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2086 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103

pria ideia de grupo, de sociedade, pensa-a constituída por e redutível a um simples somatório de indivíduos, cuja associação se funda essencialmente em orientações individuais que pela via do grupo poderiam ser melhor prosseguidas. O carácter colectivo da associação está todo imbuído de valorações individuais; e a estas acaba por ir pedir-se, no fundo, o padrão por que se agrupam instituições e processos.

Compreende-se, assim, que o chamado liberalismo - enquanto técnica da ordenação dos poderes políticos, processo de governo, arranjo de constituições - que o chamado liberalismo tivesse sido, antes de mais, o afloramento histórico de um modo de encarar a sociedade e a sua vida.

Deslumbrados com a visão mecânico-causal da sociedade que, entronizado o racionalismo setecentista, assimilava todos os objectos do conhecimento nas mesmas possibilidades de explicação científica, com métodos semelhantes e teorizações equiparáveis - os criadores do regime liberal não fizeram mais do que responder, no inundo da ordenação política, aos apelos a que tinham acudido no campo das concepções explicativas lógico-formais.

Por isso Cabral de Moncada pôde dizer, com a autoridade indiscutível do seu saber e da sua independência, que o liberalismo foi o que foi porque transmutou uma categoria de pensamento explicativo - a visão mecânico-causal da sociedade - numa categoria de pensamento ético-político. a (realização do bem comum pela efectivação da maior forma possível de simples interesses individuais, expressa na fórmula clássica da maior felicidade do maior número através da máquina política do Estado liberal.

Quando se aceita, ainda hoje, que o monopólio da verdadeira representatividade de um grupo nacional é detido, com feroz exclusivismo, pelas fórmulas tradicionais expressas ma experiência liberal-individualista, estou em crer que, frequentemente, se esquecem os liames fundamentais e necessários entre aquele exclusivismo de representação e as concepções atomísticas da sociedade.

Esquecimento que poderia ainda ser desculpável se, como geralmente não é o caso, daquelas concepções atomísticas se tirassem todas as consequências, nomeadamente no campo dos programas de acção governativa e da responsabilidade do Estado pela marcha do viver colectivo.

Estas responsabilidades, crescentes de dia a dia, não significam tão-somente aumento de complexidade da vida social; significam, também e sobretudo, o plano específico em que se desenrola essa vida social, os elementos que fazem da sociedade uma realidade autónoma, ponto de encontro e de realização do complexo de orientações colectivas dos indivíduos membros do respectivo grupo.

Perante este significado, este reconhecimento de valores e fins que os indivíduos partilham colectivamente, comunitàriamente, supra-individualmente - perante tudo isto que é das concepções atomísticas da sociedade nacional e das decorrentes exigências dos esquemas liberais na organização dos poderes políticos e estruturação constitucional do País? Que é do monopólio clássico da representatividade da Nação pelo voto directo dos cidadãos eleitores?

Não me preocupo com a resposta e passo à segunda das características isoladas no regime político da nossa Constituição.

Todos conhecemos a tentação de confundir as concepções orgânicas, correspondentes ao reconhecimento de uma teleologia da nação, com os figurinos totalitários. Tentação que pode revestir a inocência da ignorância, ou o gosto pelas explicações fáceis, ou a inclinação a aproveitar as fendas abertas por uma propaganda sistemática. Seja como for, sempre a tentação do engano. Pois, na concepção totalitária, independentemente do modo por que se arranjem as estruturas e instituições políticas, os fins últimos do grupo são sempre coincidentes com os do Estado e absorvidos por ele, que vê invertida, por hipertrofia e a seu favor a sua posição instrumental relativamente u nação e à dimensão colectiva dos cidadãos. Deste modo, o pessoalismo teleológico das concepções orgânicas (nomeadamente na feição corporativa da nossa ordem constitucional) opõe-se por definição e essência ao estadismo absorvente do Estado totalitário.

Há que não confundir, para não se cair no risco de ter de se proclamar que o liberalismo (seja qual for a sua forma e a sua certidão de idade) tem o monopólio do autêntico respeito pela pessoa humana.

Com o que, de certo modo, caímos na terceira das características apontadas à nossa ordem constitucional: ;i rejeição das concepções partidárias no arranjo e expressão das forças políticas.

Ë por de mais conhecida a evolução histórica dos partidos políticos, nomeadamente na Europa. Apesar disso, convirá recordar que, começando por ser simples meios de expressão da opinião política, ao serviço dos cidadãos, cuja personalidade individual respeitavam, os clássicos partidos de opinião sofreram a sua crise de crescimento. Cresceram e modificaram-se, e modificaram-se alterando completamente o sentido inicial da estrutura política em que participavam.

Na verdade, perante a expansão da massa eleitoral e a correspondente tendência ao seu próprio crescimento, os partidos de opinião foram-se transformando em partidos de massas, que, importando para o plano político a fenomenologia da massificação social, acabam por se dirigir a homens que, de um modo ou outro, perderam a sua independência. Por isso Burdeau pôde dizer que o partido não se fez para que cada um encontre nele um" expressão da sua autonomia.

Os cidadãos só podem fazer-se ou/vir aforares dos partidos, cujo dogmatismo devem aceitar; podem, no entanto, escolher entre os partidos existentes para oferecer o >seu voto, mas não podem actuar eficazmente sobre o seu conteúdo doutrinal. E conclui: como a opinião real do País se encontra reduzida ao silêncio, o poder passa da Nação para os próprios partidos.

Vozes: - Muito bem l

O Orador: - E "precisamente isto o que rejeita a nossa ordem constitucional, por coerência com as suas demais concepções fundamentais, por respeito para com os profundos e reais interesses e valores da Nação, por prudente relembrar do activo e passivo da experiência portuguesa de ordenação da vida política em bases partidárias.

Pois bem: se não me equivoquei no isolamento das três características dominantes da nossa ordem constitucional, logo se vê que elas constituem marcos inultrapassáveis dos nossos poderes de revisão. Na verdade, quando em Outubro de 1969 nos apresentámos ao sufrágio, o eleitorado sabia, porque foi amplamente informado a esse propósito, que a Câmara a eleger tinha poderes para proceder à revisão constitucional.

Os princípios fundamentais que informam a ordem constitucional caracterizada participavam, com o devido relevo, dos nossos programas eleitorais e, nessa medida, foram pública .e amplamente debatidos.

Daqui decorre o plano doutrinal e político em que o mandato recebido se situa.