais ou suplementares dos Deputados, prorrogar por seis meses o prazo de eleição de nova Assembleia após a dissolução.
O Presidente da República participa mesmo do exercício do poder constituinte de revisão, quer pela iniciativa - compete-lhe dar à Assembleia Nacional poderes constituintes e submeter a plebiscito as alterações referente à função legislativa e aos seus órgãos -, quer pelo controle do conteúdo das alterações através da recusa de promulgação da lei de revisão, recusa essa já ocorrida em 1937.
Mesmo no período em que se manteve na Constituição o esquema inicial de separação de poderes, principal garantia de limitação do poder político, tal garantia era ténue, em virtude da subordinação da Assembleia Nacional ao Chefe do Estado.
Isto no plano teórico, pois, na prática, o poder político manteve-se, como na ditadura, ilimitado, pela inexistência de real separação de poderes: o Governo, invocando sistematicamente urgência e necessidade pública, usava o poder legislativo de que a Assembleia Nacional era a legítima detentora.
Esta teórica separação de poderes cessou em 1945; na revisão constitucional então proposta pelo Governo e aprovada pela Assembleia, aliás com inobservância do artigo 177.º, n.º 2.º, da Constituição, como se notou já, o poder legislativo foi, sem restrições, atribuído também ao Governo.
A partir de então o sistema deixou de ser presidencialista, assente na separação de poderes, embora mitigada, passando a ser simplesmente representativo: os poderes do Estado concentram-se nas mãos do Presidente da República.
Mas o sistema de governo simplesmente representativo, sendo, como o convencional, um sistema de concentração de poderes, é ainda, com aquele, uma forma política democrática de governo.
Concentrem-se os poderes no Chefe do Estado - sistema simplesmente representativo - ou na assembleia parlamentar - sistema convencional - a investidura é democrática, porque a escolha é feita pelos cidadãos, detentores directos da soberania, através da eleição.
Assim acontecia na nossa Constituição: a soberania reside na Nação, constituída por todos os cidadãos portugueses, segundo as fórmulas dos artigos 3.º e 71.º, equivalentes às dos textos constitucionais anteriores que consagravam a doutrina da soberania popular proclamada nas declarações de direitos.
É precisamente porque o sistema era ainda democrático, não obstante haver passado de presidencialista autoritário a simplesmente representativo, ao povo, detentor da soberania, era atribuída a eleição do Chefe do Estado por sufrágio directo.
Nesta altura perguntar-se-á naturalmente o que é feito do corporativismo. Ao que simplesmente se responderá que se manteve onde a Constituição o colocou, sem tradução política a nível nacional.
Sem curarmos, pelo menos por enquanto, da sua expressão nos domínios do económico e do social, cingindo-nos ao campo estritamente político e ao sector constitucional, vemos que a família, os organismos corporativos e as autarquias locais aparecem no título V como elementos políticos.
Os chefes de família elegem privativamente as juntas de freguesia, que por sua. vez concorrem para a eleição das câmaras municipais e estas para a das juntas distritais.
Aos organismos corporativos, nos quais estão organicamente representadas todas as actividades da Nação, compete participar nas eleições das câmaras municipais e das juntas distritais e na constituição da Câmara Corporativa, na qual haverá representantes das juntas distritais.
Eis a expressão política do corporativismo, a qual se reflecte apenas na organização das autarquias locais, sem qualquer tradução na organização do Estado.
É certo que o artigo 5.º da Constituição refere como uma das bases da República Corporativa a interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.
E a Câmara Corporativa, cuja organização deixou de obedecer a fórmulas provisórias a partir de 1957, com a criação das Corporações, asseguraria a tradução política do corporativismo ao nível do Estado, visto que, estando nela representados todos os elementos estruturais, participa na feitura das leis.
Simplesmente, a Câmara Corporativa é um mero órgão consultivo.
Concebida de início como conselho técnico do órgão de soberania que detinha em exclusivo o poder legislativo - a Assembleia Nacional -, a Câmara Corporativa passou mais tarde a sê-lo também do Governo, tornado cada vez mais legiferante.
E à medida que a Assembleia Nacional, desapropriada de facto e de direito do exclusivo da função legislativa, ia perdendo poderes, importância e projecção políticas, a Câmara Corporativa ia crescendo em composição e relevância, já que os seus valiosos e numerosos pareceres eram indispensáveis a uma legislação de origem quase exclusivamente burocrática; ela referia mesmo, já em 1935, não lhe parecer que conviesse intensificar muito as iniciativas dos Deputados, pois entendia que a função da Assembleia devia ser mais de colaboração e fiscalização da obra do Governo do que de iniciativa legislativa. E ainda há quem assim pense.
Esta evolução paralela, e de sinal contrário, da Assembleia Nacional e da Câmara que começara por ser o seu conselho técnico, culmina com a criação da sua secção Permanente, a contrastar com o limitado funcionamento da Assembleia Nacional.
Mas nem assim o Estado se pode dizer corporativo, como reconhece a maior autoridade nacional na matéria, segundo quem «só haverá Estado Corporativo quando os representantes das sociedade primárias tenham autoridade para aprovar as leis e possam zelar por que não sejam ultrapassados os limites do poder político resultantes da reivindicação das suas liberdades legítimas, escudo e apoio das liberdades essenciais da pessoa humana. Quer isto dizer que não tem verdadeiro significado político a existência de Câmaras Corporativas que o sejam só pela composição, dotadas de funções mera-